AS ANÁLISES FALHAS E
AS EXIGÊNCIAS DO CORAÇÃO
Estou na universidade e escrevo na hora do almoço. Desde o início de fevereiro não tenho êxito com os resultados das análises da minha pesquisa. Ninguém consegue entender o motivo, nem os professores na Itália, nem os libaneses. Todas as manhãs fico à espera de uma descoberta, e todas as noites volto para casa com um relatório errado. Seguramente não falta uma boa dose de falta de sorte! Encaro isso com ironia, mas nem sempre foi assim. Nos primeiros momentos, quando vi o resultado das análises, que não traziam aquilo que eu estava buscando, explodi. Trabalhei duro e meticulosamente. Tinha um roteiro fechado que me permitiu andar pelo Líbano nas últimas semanas, uma terra muito bonita. Sem contar que a pesquisa que estou fazendo também tem uma utilidade que não me deixa indiferente. Mas, inexoravelmente, minhas imagens sobre o futuro desmoronaram diante do muro intransponível da realidade. Uma noite, voltei para casa amargurado, não queria falar com ninguém. Porém, em determinado momento decidi recomeçar. Fazendo um grande esforço, peguei um velho texto do Vittadini que encontrei por acaso no meu apartamento. Não sabia sobre o que falava. Peguei aquelas três páginas e as li. E fiz isso porque sei que encontrei algo pelo qual posso recomeçar. É uma certeza. Mesmo no meio de uma amargura que parece servir só para me arruinar, tenho um porto seguro que nestes anos mostrou-se como um lugar onde eu posso realmente respirar, sem eliminar partes da minha pessoa. O empenho em dominar meu orgulho e admitir que “sozinho, não consigo ser feliz”, não bastou para calar o grito do meu coração, que dizia: “Você deseja mais do que essa tristeza”. Então, respirei fundo, olhei para mim mesmo e me perguntei: porque estou tão amargurado? E se as análises voltassem a dar resultados, ficaria contente? Imediatamente admiti que nenhuma análise poderia me fazer feliz, porque na verdade eu desejo algo que é ainda maior do que este mar azul que tenho diante de mim. Precisei admitir que passava os dias inteiros trabalhando sem mendigar que Cristo viesse ao meu encontro. Sem nunca negá-Lo, eu O tinha colocado de lado. Daí, assim que um imprevisto se derramou sobre meu plano, tudo desmoronou, mostrando a mentira que eu acreditava que me mantinha de pé. Nesse caso, uma bela tese. Construí um castelo de projetos, sem pensar nos alicerces. Através da ajuda de meu amigo Dado, via e-mail, percebi que há um modo mais verdadeiro de viver tudo. Realmente precisamos dos amigos. De manhã, rezo o Angelus, à noite, as Completas, durante o dia, quando percebo que estou distraído peço para que eu possa me tornar mais Seu amigo. Nas coisas cotidianas, procuro não deixar de ter um juízo sério, verificando tudo a partir de minhas exigências mais verdadeiras (amor, justiça, verdade, felicidade). E, assim, as coisas voltaram a falar dEle. E a espera do meu coração, que nunca para de gritar “eu quero mais”, é o primeiro sinal da Sua companhia. Assim, a realidade inteira volta a ser minha aliada, porque volta a sussurrar Seu nome para mim. Ele não falta ao compromisso, e é possível recomeçar a cada instante. Basta sermos leais.
Carta assinada, Beirute (Líbano)
SENSO RELIGIOSO ATRÁS DAS GRADES
Quando me propuseram estudar o livro O senso religioso, perguntei-me para que serviria e se eu conseguiria entender o conteúdo. A leitura, os comentários, as perguntas duraram dois anos. O que me gratifica, hoje, é que precisei confrontar-me comigo mesmo. Agora, observo a realidade do mundo sob uma perspectiva diferente. Seguramente crítica, penso sobre o tempo que passa e acho que os muros que circundam toda prisão não devem ser parte da nossa mente, da nossa maneira de pensar, nem podem ser um guia, uma vez que a prisão, sozinha, não gera a liberdade. Esse lugar não precisa de compaixão, embora tenha convicção de que muitos que estão fora daqui exprimem assim, no máximo, a atenção em relação a nós. Parece-me, porém, que é necessário entender todos os aspectos dessa realidade. Tudo é útil, como mostra bem meu amigo Carmelo quando agradecia a Deus pela alegria da espera. Eu vivo o cotidiano da prisão e isso não é mais uma experiência indiscriminada, mas um colocar-me à prova, uma tentativa de construir um futuro, entender a quê eu posso ir de encontro e, no caminho que eu sigo, aprender a perceber o sentido da realidade que me circunda. Portanto, examinar uma experiência que se apresenta dramática diante de meus olhos. Torna-se essencial comparar cada proposta oferecida com as exigências elementares do meu coração, como diz Dom Giussani. A prisão, por sua natureza, não nos habitua ao confronto, limita o conhecimento, todavia, nossa natureza de homens feita de matéria e espírito nos impõe não negligenciar nada. A matéria, isto é, o nosso corpo é importante para a realização de um projeto de vida. A espiritualidade, por outro lado, é aquele a mais que chamamos de “senso religioso” que nunca nos deixa tranquilos, mas cheios de perguntas. Se isso faz os desejos nascerem, por que sufocá-los? Se eu desejo algo, se desejo voltar para casa, se desejo experimentar novamente a beleza da família é porque um Outro colocou dentro de mim esse desejo, me convida à busca e, no entanto, sou consciente de que Ele espera de mim uma resposta, um reconhecimento, uma responsabilidade. Essa experiência me obriga a tomar consciência da dura realidade que me circunda. Senão, resta apenas a nostalgia que, como nos faz sofrer, tenta “virar a página”, como diz meu companheiro Antonio. E a liberdade? “A liberdade é adesão a algo além de si, que muda, faz crescer, constrói a nossa pessoa”, é adesão que faz alcançar aquele “nível da natureza verdadeiramente humana a ponto de torná-la capaz de relacionar-se com o infinito”, diz Dom Giussani. Ainda tenho muito que caminhar, mas se conseguir alcançar a liberdade “entre esses quatro muros tão altos e frios”, como diz Vincenzo, também poderei alcançar e transformar a tristeza que vejo nos olhos daqueles que me amam e sofrem por mim. Quero concluir com as palavras escritas por Carmelo: “Nessa viagem tortuosa, confiei minha vida a Jesus Cristo, única rocha em que consegui me agarrar nesse oceano. Essa é a minha esperança, a única esperança de salvação da qual o ser humano ainda pode ter certeza”. Pensei que teria que “estudar um livro” e, no entanto, percebi que “estudei a mim mesmo”, porque, no fundo, o senso religioso sou EU.
Antonio, junto com Carmelo, Vincenzo e Antonino
Casa de Detenção, seção AS1, Biella (Itália)
APRENDENDO A AMAR VERDADEIRAMENTE
Era uma vez, um papagaio amarelo que sonhava romper a linha que o prendia para se sentir livre, realizar diversas aventuras e voar cada vez mais alto. No final, ele percebeu que era essa linha que lhe dava a verdadeira liberdade. Nos fins dos anos 80, minha esposa, Fátima, escreveu essa estorinha, que o nosso amigo saudoso, padre Virgílio, explicou sob o ponto de vista da educação, como a necessidade de uma linha para voos cada vez mais altos. Essa estória acaba de ser concretizada com inauguração do Centro Educacional Papagaio Amarelo. A inauguração de uma escola, apesar de representar a realização de um desejo antigo, não é uma novidade, porém as circunstâncias o fazem. Há cerca de um ano, Fátima foi diagnosticada com a Síndrome de Guillain-Barré. Apesar dos momentos difíceis iniciais, por termos de lidar com CTI, internação, cadeira de rodas etc., foi um período cheio de letícia, pois tivemos o apoio de familiares e amigos e Fátima entregou a sua enfermidade à Nossa Senhora de maneira real e corajosa. Graças às orações dos nossos amigos e por intercessão de Nossa Senhora, ela tem se recuperado cada vez mais, usando muletas para se locomover e tem sido um exemplo de entrega e determinação para nossa família e conhecidos. Como “Deus escreve certo por linhas tortas”, o sonho de ter uma escola infantil tomou forma no segundo semestre do ano passado. A pequena escola para alunos de 0 a 6 anos foi montada em Lavras, MG, cerca de 230 km de Belo Horizonte, e foi pensada e realizada pela Fátima, com uma proposta pedagógica bastante elogiada pela Secretaria da Educação, que inclui reciclagem, teatro, ensino religioso e jardinagem. Porém, o mais importante não é o lucro que esse empreendimento possa dar algum dia, mas que seja um lugar onde Cristo possa ser reconhecido e amado. Para entender o que está acontecendo, o texto sobre a Virgindade, da Escola de Comunidade, foi muito importante. Com relação à Fátima, pela postura com que ela tem vivido, acredito que ela aceitou o chamado para viver uma tarefa à qual todos nós somos chamados: ser escolhida para testemunhá-Lo. Casados há 22 anos, eu tenho verificado uma admiração muito grande por minha esposa. Ela tem se tornado uma referência para mim em diversos momentos. Como eu continuo morando em Belo Horizonte, por causa do meu trabalho, eu tenho experimentado além de uma distância física, também uma distância que me permite amá-la de uma forma que nunca havia amado. Peço que Deus continue protegendo nossa família e nos dê saúde e sabedoria nessa nova etapa de nossas vidas.
José Maurício, Belo Horizonte (MG)
A EXPERIÊNCIA DA MISERICÓRDIA
Este ano participei da Assembleia de Responsáveis da América Latina (ARAL) como voluntária. Gostaria de contar dois fatos que vi acontecer na minha vida e que identifiquei com o que o Carrón falava. Há pouco mais de um ano, em virtude de algumas circunstâncias difíceis que estava vivendo, fui impregnada de um profundo ceticismo. Uma dúvida terrível quanto à verdade e à bondade que eu já havia experimentado no cristianismo e quanto ao próprio Deus. E esse ceticismo terrível já me havia colocado, algumas vezes, diante da “Porta do Inferno” descrita por Dante (“Deixai, ó vós que entrais, toda a esperança!”). Contudo, pelo fato de permanecer no Movimento e ir gradualmente me reaproximando de Cristo, eu pude constatar que todo aquele ceticismo foi arrancado de dentro de mim. Não existe mais. Hoje, eu me vejo diante de circunstâncias, inclusive, mais difíceis do que as que, há um ano, me destruíam, mas não carrego aquela dúvida quanto à verdade e à bondade de Cristo. Ao contrário, o amor de Cristo é um pressuposto que me dá forças para viver tais circunstâncias. Dessa forma, eu posso constatar o que uma amiga me disse há alguns anos: “A força vem de fora”. O segundo aspecto diz respeito a alguns relacionamentos particularmente difíceis que tenho. Sempre quis que mudassem, que as pessoas mudassem, porém nada acontecia. Até que, uma vez mais, pelo fato de permanecer no Movimento e, assim, me aproximar de Cristo, eu assisti à minha própria mudança. Vi acontecer comigo mesma um pouco do que o profeta Ezequiel disse: “Tirarei do peito deles o coração de pedra e lhes darei um coração de carne” (Ez 11, 19). Assim, eu pude testemunhar uma frase de Dom Giussani que há muito o Carrón vem citando: “As forças que movem a história são as mesmas que movem o coração do homem”. Estando na ARAL, eu percebi, em nível microscópico, que o meu coração precisou mudar, precisou se tornar mais humano, para que alguns relacionamentos meus pudessem caminhar. A partir disso, eu entendi que as pessoas (eu inclusive) precisam de misericórdia, e não de um julgamento. Uma condenação ou um julgamento podem ser perfeitos, corretos, adequados, mas, por si sós, são incapazes de gerar uma mudança. A misericórdia, ao contrário, tem feito com que eu experimente uma maior liberdade. Por isso, sou muito grata ao Movimento que, ajudando-me a estar perto de Cristo, fez com que eu pudesse conhecer mais a mim mesma e à realidade, dando um colorido à minha vida.
Maurine, Rio de Janeiro (RJ)
PERTENCER É MAIS QUE PARTICIPAR
No final do ano passado, durante o retiro de Natal, foi dita uma frase que não esqueci: “A diferença entre Pedro e Judas é que enquanto Judas participava, Pedro pertencia à amizade com Cristo”. Essa frase ficou na minha cabeça, porque eu não queria apenas participar, o meu desejo era pertencer ao Movimento. Recentemente, fizemos um sarau cultural na nossa comunidade e eu estava muito feliz quando o evento terminou, assim como todos os que participaram da organização. Foi um milagre tantas pessoas terem ido assistir a nossa apresentação num dia chuvoso e em um local distante, além da sintonia e dedicação que tivemos no preparo do sarau. Depois, me questionaram o motivo pelo qual eu fiquei tão feliz com o gesto, então percebi que pela primeira vez eu não tinha apenas participado, mas pertencido. Pela primeira vez, eu me senti realmente à vontade com todas as pessoas da nossa comunidade e não somente com aquelas com as quais eu tenho um convívio diário. Finalmente entendi o conselho que tantos amigos me deram, pois percebi que na organização do sarau, sem programar, sem pensar duas vezes, eu tinha aderido ao que a realidade me pedia! E o melhor de tudo é que eles não estavam enganados: de fato, Cristo acontece! É esse o motivo de tanta felicidade.
Laís, Brasília (DF)
FACE A FACE COM CRISTO
A caritativa na “Congregação Hu-mildes Servos da Rainha” teve início com a necessidade de se acompanhar as entidades beneficiadas com os alimentos arrecadados na Coleta e distribuídos através do Banco de Alimentos São Francisco. Desde a primeira vez que estive lá sinto uma forte comoção, pois é evidente a presença de Deus naquele lugar. Quando fiquei frente a frente com Irmã Clara, seu olhar imediatamente me remetia ao olhar inconfundível de Cristo. Disse-lhe: “Olhando para vocês, vejo a presença de Deus!” Ela respondeu-me: “Em vocês também!” Na quarta-feira de cinzas passei o dia trabalhando em casa, pude rezar, ir à missa e ler o texto da apresentação de O senso religioso feita pelo padre Carrón em Milão. Na quinta-feira estava em meu trabalho e percebi aquela resistência a Deus, “a realidade privada de seu significado”, da qual falava padre Carrón. Lembrei-me que no texto ele falava também que “o nosso coração pode ficar confundido...” Então, corri para a minha bolsa, peguei o texto, reli rapidamente alguns trechos e voltei a trabalhar. Percebi que tudo está em ter um coração desejoso e o eu em ação! Em seguida, cuidando de uma paciente, meu desejo de Cristo fez com que Ele se revelasse a ela através do meu olhar e então, naquela sala, aconteceu um encontro. Sou grata porque a participação na caritativa e a minha pertença ao Movimento me ajudam a desejá-Lo e buscá-Lo sempre mais.
Heloisa, São Paulo (SP)
MOMENTOS QUE NUNCA MORRERÃO
Caro padre Carrón, encontrei o Movimento há três anos. Tudo começou com o convite de um grupo de amigos que se ajudam a olhar para a vida. A partir daquele momento não me separei mais deles e as coisas foram acontecendo num crescendo: os encontros das quartas-feiras com você, os Exercícios dos Jovens Trabalhadores, o Dia de Início de Ano, em suma uma companhia cada vez mais presente na minha vida. Poucas semanas atrás, minha cunhada de 46 anos, mãe de três filhos, morreu. Naquele momento, lembrei-me da sua frase “o impacto do eu com a realidade suscita a pergunta humana, qual é o significado último da existência, qual é o significado da minha vida, que sentido tem viver?”. Exatamente naquele momento me reconciliei com Cristo. Quem és Tu, Cristo? É possível cancelar tudo o que vivi até hoje por causa da dor que, nesse momento, pesa no meu coração? Cristo é presença e eternidade no meu relacionamento com Ele, que vive através desse carisma ao qual quero aderir com toda a minha pessoa, ou melhor, que me atrai até ao fundo. Esse carisma que me faz dizer que a vida vale a pena ser vivida a cada instante, inclusive essa circunstância, porque esses momentos nunca morrerão, porque essa companhia nunca apodrecerá. Isso, para mim, é Cristo que opera.
Antonella, Verona (Itália)
UM ENCONTRO QUE NOS COLOCA EM AÇÃO
Caros irmãos da Fraternidade de Comunhão e Libertação, conheci o Movimento há mais ou menos três anos aqui na minha cidade de São Lourenço, sul de Minas. O que me chamou a atenção no início foi a palavra “libertação”, pois acredito que tudo que é libertador é verdadeiro. A cada reunião que participava, essa verdade se confirmava. Conforme fomos estudando o livro de Giussani (É possível viver assim?), caíram por terra vários “pré-conceitos” aprendidos durante meus 43 anos. Estudar o que é fé, esperança, caridade, sacrifício e virgindade me fez ter um novo olhar sobre mim, minha humanidade e meus irmãos. Achei que tivesse encontrado a verdadeira paz. Mas eis que o processo se deu ao contrário do que eu pensava. Aquela pouca “paz” que eu pensava que tinha, pois as situações do dia-a-dia não me incomodavam, eu a perdi ao me comprometer a observar os sinais de Cristo nas pessoas e situações. Comecei a perceber como eu era fraca, indigna, como agia mal. Ao final do dia, em minhas orações, cheguei a sentir vergonha de mim. Não tinha coragem nem de pedir perdão, tal era minha pequenez e quão grandioso e misericordioso percebia o Mistério. Hoje percebo que este é o caminho. Não estou pronta, estou em processo, eu sou o Tu que me fazes no dia-a-dia. Aprendi que paz é dinamismo, é transformação. Saí da zona de conforto e estou vivendo uma paz inquietante, um Cristo contemporâneo.
Mara, São Lourenço (MG)
Credits /
© Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón