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Passos N.125, Abril 2011

DESTAQUE

“É o Senhor!”

por José Luis Restán

A entrada em Jerusalém. A Paixão. A Ressurreição. E também a teimosia de Pedro, a viagem da Igreja... Até o desafio que nos deixa diante da Sua Presença, perante a qual “é preciso tomar posição”. Sai o segundo volume da obra do Papa sobre Jesus. Lendo-o, encontramos uma chave para entender melhor por que as pessoas tocadas pela graça “marcam época”

Mas, então, qual é a verdade sobre Jesus? É essa a pergunta à qual Joseph Ratzinger dedicou a vida, como teólogo e como pastor, mas antes de tudo como homem. É também a pergunta que ele próprio se coloca na segunda parte da sua obra monumental, Jesus de Nazaré (com previsão de lançamento no Brasil em maio pela editora Planeta), que compreende o período que vai da entrada em Jerusalém à Ressurreição. Nessas páginas, o cientista e o mestre da fé deixam-nos maravilhados, mas através delas vibra o coração de um homem que busca a verdade e que topou com a figura e a mensagem de Jesus. Isso não pode deixar as pessoas indiferentes porque, como dizia Kierkegaard, “diante de Jesus é preciso tomar posição”.
Logo na introdução o Papa teólogo revela suas intenções. Desnuda o fato de que já se esgotaram duzentos anos de exegese, na qual predominou de forma unilateral o método histórico-crítico. Se quisermos de fato dar uma resposta convincente sobre Jesus, uma resposta que não nasça de preconceitos e de interpretações ideológicas, a exegese bíblica precisa voltar a se reconhecer como disciplina teológica, sem que, por isso, se minimizem as exigências da crítica histórica. É esse o objetivo traçado pela Constituição Dei Verbum, do Concílio Vaticano II, para o qual, porém, segundo Ratzinger, até agora pouco foi feito.
Desde a primeira página o Papa, como se se despojasse de sua autoridade ministerial, descesse ao chão da arena para manter um diálogo rigoroso e apaixonado com os principais estudiosos da Bíblia, dos mais próximos aos mais discordantes. Mas, sobretudo, Ratzinger se confronta com o Jesus que as Escrituras nos transmitem. E para isso utiliza, com precisão cirúrgica, os instrumentos da razão científica, mas sempre dentro do grande contexto da fé da Igreja, na qual esses textos nasceram. E assim ocorre que essa figura, deturpada por certo tipo de exegese, desmontada peça por peça até se tornar irreconhecível, recupera nessas páginas uma solidez extraordinária, uma impressionante capacidade de persuasão. Frente a esse Jesus que se manifesta a nós, não podemos ficar como meros espectadores. É Alguém que fala à nossa vida, que lhe oferece a plenitude e, justamente por isso, pode solicitar a nossa conversão.
Aos poucos transparece o Ratzinger polemista, tão bem conhecido de colegas e alunos nas aulas em Tübingen, Bonn e Regensburg. De modos gentis, sempre respeitoso, mas envolvente no uso da sua razão afiada. Em primeiro lugar, combate a imagem do Jesus político e revolucionário, o Jesus zelota que teria sido condenado porque pretendia liderar uma revolta violenta contra o invasor romano. Trata-se de uma imagem que fez a felicidade de algumas teologias em voga durante as décadas de 1960 e 1970, que pretendiam assim legitimar o uso da violência para criar um mundo melhor. Mas o zelo pela casa de Deus jamais induziu Jesus à violência, “Jesus não vem como destruidor, não vem com a espada do revolucionário, vem com o dom da cura... faz-nos ver Deus como Aquele que ama, e o Seu poder como a força do amor”.
O Jesus dos Evangelhos vem sob o sinal da cruz. Sua Paixão e Ressurreição é que legitimam uma pretensão que escandalizava os mestres de Israel. E diante dos numerosos apelos (sinceros ou falsos) que o induzem a confirmar com um sinal a sua pretensão, o binômio cruz-ressurreição será o único sinal, “o sinal de Jonas”, que Cristo oferecerá à Israel e ao mundo. Mas a incompreensão e a rejeição que esse método original suscita não vêm só dos seus inimigos. Pedro também experimenta essa aversão que, depois, durante séculos, continuará na história dos seus discípulos: “Longe de ti lavar-me os pés, longe de ti morrer na cruz, a tua submissão e a tua humildade são inadmissíveis”. E Ratzinger diz que Jesus deve nos ajudar a entender, sempre, que o poder de Deus é diferente, que o Messias deve entrar na glória e levar à glória através do sofrimento. Pedro o compreendeu quando viu que as suas intenções belicosas se resumiam a renegar Jesus enquanto o galo cantava. Teve que aprender a humildade do seguimento, para ser levado para onde não queria ir e receber, ao final, a graça do martírio.

No Jardim do Getsêmani. A tensão dramática, criada pela beleza literária desse texto, alcança o ápice nas páginas sobre o Getsêmani, porque nesse lugar Jesus viveu a extrema solidão, toda a tribulação possível ao ser humano. Lá, o abismo do mal e do pecado de todos os tempos atinge o mais profundo da sua alma, lá o traidor o beijou e os discípulos o abandonaram. Lá, diz o Papa, “Jesus lutou por mim”. Em diversas ocasiões no curso do livro ele nos fala da comoção de Jesus; ou melhor, no-la transmite ardentemente. É o mistério mais insondável desse Jesus que é o Filho bendito do Pai, que em sua desolação o chama de Abbà, uma palavra que nenhum judeu teria utilizado ao se referir ao Deus da Aliança. Demonstra assim a íntima essência da sua relação com Deus. De impressionante profundidade é toda a explicação da prece no Horto, com as suas duas súplicas: que, se possível, faça com que esse cálice se afaste de mim sem que eu precise bebê-lo, mas que seja feita a tua vontade e não a minha. “Na vontade humana de Jesus se reflete a resistência da natureza humana frente a Deus... mas Jesus, lutando, leva a natureza recalcitrante à sua verdadeira essência.”
Se o revolucionário violento é uma deformação grotesca do Jesus de Nazaré, também não se adaptam a ele as imagens do rabino benévolo ou do simples profeta. Desde seu ingresso em Jerusalém, a diatribe com os cambistas e com os fariseus no templo, a Última Ceia e a comoção no Horto das Oliveiras, delineia-se com traços vigorosos a missão de Jesus e a sua pretensão messiânica, que se revela inteiramente no diálogo com Caifás. Ratzinger, aí, enfrenta um dos nós que, à sensibilidade e à mentalidade modernas, parecem inexplicáveis; refiro-me à questão da “expiação”. Para a mentalidade de hoje, parece insuportável conciliar a imagem de um Deus que é Pai bom e misericordioso com a missão atribuída a Jesus de se imolar pelos pecados de toda a humanidade. Seria justamente o que os textos nos quiseram transmitir ou se trata de uma reformulação posterior da Igreja primitiva?
Ratzinger, aqui, exige que estejamos disponíveis, para não interpretar os textos segundo nossos esquemas racionalistas, para nos deixarmos conduzir, por eles, para além da nossa presunção.
A dura realidade do mal existe, é tão tangível que podemos percebê-la todos os dias. Não é uma reflexão, mas um fato que contamina e corrompe a vida de mil maneiras. Seria realista – ou melhor, justo – pensar numa redenção que simplesmente ignorasse o tremendo peso desse mal, e assim virar a página? Aqui o professor Ratzinger demonstra a sua genialidade ao examinar o Mistério e torná-lo compreensível. Essa realidade do mal, da qual fazemos experiência com tanta amargura e impotência no presente da nossa vida e durante todo o curso da história, não pode ser simplesmente ignorada; precisa ser combatida e eliminada. Não é um Deus cruel a exigir de Jesus um tributo insuportável e desmesurado. É justamente o contrário. “Deus mesmo se põe como o lugar de reconciliação, e em seu filho toma sobre si o sofrimento.”

Aos pés da cruz. Pascal recria a cena do Getsêmani ouvindo Jesus dizer (e cada um de nós pode fazer o mesmo com suas angústias): “Essas gotas de sangue eu as derramei por ti”. E efetivamente, do coração transpassado de Jesus jorram a água e o sangue que antecipam o Batismo e a Eucaristia, o tecido profundo da Igreja que nasce aos pés da Cruz.
Abramos um parêntese para destacar a extraordinária delicadeza, a estima e também a ternura que se desprendem dessas páginas em relação ao povo judeu, nossos pais na fé de Abraão. O Papa aborda sem hesitação a grave questão da polêmica entre judaísmo e cristianismo: a pretensão divina de Jesus, o significado do seu ensinamento, da sua condenação e da sua imolação na cruz. Matéria explosiva, que Joseph Ratzinger aborda no contexto da hipersensibilidade que ainda hoje está à flor da pele. Além disso, qualquer pessoa, depois de ler esse livro, amará muito mais Israel, terá uma compreensão mais ampla e luminosa da grande história bíblica, na qual se insere necessariamente a novidade cristã.
Chegamos ao capítulo dedicado à Ressurreição de Jesus, que é o ponto decisivo dessa pesquisa, como confessa o autor, e o é porque a fé cristã sobrevive ou rui a partir da verdade desse testemunho. A conclusão é premente: sem a Ressurreição, poderiam permanecer de Jesus alguns fragmentos interessantes, ideias mais ou menos úteis sobre Deus e sobre o homem, “mas a fé cristã ficaria sem vida”. Somente a fé cristã legitima e confirma a pretensão de Jesus. Mas do que estamos falando? Para explicar essa realidade, que está na base do testemunho apostólico, Ratzinger fala de “uma mutação decisiva”, de um “salto de qualidade”: romper as correntes para entrar numa nova dimensão da existência, um tipo de vida completamente novo que não está mais sujeito à lei do porvir e da morte.

Diálogo e mistério. Nas páginas finais do livro, o papa Ratzinger dialoga com o leitor contemporâneo marcado pelo ceticismo e pela suposta onipotência das ciências empíricas, mas que, ao mesmo tempo, deseja uma plenitude, uma vida verdadeira, que não consegue imaginar e definir. E não esconde as dimensões do mistério: esse Jesus que aparece aos seus não é um cadáver reanimado, mas alguém que vivia em Deus de um modo completamente novo. Não pertencia mais ao nosso mundo, mas estava presente nele de um modo real, com sua própria identidade. Poderia verdadeiramente estar assim? Podemos, como pessoas modernas, dar crédito a tal relato? Responder positivamente a essa questão é um desafio para toda a Igreja, que Ratzinger acolhe partindo da compreensão literal dos relatos da Escritura, mas, ao mesmo tempo, levando em consideração as exigências desta época. Conclui que a ciência não pode fechar as portas à possibilidade de algo novo, inesperado. E se pergunta se a criação, no fundo, não estaria esperando uma mutação definitiva, uma superação de todos os limites, uma plenitude e uma harmonia secretamente aguardadas.
Em todo caso, a Ressurreição, que vai além da história e abre a porta para outra dimensão, verdadeiramente deixou uma marca palpável na história. Seria inconcebível o entusiasmo missionário ou a coragem e a paixão daquele primeiro grupo de cristãos se, no leque da sua experiência de vida, não tivesse acontecido algo de inimaginável que os fez superar o trauma da morte de Jesus na cruz. Por isso, o relato da Ressurreição se transforma, por si mesmo, em eclesiologia: dá uma forma à Igreja e a induz a partir para a missão. Abre-se, então, o tempo da Igreja, que pode, portanto, compreender o drama da cruz e os anúncios da salvação, que só se poderá obter através do sofrimento do Filho do homem. Pedro, em particular, passou a entender, nesse momento, que lhe faltara visão de longo prazo quando discutia obstinadamente com o Mestre a respeito de detalhes. A salvação não podia vir através da imposição do poder, mas só mediante o amor, que exige conversão.
Abre-se assim o tempo da Igreja, um tempo que faz o papel de mediador entre a história terrena de Jesus e a sua vinda gloriosa no final dos tempos. Quando Jesus sobe ao Pai não abandona os seus, mas continua a estar presente, manifesta-se continuamente em nossa vida. E aqui o Papa leva em consideração as tribulações do presente: “Também hoje o barco da Igreja, com o vento contrário da história, navega no oceano agitado do tempo... e frequentemente temos a sensação de que esteja para afundar; mas o Senhor está presente e chega no momento oportuno”. Sim, Ele vem continuamente através da sua Palavra, dos sacramentos, dos eventos da vida e do testemunho de santidade. E há momentos, diz o Papa, em que essa Sua manifestação através de pessoas tocadas pela Sua graça “faz época”, como aconteceu com Francisco e Domingos, entre os séculos XII e XIII, e com Teresa e Inácio no século XVI.
E o livro do Papa teólogo, do estudioso, do crente e do homem que aqui destilou o fruto de toda uma vida, fecha-se com uma invocação simples e apaixonada: que Ele nos dê hoje “novas testemunhas da Sua presença, através das quais Ele próprio se aproxime de nós”.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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