Este lugar já foi o das ruínas de Carrara. Hoje o pátio vive sempre cheio. É aqui que encontramos Fra, que vivia para o sábado à noite. E Giulia, que “deixou tudo para vir para cá”. Ao redor de um médico e deste espaço físico nasceu uma amizade que desafia o tempo. E a alma
“O mármore é muito frágil. Não parece. Mas basta uma fissura, mínima, e tac! Parte-se em dois”. Olha-nos de baixo com a mão protegendo os olhos. O branco da pedreira turva a vista. Inclusive para o senhor Walter, que trabalha ali todos os dias. Há um museu ao ar livre no meio dos Alpes, que conta dois mil anos de trabalho sobre o mármore. Em volta, a pedreira dos Fantiscritti está envolvida pelas montanhas: de algum ponto lá em cima, a rocha trepida. Parecem pequenos cascalhos. Mas são os blocos de mármore carregados sobre um caminhão. Daqui, saem para todo o mundo. São o orgulho do município de Carrara, na Itália. E de Matteo. Há alguns meses, levanta todos os dias às seis da manhã para ajudar o pai, que trabalha com mármore. Mas hoje, depois de voltar das pedreiras, o encontramos concentrado nos livros. Enquanto outros preparam o jantar. Cada um faz a sua parte na Casa Rossa (casa vermelha, em italiano), no bairro Perticata, de Carrara. O mármore sobre o Apuane, daqui, parece neve. O centro da cidade é perto, com as contradições da sua história: as travessas são ladeadas pelas sedes de grupos anárquicos e pelos sinais da fé. Pequenas imagens de Nossa Senhora e inscrições nos cantos das casas e nas portas. A probabilidade de que esta casa surgisse aqui era – estatisticamente – quase zero. Na Casa Rossa não há contradição que se mantenha. Começando pela idade.
O jardim e a regra. Na cozinha, ou nos quartos, junto com os móveis mais estranhos, estão jovens e universitários, adultos e crianças. O quintal fica cheio antes que se perceba. Alguém sai na janela. Barbara e Martina lavam a salada debaixo da cobertura, na frente do forno vigiado por dois meninos. Quem tem prova, estuda na sala. Quem não tem vontade, joga um pouco de futebol. Atrás do gol, fica o jardim, cuidado por Stefano, um pai. Padre Augusto, o pároco, vem depois da missa para cumprimentá-los. E não vai mais embora. De manhã, os jovens vão à escola, à universidade ou ao trabalho. Depois, vêm para cá assim que podem. E vivem aqui: só falta ficarem para dormir. Uma noite por semana, fazem o “encontro”. Um tipo de reunião. São três grupos: ginasiais, colegiais e o da Comunidade, que é para os mais velhos que querem fazer o caminho cristão de maneira mais definitiva, ajudados por uma regra simples: a oração noturna, o pagamento do fundo comum, a participação nos encontros e nos acampamentos para acompanhar os mais jovens.
Uma hora incandescente. Definir a Casa é impossível. Em uma hora aqui, Andrea conta sobre seu novo estágio e sobre como “a amizade que encontrei aqui me tirou do nada quando deixei a universidade e me fechei em casa”. Depois, o telefonema de Elena, todos querem cumprimentá-la. Ela está em Brighton para aprender inglês: “Tenho certeza de que estou aqui por causa da experiência que fiz na Casa”, diz entusiasmada. Uma hora aqui é como uma hora qualquer. Mas existe uma profundidade incandescente dentro, uma amizade. “Eu só sei que se não vou a fundo nisso aqui, faço mal a mim mesmo”, diz Giovanni. É a terceira vez que vem. Na primeira, sentiu-se acolhido e voltou para casa com um sorriso.
Esta Casa era uma construção antiga em ruínas ao lado da igreja Menino Jesus. O que é hoje não foi planejado. Os jovens faziam barulho na paróquia, então nasceu a ideia de reformar – com as próprias mãos – este sobrado vazio com paredes vermelhas. Há dez anos. Foram necessários três meses para reformar dois cômodos. Outros três para tirar o mato. Depois, tudo foi mais rápido. “Passávamos cada vez mais tempo aqui. E éramos cada vez em maior número”, conta Carlo. Tudo nasceu dele. Mas ele é tão humilde que jamais diria isso. Não é só modéstia: seus gestos são cheios de admiração por aquilo que vê. Carlé é médico e tem 55 anos. Nasceu em uma família de tradição católica da Garfagnana. Cresceu na paróquia, eEntre os acampamentos com os jesuítas e os panfletos da esquerda católica e do extremismo conciliar. Novos Tempos, A Rocha. Muita militância, “pouco relacionamento com Deus”. Quem ia à igreja eram as mulheres, porque “aqui, a religião sempre foi uma coisa para mulheres”. Ele se dividia em quatro na paróquia para os jovens. Até que, aos 27 anos, se surpreende ao ler na revista Il Sabato uma coluna que explicava a experiência religiosa.
Aquelas poucas linhas assinadas por Luigi Giussani derrubou tudo: talvez aqueles jovens não devessem ser preparados para a paróquia, mas para a vida. A transferência profissional para Lecco fez o resto. Foram nove anos, nos quais aprofundou o conhecimento de Comunhão e Libertação. “Quando voltei, tinha certeza de que a experiência que havia feito não poderia deixar de interessar a todos”. Voltou a se encontrar com os jovens da paróquia. Fazia as mesmas coisas de antes. Os encontros. O acampamento. “Mas aconteceu uma reviravolta: Manu começou a me olhar de maneira diferente dos outros”. Não se pode dizer Manu sem dizer Marco. Os gêmeos. Um de cabelo rastafári e o outro comportado. Há algo em que são idênticos: o brilho nos olhos. “Nunca tive olhos assim”, diz Gio.
São todos jovens de Carrara e da redondeza. Menos Giulia que é de Piemonte, mas se mudou para cá há três anos por causa da Casa. Desde menina, vinha para cá apenas para o acampamento de verão. Sete dias no Monte Argegna, ao lado do Santuário da Madonna della Guardia. “Era muito bonito. Depois, no inverno, os relacionamentos se perdiam, não falava mais com eles. Mas todos os anos decidia voltar. Eu tinha tudo em casa: amigos, dois pais maravilhosos, o namorado, o vôlei. Quando terminei o colégio, a única coisa que via na minha frente era esse lugar. A lembrança de quando ia dormir feliz. Deixei tudo e vim para cá. Por causa de algo que ainda não conhecia”.
O desejo de um pai. Os acampamentos estão nas histórias de todos. A Casa nasceu desses acampamentos. De uma pergunta que nasceu a partir daquela semana tão diferente. “Dizia a mim mesmo: é possível viver assim apenas 7 dias por ano?”, conta Manu, que deixou essa pergunta brotar no relacionamento com Carlo. “Nunca tinha visto um homem certo de sua vida e feliz”. No entanto, ele sempre tinha desejado isso. Como naquelas noites em que seu pai sentava-se ao piano: “Naqueles momentos vinham à tona todos os seus desejos, era belíssimo. Mas acabava ali. Eu me perguntava: e agora? Depois, conheci Carlé. Ele era diferente de todos. Entendia que isso tinha a ver com o fato de ele sempre ir à igreja. E isso me intrigava porque sempre me pareceu que a fé não tivesse nada a ver com a vida”. Ele diz isso agora, enquanto fala de São Bento e de São Francisco como se fossem dois amigos enquanto olha aqueles que estão aqui: “Para mim, são o rosto de Cristo”. Abraça-os um a um.
Como fez naquela noite com Francesco. Magro, sotaque de Carrara e cabelos enrolados em um coque. “Há dois anos fui ao acampamento. Depois deixei para lá. Comecei a experimentar tudo. Companhias diferentes, baladas, vivia para o sábado à noite. Mas em casa, sozinho, era sempre um momento em que eu sentia o vazio”. Bate no peito com a mão. “Uma noite, estava chovendo e eu não sabia o que fazer, vim para cá e encontrei Manu na rua. Deu-me um grande abraço. Eu não podia acreditar”. Naquele ano voltou ao acampamento: “Queria saber o que o fazia sorrir. Eles me diziam que era Cristo. Eu não entendia, mas estava feliz. Encontrei algo que preenchia meu vazio”. Naquele vazio a vida dele se abriu. Como o mármore que se quebra em dois.
Marco e a lâmpada. “Fui ao acampamento porque queria entender o que era aquilo que eu experimentava aqui”, conta Denise. “Lá, ouvi as palavras exatas que esperava ouvir há anos: é possível sermos felizes sempre. Tenho medo de que dizer isso seja banalizá-lo. Mas asseguro que vi isso com meus próprios olhos. Nessas pessoas”. Para Carlo, os acampamentos chegaram a um número de 27. Todas as vezes se pergunta: funcionará também para eles? “No entanto, todas as vezes, me emociono de novo. Porque Cristo reacontece de uma maneira antiga e nova. É Ele que desafia o tempo. E os corações”. Ele viu isso. Primeiro dia de acampamento, um grupo de “novos”. Começam o encontro no meio do mato. Todos deitados. A maioria cochila. Ele começa a falar do coração. De repente, Nicola diz: “Eu me sinto assim”. Todos despertam. Um radar. “Eles têm aquela inquietação, mas não confessam. E não há organização que responda às suas perguntas”. Isto faz a Casa viver. “Você quer organizar, responder. Mas Alguém se move mais rápido que você. Esta é a minha experiência de todos esses anos com eles: há Alguém que guia as coisas. Você apenas precisa dar um passo atrás. Para deixá-Lo passar”. Tanto que você pode propor uma coisa por acaso, que tudo acontece em seguida.
Aconteceu isso com o Banco de Solidariedade. Carlo queria propor um gesto de caritativa, Marco sugeriu o Banco. Hoje a Casa tem um depósito cheio de comida. Mattè o construiu com suas mãos. Todas as semanas levam cestas básicas para as famílias necessitadas. Alguns relacionamentos passam por aqui. Como muitos outros amigos, de toda a Itália, que conhecemos por causa do Banco. Depois, veio a caritativa com os colegiais, o Tríduo Pascal, o Meeting de Rímini. “Ver esta experiência florescer em relacionamentos tão decisivos, nascidos daqui, me transformou”, conta Marco, o outro gêmeo. “Fez-me experimentar o que há por trás da Casa. Cristo é a corrente elétrica desta amizade. Eu parava na lâmpada”.
O iphone de sorgnano. São 17h45. Cada um deixa o que está fazendo, é hora da oração. Em círculo, mãos dadas, quem quer pede pelos amigos: começa uma lista de nomes e intenções. Depois, se dispersam. Luca, Checca e Mattia partem para Sorgnano. Vão até lá todas as semanas para encontrar cinco meninas em uma pequena vila de mineiros que fica no alto de Carrara. Poucas casas, que terminam no bosque. Hoje trabalharão sobre algumas páginas do livro O eu renasce em um encontro, de Luigi Giussani. Antes, cantam juntos Mi sei scoppiato dentro il cuore, que sai do Iphone no meio da mesa. Elas também, quando podem, descem de Sorgnano para a Casa Rossa. Ali jantam junto com quem está lá. Esta noite são mais ou menos cem pessoas.
A mãe dos dois gêmeos, Francesca, também está aqui. “No início, vim para supervisionar meus filhos, que começaram a levantar no domingo para ir à missa”. No primeiro encontro que assistiu, ela começou a fazer um milhão de perguntas: “Eu tinha parado de fazê-las aos 14 anos. Minha vida estava muito machucada, e dura, eu pensava que não suportaria. Mas estes relacionamentos me mudaram. Cristo é um amor que acontece agora, e dá sentido a tudo. Sinto que posso conseguir”. Na sala, entre centenas de fotos, destaca-se a imagem da Criação, de Michelangelo. A mão de Deus a um centímetro da mão do homem. “Quero tocar aquela mão”, diz Alice, que tem 14 anos: “É impossível que por trás de uma amizade como esta não exista uma Pessoa que nos ama. É graças a Ele que não estou lá fora desperdiçando a vida”. Como fazia Nicola: “Ficava no bar Bukowski. Só saí daquele lugar porque aqui falavam do grande vazio que eu tinha dentro de mim. Eu tinha passado por muito mais experiências que eles, mas eles eram mais felizes do que eu. Aqui, encontrei um caminho, e entendo isso porque não tenho mais medo do amanhã”. Alice – uma outra menina mais velha – usa brincos vermelhos e tem uma segurança inesperada. Encontraram um tumor em seu namorado e ela sorri com os olhos cheios de lágrimas: “Sou feliz, totalmente. Se me perguntassem se preciso de alguma outra coisa, diria que não. Tenho Cristo, é tudo o que preciso para viver. Esta amizade me ensina que o mal não é a última coisa. Que Ele tomará conta de nós”.
“Pensava que eu era suficiente para ele”. Depois do jantar, cantam as músicas de Bea. Tem 21 anos e escreve letra e música. Seu talento não é obra apenas sua. O que é isso que nunca termina?, todos cantam juntos o refrão. Francesca, a mulher de Carlo, também canta. Para ela, a Casa Rossa se impôs. “Ver um grupo de jovens que ocupavam todo o tempo do meu marido foi doloroso. Pensava que eu era suficiente para ele, mas estava enganada”. Durante muito tempo não quis saber de nada. Fingia não ver a beleza. Porém, esses jovens tornavam-se homens. “Eu esquecia a idade deles. Estava diante de algo tão grande, que precisei me confrontar comigo mesma. Tudo o que vem de Deus é grande e belo. E não é da maneira como eu acho. Mas é isso que alarga o meu coração”. O mármore quebra.
Sem Jesus, a vida é uma droga
Passei uns dias na barraca com os amigos da Casa Rossa. De manhã, rezávamos as Laudes, tomávamos café e fazíamos o encontro. Depois íamos pegar lenha. A tarde começava com meia hora de silêncio: devíamos ficar meia hora em silêncio meditando sobre o encontro da manhã. No final da tarde havia a missa e as Vésperas; à noite fazíamos a assembleia e rezávamos as Completas. Uma manhã, Manu leu um trecho do Evangelho, e enquanto o lia, senti-me como Pedro. Ele disse a Jesus: se és realmente Tu, faz-me ir ao teu encontro. Pedro foi até Jesus andando sobre a água, porém o vento começou a soprar e Pedro teve medo, começou a afundar e gritou: “Senhor, salva-me”. Jesus, estendendo a mão o salvou e lhe disse: “Homem de pouca fé, por que duvidaste?”. Eu me identifiquei com isso, porque antes de começar a participar do acampamento eu estava arruinando minha vida e quando percebi isso, pedi ao Senhor que me salvasse e ele me salvou pela experiência que fiz no acampamento.
Meu pai também me impressionou muito: ele deveria apenas me trazer e vir me buscar, mas ficou durante quatro dias para ficar junto com a gente. Depois, lá em cima, fiz muitas amizades novas e verdadeiras. E tudo isso aconteceu graças a Deus.
Quando voltei, fiquei com muita raiva porque em casa não era como lá, mas disse a mim mesmo: o desafio é o de viver plenamente todos os dias como na barraca e no acampamento. Na última carta, escrevi que Jesus existe. Mas agora preciso acrescentar: obrigado por ter sido escolhido para ser feliz. E obrigado a todos vocês. Fora da verdade da vida, quer dizer, sem Jesus, a vida é uma droga.
Jordan
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