SE AS PALAVRAS NÃO EXPRIMEM MAIS AQUILO QUE SENTIMOS, É PRECISO ENCONTRAR NOVAS. COMO ENTENDI DANDO UMA VOLTA...
Ontem, saí para dar uma volta perto de casa, em um lugar maravilhoso. Killiney Bay fica a menos de um quilômetro da minha casa e normalmente é descrito como a versão irlandesa da região italiana do Golfo de Nápoles. A comparação pode parecer exagerada, mas asseguro que é um lugar em que somos obrigados a reconhecer o belo.
Enquanto caminhava pela Vico Road, que se estende pela baía, percebi um casal de idosos atrás de mim. Falavam em voz alta enquanto faziam seu passeio. Era uma tarde de final de outubro, as sombras começavam a se alongar. Caminhando na beira da colina, exatamente no ponto onde o “efeito Nápoles” fica evidente, a senhora, um pouco desiludida, exclama: “Que pena que não chegamos há uma hora, estaria mais bonito ainda”. E o homem comentou em voz alta: “Mas é ainda muito bonito. Muito bonito!”.
Aquelas frases roubadas provocaram alguma coisa em mim. Minha primeira reação foi a de pensar como eram banais e inadequadas aquelas palavras diante do panorama que se oferecia aos nossos olhos. Num segundo momento algo no tom daquele senhor me incomodou. Algo no seu comentário me fez compará-lo a um professor enquanto dá seu parecer em um concurso de arte: “Você pode fazer melhor, mas há algo de excepcional, uma promessa. Continue assim!”.
Comecei a pensar nas palavras e em como são úteis, ou poderiam ser, para dizer aquilo que sentimos. Descrever uma coisa – uma montanha, uma pintura, uma canção – como “bela” significa em nossa cultura conferir o mais alto grau de apreciação. E, assim, a palavra torna-se, no máximo, um sinal que se aproxima de alguma coisa que existe e pode tornar-se muito frequentemente uma redução grotesca daquilo que foi vivido. Nossa cultura não nos permite repensar no que significa dizer que algo é “belo”, e nem mesmo distinguir entre os fenômenos diferentes de modo a tornar mais claro o que pretendemos dizer. Aquilo que o homem atrás de mim, ontem, estava realmente dizendo era que estava comovido (diferente da mulher), comovido com aquilo que tinha encontrado. Mesmo que suas palavras tenham chegado como uma espécie de evasão, de refúgio dentro de uma fórmula que mostra entusiasmo sem comunicar o seu sentido.
Quando usamos a palavra “belo” diante de uma montanha ou de uma pintura, nós a usamos para identificar algo que as duas têm em comum ou estamos simplesmente dando voz a um clichê que a cultura radicou fortemente em nós?
Beleza significa ordem misteriosa, mas esta palavra não tem mais este significado na nossa cultura, que tentou reinterpretar essa ordem misteriosa como um simples acaso (um mero acidente).
Precisamos de uma palavra nova. Que tal “godness” (em português é algo como “divindade” ou “deidade”), como uma expressão que indique o reconhecimento de uma ordem pré-existente que penetra tanto a montanha como a pintura? O problema é que esta palavra também logo se tornaria um clichê.
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