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Passos N.128, Julho 2011

RUBRICAS

Cartas

OU O CINISMO OU A AVENTURA
Cheguei aos Exercícios da Frater-nidade muito cansado e com saudades de casa. Já estava viajando há duas semanas e havia trabalhado muito naqueles últimos dias em São Paulo. Por isso, pedia para ser despertado, para que acontecesse alguma coisa que me movesse. Chamou-me a atenção o fato de que, na introdução, Carrón falou que não devíamos censurar nada. Deveríamos estar ali sem fingimento, com as nossas dores, cansaços, fadigas... Por isso, aceitei a minha condição, embora existisse em mim um pedido pela Sua Presença, que me arrancasse do mal-estar. Pela manhã, ouvindo as palavras de Carrón, fiquei provocado e novamente fui despertado para questões importantíssimas: sobre a razão de estar ali; sobre a razão de estar à frente da comunidade de Aracaju e também sobre a razão de estar construindo minha família. Percebi que a provocação a fazer esse trabalho é algo imprescindível. Podem-se fazer muitas coisas boas e justas sem a consciência de Sua Presença, pois olhando para mim mesmo, percebi que se pode cair no automatismo. Escutando Carrón eu me dei conta das razões que me fizeram aderir ao Movimento alguns anos atrás: aquele desejo de satisfação plena, de realização, de felicidade, enfim, aquela saudade do Infinito. Não que eu tivesse esquecido, mas isso estava eclipsado, não plenamente aceso. Essas razões iniciais já não me moviam mais. Por isso, é preciso, como dizia Carrón, que em cada ação do presente, tudo entre em jogo, como no início. É uma necessidade pessoal, não organizacional. Estou feliz, tudo vai bem, mas Carrón me provocou no sentido de perceber a vastidão de meu desejo. Ele é sem fim! Não se pode parar! Não pode bastar o que se viveu até agora! Seria uma mentira para comigo mesmo, seria desleal com o meu próprio eu. Conformar-me seria abandonar-me ao cinismo. Em mim, a consciência de pertencer a Ele é bastante clara. Não posso imaginar os últimos dez anos de minha vida sem Sua Presença. Em todas as coisas que planejei, que sonhei, que realizei, sempre me confrontei com Sua Presença, embora infelizmente (sobretudo, para mim mesmo) tenha decidido algumas vezes contra essa Presença que me atrai, sem dar trégua. Na prática, vivo uma tensão, que a todo instante me “obriga” a fazer uma escolha por Seu amor que me socorre e me salva. A ajuda dos amigos que Ele me deu – Sua Presença concreta – é fundamental para que eu possa dar os passos hoje. Por isso, agradeço, sobretudo, pela vida de Carrón. O Movimento não terminou com a morte de Dom Giussani porque o carisma, como dom pascal de Cristo ressuscitado, vive hoje na pessoa de Carrón e se comunica a todos que o seguem com sinceridade. Imerso no silêncio prenhe de Sua Presença, olhando para o fundo de mim mesmo, rezava pedindo ao Senhor o desprendimento. Não havia como fugir: ou o cinismo ou a aventura! E dizia a Ele: Refaço minha escolha agora, Senhor, agradecido pelas circunstâncias, pelos amigos que Tu me destes que me provocaram a estar aqui hoje, que ajudaram a ter coragem para viver essa aventura pela qual todo meu ser se move. Desejo fazer o percurso proposto por Carrón hoje para viver mais, para ser novo, e para levar essa vida a todos os que amo e também aos que ainda não encontrei. Minha esposa e meu filho – que não escolheu vir ao mundo –, merecem viver à altura do desejo do coração e carregar a feliz esperança de que a vida é uma aventura digna de ser vivida, é o caminho aberto em direção ao Pleno, ao Eterno. Imerso nessa circunstância decisiva, brotou de meu coração uma prece, um único pedido: “Seja eu, Senhor, esse sinal de esperança na vida deles, sinal dessa Presença”. Preciso fazer isso por eles e por mim mesmo. Compreendi rapidamente que escolhi o melhor, a melhor parte: esse é o acontecimento que nos desperta. Nele, inteligência e afeto são uma coisa só. Não há palavras. Invadiu-me o silêncio em que habita Sua Presença e fiquei comovido de ser abraçado na minha miséria absoluta, feliz porque convicto de que Ele vive e realmente tem piedade do nosso nada. Entendi essas coisas durante os Exercícios, na hora de silêncio, sentado no chão, debaixo de uma árvore. Esse silêncio me salvou, foi a grande oportunidade dada por Deus para o acontecimento da minha conversão. No silêncio reverberou aquela palavra de Deus que me libertou. Até agora ainda estou vivendo sob a comoção daquele momento único, no qual Deus me falou, me comoveu e, mais uma vez, me moveu em direção a Ele.
Camilo, Aracaju (SE)

O BEIJO NO DIA DO CASAMENTO
Era um dia qualquer; aliás, mais corriqueiro do que outros, quando as reclamações parecem prevalecer: quanto esforço e quanta raiva inúteis. Enfim, um dia normal. O trabalho prosseguia ininterrupto, até eu receber um telefonema. Era um doente terminal querendo se confessar. O hospital mandou-o de volta para casa porque não havia mais nada a fazer. Essas são as pessoas mais interessantes, mas também as mais difíceis: a elas não podemos fazer um discurso. Enquanto ia para a casa de Carlo fui pensando no que lhe dizer, embora não soubesse se ainda estava consciente e se podia dialogar. Começamos a confissão e ele me contou a sua história. Descobri que vive há mais de trinta anos com uma mulher, mas não podia se casar com ela porque se ela se casasse perderia a pensão que a ajuda a viver. Telefonei ao Bispo para perguntar se, em perigo de morte, seria possível fazer só a cerimônia religiosa do casamento, sem a parte civil. Ele me respondeu que sim. O doente mudou de expressão; estava cheio de dores, mas feliz. Depois chegou o filho. Contamos a ele o acontecido; ele tem duas lindas gêmeas de quatro anos, que me impressionaram; perguntei se também ele não gostaria de se casar, pois sei que não é. Ele se pôs a pensar, era possível perceber que uma janela se abria em seu coração. Marcamos a data. O casamento religioso do pai foi no dia seguinte, com uma belíssima missa celebrada naquela pobre casinha, onde a presença de Deus operava um milagre. Ele e a mulher se reconciliaram, receberam a comunhão e a confissão, depois de tantos anos. Chegou o momento da troca de alianças e vi que eles não tinham. Perguntei por quê: “porque nunca tivemos dinheiro suficiente para comprá-las”. Comovi-me e prossegui. Tudo terminou com um aplauso e com um beijo, talvez o último. No dia 17 de maio, Carlo voltou para a Casa
do Pai.
Pe. Alberto, Guayaquil (Equador)

A NOITE NO CARRO...COMO O PRIMEIRO ENCONTRO
Domingo à noite, eu viajava de carro com minha mulher. Uma daquelas ocasiões em que podíamos conversar, como já havia acontecido tantas outras vezes, quando eu voltava para casa, mas me dizia: “Não fui capaz de enfrentar a conversa, ocasião perdida”. O hábito da vida e seus compromissos dominavam um pouco a angústia do mal-estar; o silêncio escondia de novo a agitação do coração, continuava a predominar o senso de fracasso e de derrota. “É o momento. Ou agora ou nunca”, mas a pergunta verdadeira era: “Você quer mesmo reafirmar que gosta dela? Que ela ainda é a mulher com quem queria estar e caminhar junto? Quer dizer-lhe que só estar acostumado um com o outro não basta?” A palavra subia do coração, mas parava na garganta. Um “preciso falar com você” finalmente saiu da minha boca. Uma humildade imensa, a partir desse momento, me invadiu: não uma justificativa, não um pedido de explicação, como tantas vezes eu pensara fazer. Para meu próprio espanto, estava lhe dizendo que as dificuldades não eram um juízo sobre mim e sobre ela, e que nada me impedia de amá-la. Digo: “Como lhe escrevi numa carta, no primeiro ano do nosso encontro, se precisasse mostrar a alguém o que o Senhor faz por mim, eu mostraria você. Eu devo dizer isso hoje também”. Com admiração imensa, me disse que, também para ela, os sofrimentos não eram um juízo sobre mim e acrescentou: “Obrigada pelas coisas lindas que você me diz”. Há quanto tempo não conversávamos assim! Aqueles momentos foram como se tivessem aberto o horizonte: tudo era como antes, mas tudo também tinha um novo sabor e uma nova cor. Um olhar novo existe entre nós. Mas como foi possível ocorrer tal mudança? Não apliquei nenhuma técnica terapêutica para casais. Eu não buscava uma vida tranquila: o caruncho da desilusão me roia por dentro. Mas nós nos casamos para terminar assim? Onde estava a beleza dos seus olhos, que me anunciavam uma felicidade e uma companhia incríveis? A partir dessa viagem, me invadiu a percepção de que eu e ela fomos tomados por Alguém que mudou o nosso destino. Ele mudou o nosso casamento metendo-Se dentro de nós com um perdão impossível de ser realizado por nós, superando nossas previsões, realizou o que, anos antes, havia provocado o nosso encontro. Ele muda a nossa vida fazendo acontecer uma graça, um carinho, uma confiança que preserva o bem que nos atraiu, que eu queria salvar e que me parecia já ter perdido. Acontece de novo, “renovando a terra que aparece plena de consolação”, porque aquilo que eu achava impossível, conhecendo as minhas fragilidades, acontece: o bem prometido desde o primeiro encontro – aquele “você é o sinal do amor d’Ele por mim”, escrito tantos anos atrás, depois contrariado e traído nos anos seguintes, inumeráveis vezes – esse bem reaparece como algo novo, fruto maduro e consciente da Sua fidelidade e da Sua preferência por nós. Ele realiza o desejo. Ele é o Senhor.
Carta assinada

UMA HISTÓRIA FEITA DE ROSTOS
No dia 19 de maio, na Cúria da Arquidiocese de Salvador, um pequeno grupo de integrantes do Movimento visitou o Arcebispo da cidade, Dom Murilo Sebastião Ramos Krieger. A primeira provocação diante deste fato foi o convite para participar do encontro, pois, com o trabalho feito na Escola de Comunidade, é cada vez mais evidente o quanto estou imersa na mentalidade comum e dizer sim para participar daquele encontro coincidia com o afirmar o pertencer a esta história para a qual o meu sim é tão frágil. Enfim, afirmar este fio de ternura que me mantém aberta diante da realidade. Eu entendia que o ponto principal daquele gesto era submetermo-nos à autoridade daquele Pastor, no entanto, a tensão que preencheu o momento, apontava imediatamente para algo de Outro. Ali acontecia um encontro. Enquanto cada um falava, surpreendeu-me a vivacidade com a qual descreviam a própria experiência. Aquela ocasião tornou-se, antes de tudo, um espetáculo para mim, a oportunidade para olhar como o sim dado a Cristo construiu a história de cada um e como moldou a trajetória do Movimento em Salvador. Contamos a história de CL, desde o convite feito pelo então Cardeal Dom Lucas Moreira Neves para João Carlos Petrini, na época padre e hoje Bispo de Camaçari, passando pela implantação da Fundação AVSI em Salvador, pela inauguração da Paróquia Cristo Ressuscitado em Novos Alagados até a atual distribuição da realidade do Movimento, que é formado por adultos, colegiais, universitários e jovens trabalhadores. Em todas as realidades descritas era evidente o impor-se de uma Presença que as sustentava. A paternidade com a qual fomos acolhidos afirmava que o único aspecto que estava em jogo era o nosso próprio sim e, através deste, o testemunho do sim e da disponibilidade dos demais, isto é, as cerca de 150 pessoas da comunidade que “representávamos” e que nos sustentavam naquele encontro. Sem dúvida reconhecíamos estar diante de uma Presença há muito familiar, não havia necessidade de formalidade. Fomos objeto de um abraço que se traduzia na frase: “É belo ver este sim que vocês dão....” No final do encontro, surgiram convites e na bênção final, que se estendia para os nossos amigos, tive uma certeza: Aquele que construiu esta história de CL, em Salvador, através dos tantos rostos citados enquanto conversávamos, continua nos sustentando e nos abraçando através deste Pastor.
Maria de Fátima, Salvador (BA)

CRIATURA NOVA
Quando comecei a estudar O Senso Religioso na Escola de Comunidade senti algo tão forte e grandioso dentro de mim que não conseguia parar de ler e reler os capítulos e desejar viver aquelas verdades. Comecei a rezar para que o Espírito Santo me desse sabedoria e discernimento a fim de que eu pudesse perceber os sinais e colocar em prática tudo o que estava aprendendo sobre “dar um juízo segundo todos os seus fatores”. Eu me comprometi a ficar atenta e eis que se descortinou uma realidade tão nova e tão verdadeira diante de meus olhos que eu que nunca chorava, tenho ficado comovida com as situações cotidianas; eu que antes não contestava, tenho sentido um impulso interior quando algo não me corresponde e tenho me colocado; eu que antes não abria a boca para testemunhar, sem que perceba vou falando para as pessoas próximas sobre o que tenho vivido e aprendido, pois é algo tão maravilhoso que quero compartilhar com as pessoas que amo. Conclusão, meu relacionamento conjugal, que já era muito bom, tornou-se um verdadeiro casamento; meu relacionamento no trabalho tornou-se mais leve, mais tranquilo, mais aberto; meu relacionamento com as pessoas tornou-se mais afetuoso, mais gratuito. Quanta libertação! Com esta nova realidade, surgiu uma nova Mara. Não canso de agradecer a Deus este presente que me foi dado nas pessoas de Giussani, Carrón, padre Paulo Romão e todos de CL. A vocês, minha gratidão e minhas orações.
Mara, São Lourenço (MG)

FUNDO COMUM: UM PENSAMENTO A MENOS?
Caríssimos, fiquei tocada com as palavras de Carrón nos Exercícios, sobre o Fundo Comum. É verdade que é um gesto afetivo e concreto, como também é verdade que eu me preocupo pouco com isso... E, provavelmente, a minha falta de preocupação demonstre que tipo de afeição tenho para comigo mesma a por quem me ajuda na vida. Dei-me conta disso nesse instante em que terminei de fazer o pagamento via internet. Queria apenas “eliminar” essa preocupação. Para deixar de estar entre as pessoas que não pagam e, no fundo, estar quite com a minha consciência. Acrescento uma coisa: apesar da consciência clara das minhas ações, a primeira reação em mim foi dizer a mim mesma: “Paciência!”. Mais uma vez, fechei rapidamente a porta para não deixar entrar nada estranho. A mudança que o encontro com Carrón gerou em mim foi não deixar que o nada penetrasse de tal modo em mim a ponto de deixar que o único juízo sobre minhas ações e meus pensamentos fosse a “paciência”.
Roberta, Bolonha (Itália)

MÃE E FILHA
O ESPETÁCULO DA MUDANÇA
Quando digo que fui espectadora de um milagre, não estou mentindo. Minha mãe está separada do meu pai há muitos anos, e por várias circunstâncias sofreu muito, por questões de advogado, de dinheiro, etc. Se durante anos eu a vi passar por tanto sofrimento e viver triste por causa dessa situação, agora ela me parece outra pessoa. Se antes, em casa estava sempre nervosa, agora está sempre conversando com algum dos seus amigos ao telefone, amigos esses que a ajudam na caminhada da vida. Nas pequenas coisas, como o seu modo de se vestir, a sua voz, o seu jeito de cozinhar para mim e minha irmã, suas brincadeiras e risadas, na limpeza da casa, não posso negar que aqui entrou Algo diferente, ou melhor, Alguém, porque ela mudou muito. Enfim, ela simplesmente foi atraída e tomada por Aquele que faz todas as coisas. Se antes era estressada e cínica em relação a certos fatos, agora tem na memória o que está lhe acontecendo e se comporta diferente, pois viu que é amada em tudo e por tudo. Isso foi possível graças aos amigos e não amigos. Ela se deixou tomar completamente por algo de especial que essas pessoas haviam encontrado e pelo que ela buscava há anos. Se agora é capaz de “rir”, num certo sentido, daquela situação que a afligia tanto, é porque “sinto que redescobri o que quer dizer estar apaixonada; mas, quando me casei estava apaixonada pelo meu marido; agora, por Cristo!”, me explicava, com os olhos iluminados.
Carta assinada

Uma criança de 11 anos, que participou junto com sua mãe dos Exercícios da Fraternidade nas Filipinas, de 13 a 15 de maio, escreveu isto:
Caro Padre Ambrogio, obrigado a CL; eu encontrei muitos amigos e aprendi muitas coisas sobre Jesus, até que Ele é mendigo dos nossos corações. Também encontrei amigos de diversos países, como Itália, Taiwan, e outros lugares. Fico feliz quando nos encontramos, porque podemos dividir as nossas experiências. Fiquei muito feliz de CL passar a fazer parte da minha vida.
Rezamos sempre com o Livro das horas, que foi publicado há pouco tempo. Nós rezamos juntos antes de ir dormir. Minha fé cresceu graças a CL, porque a mamãe me disse que Jesus está me olhando quando a luz apaga.
Kenneth, General Santos (Filipinas)

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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