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Passos N.125, Abril 2011

ENCONTRO / MINAS GERAIS

Beleza, artistas e a força da amizade

por Cristiane Nunes, Débora Ramos e Rafael Pitoscia

Três dias juntos para aprofundar o sentido do próprio trabalho. Na Serra da Piedade, no final de janeiro, alguns amigos se reuniram para entender melhor o dom artístico com que se expressam e ser ajudados a pôr-se a serviço do Criador

“Senhor! Que buscas Tu pescar com a rede das estrelas?”
(Mário Quintana)
A pergunta de Quintana ressalta a busca do homem por conhecer o Infinito e a si mesmo. Com o mesmo desejo do poeta, dezoito amigos, sendo dez de Belo Horizonte e oito de São Paulo, Brasília e Manaus, se reuniram para passar alguns dias juntos tendo como provocação a afirmação do Papa Bento XVI de que “a beleza é a grande necessidade dos homens”. Tinham em comum o fato de serem artistas e apaixonados pela beleza. No alto da montanha, sob o pôr-do-sol de Minas Gerais, se reuniram nos dias 28, 29 e 30 de janeiro na Serra da Piedade para o I Encontro dos Artistas, com uma boa dose de expectativa e uma pequena amostragem de suas criações na bagagem.
Foram três dias inesquecíveis, ricos em experiências e densidade humana, em que se compartilhava a refeição, o drama de cada um, o trabalho artístico, as estrelas, a fé e a poesia. Uma das coisas que propiciou o maravilhamento e a amizade foi o local escolhido para o encontro que já é, em si mesmo, um convite à contemplação: dada sua geografia imponente, arquitetura, familiaridade e por ser uma referência de fé e cultura, a Serra da Piedade é um lugar onde o próprio Mistério se coloca em forma. Outro aspecto que favorece a memória foi a maneira livre e despretensiosa das propostas feitas, na qual cada um pôde doar um pouco de si mesmo, se conhecer em ação e acolher a novidade daquilo que acontecia. Todos foram chamados a se expressar, a dizer como viviam a beleza no trabalho e na vida.
A proposta para o primeiro dia foi olhar o céu estrelado no observatório astronômico e ficar diante da imensidão em que o homem está mergulhado. No segundo dia, teve-se como provocação o vídeo da cerimônia presidida por Bento XVI da Consagração do altar da Catedral da Sagrada Família de Barcelona – surpreendente obra do arquiteto espanhol Antoni Gaudì. Em seguida, conversou-se acerca desse vídeo e também da afirmação do Papa de que “a beleza é a grande necessidade dos homens”, o que evidenciou o verdadeiro papel do artista e, principalmente, a vocação do ser humano. Julián de la Morena lembrava que “não estamos juntos para sermos funcionários artísticos da Igreja. A nossa primeira missão é a construção do nosso eu que emerge, só assim o Mistério pode se comunicar. A responsabilidade dos homens é mostrar a glória de Deus. E como, de que maneira – com isso que me foi dado – posso servir mais ao Reino de Deus?” Essa pergunta foi suscitada em vários momentos no decorrer dos dias e foi importante, no percurso, a paternidade e a amizade de Julián, para que se pudesse ficar diante da realidade, abertos à novidade que acontecia diante dos olhos.
Ao longo do sábado e do domingo, cada pessoa se expressou também por meio de uma apresentação artística que continha um pouco de como vivia a beleza. Artistas dedicados a diversas modalidades – como fotografia, moda, teatro, música, artes plásticas, poesia, arquitetura – dividiram o palco do silêncio, do estupor e de si mesmos, em instantes de comoção e maravilha. Não era possível separar o que era a beleza do artista e a da apresentação, do que era a manifestação da Beleza feita carne, pois havia uma unidade em cada pessoa, entre os amigos e no que acontecia. A intensidade vivida continuou no sarau sob a luz do luar, em que se bebia e cantava juntos, se falava da vida e se recitava poesias, com um olhar de gratidão por pertencer a uma companhia que escancara o coração.
O domingo contou, ainda, com um breve testemunho das pessoas que participaram do encontro dos artistas e de alguns pontos que Julián de la Morena percebeu como relevantes para a síntese do que transcorreu na Serra da Piedade.
Primeiramente, destacou-se a relevância de se agradecer à história que colocou essas pessoas juntas, à unidade educativa que as gerou, pois elas aceitaram um percurso educativo, ainda que dramático. Uma gratidão a Dom Giussani por ter abraçado o humano de tal maneira que nada fica de fora e que possibilitou o reconhecimento de uma amizade profunda, como aquela encontrada ali. Ficou claro, ainda, que o cristão é um homem de verdade e uma mulher de verdade, e que o artista tem uma missão correspondente a isso, ele responde a um chamado, como transparece na fala do músico Ernane Souza (Belo Horizonte): “Aprendi neste tempo, aqui, que o dom que a gente tem é um chamado, e que esse dom, para mim, precisa ser continuamente um chamado. Todas as vezes que sou chamado objetivamente pelo nome, assim ‘Nane, prepare uma música’, é como se se abrisse uma porta para o Mistério. Eu sou chamado pelo nome e tenho uma missão nisso. A arte, então, deixa de ser uma coisa só espontânea e é um seguir, um obedecer”.
Outro ponto de conclusão é que o artista é alguém que carrega uma gratidão. Uma gratidão a alguma coisa que não gerou, um dom que lhe foi dado por Alguém, portanto, ele tem a Quem agradecer. Antes de ser artista, em quaisquer das suas modalidades de expressão, já se tem um presente que vai além de uma habilidade específica: “o presente que cada um tem na própria vida é a vida mesma de cada um de vocês e é muito mais que a redução a uma capacidade que cada um tem. A coisa melhor de vocês são vocês mesmos. Temos que entender que cada um de nós é um presente de Deus e que Ele providenciou algo para cada um de nós”, ressaltou Julián.
O dom se realiza ao ser doado, e viver a postura de sensibilidade cristã reside justamente nisso, pois colocá-lo a serviço é a possibilidade de comunicar a beleza do presente recebido. Oferecer-se ao outro é a possibilidade de viver esse presente, a beleza da própria vida, como testemunha Rosa Brambilla (Belo Horizonte), responsável pelas Obras Educativas Padre Giussani: “Ficou muito mais evidente que o homem precisa da beleza, eu preciso da beleza. É como o oxigênio, que não dá para viver sem. E como foi evidente que Deus dá os dons agudos como vocês, como uma vocação para servir o Criador, como se fossem os artistas-escravos – escravo no sentido bom da palavra – do Criador. O escravo é aquele que não pode não servir, deve servir ao senhor, como o gênio que expressa essa beleza que é a Verdade do qual todo homem tem sede. Eu sou uma dessa, que tem uma sede infinita e que não se cansa dessa Beleza”.
Considera-se, portanto, que a experiência vivida é uma provocação real para todos nós, uma vez que pode ajudar a entender mais quem se é, e que a expressão da beleza é a expressão do eu. O maior presente já é a própria vida que se comunica.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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