Passos N.122, Dezembro 2010

SOCIEDADE - NA RAIZ DE UMA NECESSIDADE

CHINA - EM XANGAI TAMBÉM
SE TRABALHA PARA “SER”

por Paola Ronconi

Para se compreender que a China, agora, está bem perto, basta conectar-se ao Skype; a um custo quase zero falamos à vontade com um amigo do outro lado do mundo. Nada de nomes. Questão de segurança empresarial. Nosso interlocutor é executivo no campo da alta tecnologia e está lá desde 2000, depois de ter trabalhado na Itália e em Taiwan.
“No fim de 1999 eu trabalhava em Taipé e meu chefe me pediu para acompanhá-lo a Xangai, para estudar a possibilidade de nos abrirmos para o mercado chinês”, conta. “Funcionários do governo nos receberam e foram nossos guias. Depois do enésimo almoço de trabalho, estou fumando um cigarro com um deles e lhe pergunto candidamente: Mas vocês aceitam a propriedade privada? E ele, desconcertado: ‘Claro!’ Como bom ocidental, eu acabara de cometer uma gafe, com uma ideia antiquada de comunismo. Depois dessa viagem, nos lançamos no mercado chinês, que estava em pleno desenvolvimento: após os acontecimentos de Tienanmen [Praça da Paz Celestial], Pequim entendeu que precisava melhorar as condições econômicas do povo, que literalmente passava fome, antes que nova explosão de descontentamento eclodisse”. No entanto, apesar do “boom” e de um crescimento econômico que beira os 8-10% ao ano, o abismo entre as cidades e a zona rural aumenta, as desigualdades também, tanto que hoje, de uma população de um 1,3 bilhão de habitantes, só 600 milhões vivem no nível do padrão ocidental. “Semana passada, passeávamos pelo Bund de Xangai (a avenida que costeia o rio Huangpu). Todo dia, uma grande multidão admira, dali, os arranha-céus do bairro de Pudong. Eu me perguntava: por que, frente a tanta riqueza, o povo que passa enormes dificuldades não se rebela? Resposta: Porque, de algum modo, o governo conseguiu melhorar as condições de vida da população. Pagam um preço muito alto por isso, mas olham o futuro com a esperança de que a vida deles será melhor, que o amanhã trará mais riqueza”.
E os jovens? “Se a gente pergunta a um jovem recém-saído da universidade ‘O que você deseja para si próprio?’, ele vai responder assim: ‘Gostaria de viajar e aprender’. O máximo é fazer um curso de especialização no exterior, porque viajar é a possibilidade de ver o que existe fora da China e, ao mesmo tempo, sentir-se livre. Querem uma vida melhor do que a dos seus pais”. E muitos deles ainda hoje precisam mandar dinheiro para casa, a milhares de quilômetros de distância. O trabalho é uma forma de resgate. Os filhos podem fazer o que os pais jamais puderam se permitir.
Há mais. “Uma amiga de 26 anos, pós-graduanda nos Estados Unidos, que tem ótimo emprego no American Express, fez de tudo para ir trabalhar como voluntária na Expo de Xangai. Ao custo de perder o emprego. Por quê? Porque esse é um acontecimento histórico para a China. É uma oportunidade de sentir orgulho do seu país. Um modo de dizer: eu existo”.
Em resumo, gente consciente de que o trabalho ajuda, que a própria identidade passa também por aí. O que significa, então, trabalhar com eles? E que impacto tem a crise sobre a ideia deles de trabalho? “Minha empresa teve que cortar 70% da produção em dois meses. Aqui não existe o seguro-desemprego. Procuramos cada um dos funcionários e lhes dissemos: Não queremos dispensar ninguém. Vocês concordam com uma redução de 15% nos salários? Todos concordaram. Seis meses depois, voltamos aos 100% da produção e restabelecemos também os salários. Qualquer empreendimento carrega um certo componente de risco, e contar com pessoas que nos dão crédito ajuda a enfrentá-lo”.

Apesar das contradições, o homem chinês, em relação a nós, ocidentais, é ainda dramaticamente original, porque tem necessidades originais: poder viver dignamente, poder conhecer, poder construir um país. Alguém que está à procura de respostas, onde e como pode. O que lhes falta? “O cristianismo, a verdadeira resposta a todas essas exigências”. E não é só questão de religião. “Para entender o que é o cristianismo, é preciso vir à China e ver a muralha chinesa e a Cidade Proibida. Foram construídas com dois mil anos de diferença uma da outra, mas são idênticas, como se nesse espaço de tempo não tivesse acontecido nada. Porque toda vez que nasce uma nova dinastia – mais ou menos a cada duzentos anos – é cancelada a memória de tudo o que havia antes. Ao invés, o cristianismo é, ao mesmo tempo, continuidade e progresso, é a base do sistema civil. É uma pena que o Ocidente não o entenda mais”.
Até o governo chinês está percebendo que para manter o poder é preciso dar valor ao povo, o homem deve ter uma razão para trabalhar e gastar. “Paradoxalmente, aqui a revolução é um valor”, explica o executivo. “Porque foi a maneira como o partido tomou o poder; mas se a gente diz ao povo que destruir é um valor, uma hora o sistema será destruído. E eles não estarão em situação melhor. É bom viver aqui, mas é sobretudo um desafio. E dos grandes!”.