Este ano também te propomos a coleta. Um gesto simples: uma pequena compra de alimento, doada para quem precisa. É uma ocasião, sobretudo, de encontro com alguém, com uma pessoa, com um voluntário que também está doando seu tempo e energia para afirmar que só o ato gratuito nos torna satisfeitos, só a caridade nos expressa por completo. Todos os dias nos sentimos incapazes de reagir e tomar atitude frente às dificuldades e injustiças que vemos ao nosso redor, dificuldades e injustiças que às vezes nós mesmos provocamos, e nos sentimos impotentes. Mas, a realidade nos provoca através de um encontro. Não através de um discurso ou apelo moral, mas de um encontro. E temos uma certeza grande: este encontro provoca a nossa disponibilidade a dizer “sim”, um sim capaz de mudar o nosso coração, de mudar o mundo.
Crianças, jovens e adultos doam seu tempo juntos com alegria. Muito mais do que um gesto de voluntariado, a Coleta revela a natureza de bem que está no coração de cada homem. Fatos e histórias deste dia
“Compartilhar as necessidades, para compartilhar o sentido da vida”, não é apenas uma frase ou slogan. Essa experiência marcou o Dia Nacional da Coleta de Alimentos, realizado em 6 de novembro, quando mais de cinco mil voluntários se mobilizaram. Foram 37 cidades participantes, mais de cem supermercados em todo país e 113 toneladas de alimentos arrecadados. Foi a quinta edição da campanha que cresce a cada ano. Para os coordenadores é uma experiência de entrega gratuita para o gesto durante o ano inteiro. Para os voluntários daquele dia, horas em que a caridade, o chamado a fazer o bem, tomou corpo e até mesmo um ar de diversão. “Participar da Coleta foi uma experiência que superou todas as expectativas que eu tinha em relação ao desafio de coordenar algo tão grande assim na minha cidade. Sei que falhei em alguns detalhes, mas nada substitui tudo o que experimentei, que aprendi e que vivi. Senti que eu tinha nas mãos algo que não era meu, mas que eu tinha que cuidar como se fosse meu. Pensava somente em encontrar, receber e acolher as pessoas da melhor maneira possível. Fui a fundo nos detalhes, doando o melhor de mim”, conta Adriana, de Belém (PA). “Foi muito gratificante contribuir com o meu trabalho, além da ajuda em alimento que fiz. Vi que não é preciso ser muito abastado para contribuir. Muitas pessoas que nos ajudaram eram bem simples, doavam apenas um item, mas doavam de coração. Isso é o mais importante!”, reforça Bárbara, de Fortaleza (CE).
A campanha é simples: quem entra no supermercado participante para fazer compras, encontra um voluntário uniformizado – colete amarelo ou camiseta branca, dependendo da criatividade de cada lugar – que lhe explica o que é a Coleta e convida-o a participar. Na saída, quem aceitou a proposta faz a doação que quiser. Livre e gratuita. O dia então se transforma em uma teia de encontros: encontros entre coordenadores e voluntários; voluntários e voluntários; voluntários e clientes; e clientes que, fazendo sua doação, viram voluntários.
A Coleta chegou ao Brasil em 2006, quando alguns amigos de São Paulo, membros de Comunhão e Libertação, ficaram fascinados pela iniciativa realizada há alguns anos na Itália. Com o apoio da ONG “Banco Alimentare” de Milão começaram a ação em doze pontos de arrecadação na capital paulista. A beleza daquela experiência inicial foi “contaminando” outros amigos e aos poucos a Coleta foi crescendo e ganhando maturidade. “Graças aos parceiros e até mesmo a doações de pessoas físicas, a Coleta se sustenta financeiramente. E isso é muito bonito, pois as cidades participantes estão buscando os próprios patrocinadores e muitos deles, neste ano, extrapolaram os limites regionais e colaboraram com a campanha no Brasil inteiro. Significa que as pessoas querem que o gesto aconteça na cidade onde moram, querem fazer o gesto”, descreve Francesco Tremolada, diretor nacional da Coleta. Ele diz também que isso vai além de uma questão financeira. “Quem participa da Coleta se lança por inteiro, sem ter vergonha de pedir dinheiro ou chamar os amigos para serem voluntários. Neste ano, tivemos um parceiro que, vendo nossa dificuldade para a distribuição das caixas em todo o país, conseguiu ele mesmo uma transportadora que aceitou fazer esse trabalho de forma voluntária”. Um exemplo dessa colaboração é o que nos conta Carmen, de Ribeirão Preto (SP): “Cada vez mais vejo na Coleta a ‘experiência elementar’ de Giussani em ação, um sentido educativo amplo que não é só um trabalho social, mas um aprendizado para a vida. Junto aos meus alunos da faculdade, a resposta e adesão ao gesto foi imediata. Outros alunos, ‘vestiram’ a camisa da Coleta e juntos com outra professora voluntária foram de sala em sala falar e divulgar a ação. A presença dos voluntários das empresas parceiras foi significativa. Uma delas criou uma ação interna de comunicação para conseguir a adesão dos voluntários. A adesão dobrou do ano passado para esse e, para o próximo ano já estão se organizando para cuidarem juntas de mais de uma loja de supermercado”. Para José Eduardo Sant’Anna, coordenador-geral da Coleta em São Paulo, foi importante estar diante dessas experiências que floresceram: “Uma mãe foi à escola do filho convidar os alunos, professores e funcionários a participarem do gesto. Um amigo propôs a Coleta na paróquia que participa. Tivemos pessoas que foram aos condomínios e clubes pregar os cartazes da ação. E há até mesmo quem foi procurar ajuda dos amigos evangélicos. E foi de pequenos gestos assim que a Coleta de São Paulo foi se transformando”.
E as cidades participantes que, em 2009 eram 26, saltaram para 37 neste ano, ganhando algumas capitais como Aracaju e também cidades do interior dos estados como Jundiaí e Santos, em São Paulo, Parintins no Amazonas e Contagem em Minas Gerais, entre outras. “Ninguém pediu para que fizessem a Coleta nessas cidades. Esse desejo nasceu naturalmente e foi bonito ver como as pessoas que se envolveram viam a Coleta como uma causa própria”, afirma Francesco. No Paraná, por exemplo, já se pensa em expandir a ação no ano que vem. É o que nos contam os três amigos que viajaram 120 km desde Paiçandu até Londrina para participar da Coleta. Para Alice, “este gesto foi tão simples, mas tão gratificante que desejo que ele seja proporcionado a muitas pessoas, e em breve na nossa cidade. Quanta beleza Cristo nos comunicou nestas poucas horas na companhia de Zaira, Jaime, Rose e os demais voluntários”. Lurdes nos diz que “participar da Coleta de Alimentos foi uma ótima experiência. Nesse pequeno gesto pude perceber que existem muitas pessoas solidárias. Basta que alguém tenha uma iniciativa e se torna uma provocação para que Cristo seja percebido. Para mim, foi muito gratificante e me despertou a vontade de fazer algo a mais pelas pessoas”. Padre Jéferson, que já é “veterano”, pois até o ano passado como seminarista ajudava sempre na Coleta, afirma que desta vez ficou abordando os clientes: “Foi algo impressionante o encontro com tantas ideias e histórias diferentes e pude ver a gratidão e generosidade por parte de muitos. Para mim esta foi a grande vitória do nosso gesto. Cristo está presente e me move a doar-me a cada instante pelos meus irmãos e irmãs. Desejo no ano que segue realizar este gesto também em minha cidade”.
Um gesto educativo. Nesta campanha participaram pessoas de todas as idades e muitas famílias levaram seus filhos. É o caso de Clarice, de Belo Horizonte: “Mesmo sem ter preparado nada, eu falei que queria ir, meio no automático. Quando cheguei lá, para mim foi uma grande surpresa ver como as pessoas ficam felizes de verdade em ajudar, vendo que o sentido da vida é o mesmo para mim e para os outros. E isso me impressionou mais ainda quando olhei para os meus filhos. Mesmo sendo mãe deles, como são poucas as vezes em que me dou conta do mistério da vida deles! Olhar para os dois participando da Coleta felizes, foi muito grande para mim. Como pode? São tão pequenos! Pessoinhas com três anos e um ano e meio e o coração deles é igual ao meu, reconhecem o que corresponde ao coração deles e é o mesmo que corresponde para mim! Que coisa maravilhosa! Saí de lá renovada, com o desejo de mostrar isso para todo mundo”. A mesma surpresa de Maria Paula, de São Paulo: “Eu estava em uma festa de família e o meu caçula vem depois do almoço me perguntar ‘quando a gente vai para a outra festa?’. Na simplicidade de uma criança de 9 anos, ele me provoca . Era hora de ir para a Coleta. Festa de gente de colete amarelo, jovens anfitriões com sorriso largo no rosto, mesmo já no final do dia. Todos que entraram naquele supermercado foram convidados a participar. Alguns paravam, olhavam e seguiam; outros, geralmente os que menos esperávamos, como que nos corrigindo em nossos preconceitos, nos surpreendiam com um gesto, uma doação. O tamanho dessa doação não podia ser medido. Afinal, quem consegue medir o conteúdo do coração do homem ou do que ele é capaz? E eu, que achei que iria doar algumas horas do meu precioso tempo, ganhei uma leveza na alma, que só coisas simples e verdadeiras podem proporcionar”.
E a surpresa desta correspondência acontece tanto para os pais como para os filhos. Laura Cristina, de 9 anos, foi acompanhar o pai em um supermercado de Brasília. Ela diz: “Fiquei muito contente em participar mais uma vez da Coleta. Também fiquei satisfeitíssima com as pessoas que contribuíram. Para mim a Coleta foi um ato de amor às pessoas carentes. Sugiro que no ano que vem tenha também o Dia Nacional de Coleta de Brinquedos.”
Provocação ou preocupação. José Douglas Silva, coordenador-nacional da Coleta, fala comovido de como a campanha se tornou um gesto unitário: “Como um gesto feito só por voluntários pode ser único em um país cheio de diferenças como o Brasil? É possível porque é um gesto que tem um Ideal. É um momento no qual falamos de amizade, da nossa amizade. E podemos falar da ressurreição de Cristo”. Por isso, a Coleta não é apenas um gesto de generosidade, mas nasce da gratidão pelo encontro com Cristo, o único capaz de responder às necessidades do homem. Mariângela, de São Paulo, nos testemunha essa experiência: “Como todos os anos, resisti muito a participar. Tive muitas razões para desistir, mas lembrando da experiência já vivida nos anos anteriores, cheguei lá. Atrasada, deslocada, mas presente. Estranhamente eu tinha o coração muito leve e quando fui provocada pelo Manolo – ‘provocação ou preocupação?’ – respondi quase sem pensar ‘provocação’ e foquei nisso. Devo ter abordado umas cem pessoas (a rouquidão da noite indicou isso!) e o que mais me impressionou foi a certeza de que estava propondo alguma coisa boa para aquelas pessoas que estava abordando, não para o Banco de Alimentos. Eu não estava ali pedindo, mas convidando as pessoas para participar doando os alimentos. E que impressionante foi ver tantas pessoas sorrindo, agradecidas pelo convite. E quanto mais triste ou preocupada a pessoa se apresentava, mais eu sentia o desejo de convidar. Como que com um pedido de que fosse Cristo através de mim falando com ela. Para mim este é o principal papel da Coleta: permitir que as pessoas redescubram o bem para si mesmas que existe na gratuidade”.
Cristiane, que levou a Coleta pela primeira vez para Santos, também precisou se abrir ao imprevisto e seguir os amigos: “Terminado o dia, exausta, recordava como tudo começou para mim: seguir meus amigos, estes rostos precisos: Felipe e Cecília. Nem mesmo essa decisão inicial eu tomei sozinha: foi a Claudinha quem me ajudou a dar esse juízo, ‘Olhe e siga a realidade’, ela me disse. E fui com esse juízo até o fim. Mas no final do dia, super cansada como estava, as dificuldades vividas pareciam se impor. Foi quando Cecília me chamou a atenção para as coisas que escaparam ao nosso alcance. Sim, era verdade, os verdadeiros frutos eram as coisas incompreensíveis para mim: a alegria da sua filha adolescente, que ficou o dia todo conosco; uma amiga que foi doar alimentos e ouviu de sua filha, super tímida, que ano que vem quer participar conosco ali; os doadores que não quiseram aceitar nossos agradecimentos dizendo ‘Eu é que devo agradecer a vocês pela oportunidade’; os bandeirantes que me deram tanto trabalho para organizá-los e no fim dizem que no ano que vem podem se responsabilizar por uma loja sozinhos. E para fechar com chave de ouro, a última imagem que guardo da Coleta é a de um senhor que, às 21h20 correu atrás da gente dizendo ‘Esperem, eu também quero doar’ e o aguardamos comprar duas lata de óleo. Correspondente ao nosso coração até o último detalhe. Isso foi a Coleta para mim, e parece, para todos os que participaram”.
Disponíveis e alegres. E nesta trama de encontros que constituem a Coleta, soubemos de muitas histórias marcantes. Na cidade-satélite de Planaltina, Carlos nos conta de um doador que se tornou voluntário: “O Benedito se juntou a nós. Pedia alimentos a seus amigos e conhecidos, abriu a sua vida de forma espontânea para nós, ajudou a pesar e a fechar as caixas. Na hora em que o cansaço físico me abateu ele falou que não iria me deixar ficar daquele jeito, com cara de triste. Foi muito prestativo e ajudou demais a, até então, três desconhecidos”. Em Teresópolis, Schirley convidou os alunos e professores de dois colégios onde trabalha, e eles foram “em peso”, inclusive Shellyn, uma aluna que é deficiente visual. O dia inteiro, o mercado ficou tomado pela presença deles que, com os folhetos nas mãos, abordavam a todo mundo, sem exceção.
Para Camila, de São Bernardo do Campo, foi importante fazer o gesto junto com os amigos mais próximos: “Resolvemos que o nosso grupo de Fraternidade iria ficar com um supermercado menor. Ficou um clima bonito e várias pessoas, clientes e funcionários da loja, diziam ‘como vocês são amigos’ ou então ‘vocês estão tão felizes juntos que eu também quero participar disso’. As pessoas não se interessavam só em saber do Banco de Alimentos ou das instituições que receberiam a doação, mas queriam saber de onde nos conhecíamos. Fiquei bastante tempo conversando com um funcionário e uma cliente falando do Movimento e da nossa amizade”.
Neste gesto, muitos também perceberam como é urgente para as pessoas a necessidade de fazer o bem. Teríamos ainda muitas outras histórias para contar, mas as que aqui relatamos são apenas um pequeno sinal da grandeza vivida naquele dia. A próxima Coleta de Alimentos já tem data marcada para o ano que vem: 12 de novembro. Mas tendo diante dos olhos o que foi vivido, permanece o espaço da liberdade de cada um para continuar a viver esta gratuidade no dia-a-dia sem precisar esperar tanto tempo. Boa aventura!
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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón