DISCURSO DO PAPA BENTO XVI AO CORPO DIPLOMÁTICO CREDENCIADO JUNTO DA SANTA SÉ PARA A TROCA DE BONS VOTOS DE INÍCIO DE ANO
Sala Régia, Segunda-feira, 10 de janeiro de 2011
Com alegria, dou-vos as boas vindas a este encontro que, cada ano, vos reúne ao redor do Sucessor de Pedro. Este encontro reveste-se de alto significado, pois oferece uma imagem e, simultaneamente, um exemplo do papel da Igreja e da Santa Sé na comunidade internacional. A cada um de vós dirijo as minhas saudações e votos cordiais, em particular aos que estão aqui pela primeira vez. Agradeço-vos pelo empenho e atenção com que, no exercício das vossas delicadas funções, seguis as minhas atividades, as da Cúria Romana e, assim de certa maneira, a vida da Igreja Católica em todo o mundo. (...)
Quando começa um novo ano, ainda ressoa em nossos corações e no mundo inteiro o eco daquele anúncio jubiloso que se manifestou, há vinte séculos, na noite de Belém, noite que simboliza a condição da humanidade em sua carência de luz, de amor e de paz. Aos homens de então como aos de hoje, os mensageiros celestes trouxeram a boa nova da chegada do Salvador: “O povo que andava nas trevas viu uma grande luz; para os que habitavam na terra da escuridão, uma luz começou a brilhar” (Is 9, 1). O mistério do Filho de Deus que Se torna Filho do homem supera seguramente toda a expectativa humana. Na sua gratuidade absoluta, este acontecimento de salvação é a resposta autêntica e completa ao desejo profundo do coração. A verdade, o bem, a felicidade, a vida em plenitude que cada homem busca, consciente ou inconscientemente, são-lhe concedidos por Deus. Cada pessoa, ao buscar estes benefícios, está à procura do seu Criador, porque “só Deus responde à sede que está no coração de cada homem” (Exort. ap. Verbum Domini, 23). A humanidade, em toda a sua história, por suas crenças e ritos, manifesta uma busca incessante de Deus e “estas formas de expressão são tão universais que bem podemos chamar ao homem um ser religioso”. A dimensão religiosa é uma característica inegável e irrefreável do ser e do agir do homem, a medida da realização do seu destino e da construção da comunidade a que pertence. Por isso, quando o próprio indivíduo ou aqueles que o rodeiam negligenciam ou negam este aspecto fundamental, são gerados desequilíbrios e conflitos a todos os níveis, tanto no plano pessoal como no interpessoal.
Nesta verdade primária e basilar, encontra-se a razão pela qual indiquei a liberdade religiosa como o caminho fundamental para a construção da paz, na Celebração do Dia Mundial da Paz deste ano. De fato, a paz se constrói e se conserva apenas na medida em que o homem possa livremente procurar e servir a Deus no seu coração, na sua vida e nas suas relações com os outros.
Senhoras e Senhores Embaixadores, a vossa presença nesta circunstância solene é um convite a fazer uma viagem panorâmica sobre todos os países que representais e sobre o mundo inteiro. Não há porventura, neste panorama, numerosas situações onde, infelizmente, o direito à liberdade religiosa é lesado ou negado? Este direito do homem – que, na realidade, é o primeiro dos direitos, porque historicamente se afirmou em primeiro lugar e ainda porque tem como objeto a dimensão constitutiva do homem, isto é, a sua relação com o Criador – não é muitas vezes posto em discussão ou violado? Parece-me que a sociedade, os seus responsáveis e a opinião pública hoje se dão conta em medida maior, embora nem sempre de maneira exata, desta grave ferida infligida à dignidade e à liberdade do homo religiosus, para a qual já senti necessidade várias vezes de chamar a atenção de todos.
Olhando para o Oriente, os atentados que semearam morte, sofrimento e desconcerto entre os cristãos do Iraque, a ponto de impeli-los a deixar a terra onde seus pais viveram ao longo dos séculos, contristaram-nos profundamente. Renovo às autoridades deste país e aos chefes religiosos muçulmanos o meu ansioso apelo a trabalharem para que os seus concidadãos cristãos possam viver em segurança e continuar a prestar a sua contribuição à sociedade de que são membros com pleno título. Também no Egito, em Alexandria, o terrorismo feriu brutalmente fiéis em oração numa igreja. Esta sucessão de ataques é mais um sinal da urgente necessidade de os governos da região adotarem, não obstante as dificuldades e as ameaças, medidas eficazes para a proteção das minorias religiosas. Será preciso dizê-lo uma vez mais?
No Médio Oriente, “os cristãos são cidadãos originários e autênticos, leais à sua pátria e fiéis a todos os seus deveres nacionais. É natural que possam gozar de todos os direitos de cidadania, de liberdade de consciência e de culto, de liberdade no campo do ensino e da educação e no uso dos meios de comunicação”. Quero, enfim, recordar que a liberdade religiosa não é plenamente aplicada quando se garante apenas a liberdade de culto, demais a mais com limitações. A este respeito, é importante que o diálogo inter-religioso favoreça um compromisso comum por reconhecer e promover a liberdade religiosa de cada pessoa e de cada comunidade.
Voltando o nosso olhar para o Ocidente, deparamos com outros tipos de ameaça contra o pleno exercício da liberdade religiosa. Penso, em primeiro lugar, em países onde se reconhece uma grande importância ao pluralismo e à tolerância, enquanto a religião sofre uma crescente marginalização. Tende-se a considerar a religião, toda a religião, como um fator sem importância, alheio à sociedade moderna ou mesmo desestabilizador e procura-se, com diversos meios, impedir toda e qualquer influência dela na vida social. Deste modo, chega-se a pretender que os cristãos ajam no exercício da sua profissão, sem referimento às suas convicções religiosas e morais, e mesmo em contradição com elas, como, por exemplo, quando estão em vigor leis que limitam o direito à objeção de consciência dos profissionais da saúde ou de certos operadores do direito.
Outra manifestação da marginalização da religião, e particularmente do cristianismo, consiste em banir da vida pública festas e símbolos religiosos, em nome do respeito por quantos pertencem a outras religiões ou por aqueles que não acreditam. (...) Causa preocupação ver este serviço que as comunidades religiosas prestam a toda a sociedade, particularmente em favor da educação das jovens gerações, comprometido ou dificultado por projetos de lei que correm o risco de criar uma espécie de monopólio estatal em matéria escolástica, como se constata, por exemplo, em certos países da América Latina. Quando vários deles celebram o segundo centenário da sua independência, ocasião propícia para se recordar a contribuição da Igreja Católica para a formação da identidade nacional, exorto todos os governos a promoverem sistemas educativos que respeitem o direito primordial das famílias de decidir sobre a educação dos filhos e que se inspirem no princípio de subsidiariedade, fundamental para organizar uma sociedade justa.
Diante deste ilustre auditório, quero por último reafirmar vigorosamente que a religião não constitui um problema para a sociedade, não é um fator de perturbação ou de conflito. Quero repetir que a Igreja não procura privilégios, nem deseja intervir em âmbitos alheios à sua missão, mas simplesmente exercer a mesma com liberdade. Convido cada um a reconhecer a grande lição da história: “Como se pode negar a contribuição das grandes religiões do mundo para o desenvolvimento da civilização? A busca sincera de Deus levou a um respeito maior da dignidade do homem. As comunidades cristãs, com o seu patrimônio de valores e princípios, contribuíram imenso para a tomada de consciência das pessoas e dos povos a respeito da sua própria identidade e dignidade, bem como para a conquista de instituições democráticas e para a afirmação dos direitos do homem e seus correlativos deveres.
Emblemática a este respeito é a figura da Beata Madre Teresa de Calcutá: o centenário do seu nascimento foi celebrado tanto em Tirana, Skopje e Pristina como na Índia; ela recebeu uma vibrante homenagem não só da Igreja, mas também das autoridades civis, de líderes religiosos e pessoas sem conta de todas as confissões. Exemplos como o dela mostram ao mundo quão benéfico é para a sociedade inteira o compromisso que nasce da fé.
Que nenhuma sociedade humana se prive, voluntariamente, da contribuição fundamental que são as pessoas e as comunidades religiosas! Como recordava o Concílio Vaticano II, assegurando a todos plenamente a justa liberdade religiosa, a sociedade poderá “gozar dos bens da justiça e da paz que derivam da fidelidade dos homens a Deus e à sua santa vontade”. Por isso, ao mesmo tempo em que formulo votos de um novo ano rico de concórdia e de real progresso, exorto a todos, responsáveis políticos, líderes religiosos e pessoas de todas as categorias, a empreenderem com determinação o caminho para uma paz autêntica e duradoura, que passa pelo respeito do direito à liberdade religiosa em toda a sua extensão. (...)
Um Ano feliz para todos!
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