Após sua segunda temporada como missionário no Brasil, esse padre italiano de Comunhão e Libertação volta definitivamente para a Itália. Deixa como herança uma comunidade viva pelo seu testemunho na Capital Federal. Assim como o último dos profetas, ele sai de cena, da comunidade de Brasília, para deixar espaço à figura de Cristo
Seu nome poderia ser João Batista, pois todos os seus gestos, das brincadeiras às chamadas de atenção, servem para apontar o Cristo, como a figura pintada por Domenichino que ilustra o Cartaz de Páscoa de 2011. Também poderia ser chamado de Zaqueu este que, aos 77 anos de idade, é verdadeiramente homem novo. Mas Giorgio Battifora certamente rejeitaria comparações como essas e seguiria referindo-se a si como “um velho que não quer incomodar”. Mal sabe este “velho” que o que incomoda é sua ausência, pela novidade sempre escancarada na forma como vive seus relacionamentos – escancarada inclusive ao deixar o Brasil, pela segunda vez, em obediência ao seu bispo italiano.
A partida de padre Giorgio de Brasília, dia 10 de julho de 2011, ocorreu sem cerimônias solenes, sem despedidas emotivas, como ele pediu. Insistia que a melhor homenagem que seus amigos poderiam fazer-lhe era seguirem vivendo como pais de família e profissionais conscientes da presença de Cristo.
Durante um dia de convivência, num dos últimos encontros com a comunidade de Comunhão e Libertação na Capital Federal, ao celebrar a missa padre Giorgio revelou porque sua partida não deveria ser motivo para tristeza: “Podemos caminhar juntos, apesar da separação. Trata-se só de separação, não de despedida. A despedida é só a morte. Trata-se de uma separação necessária para viver a obediência. Pedro obedeceu a Cristo não como uma criança, mas como um homem amadurecido”.
Usando o exemplo de São Pedro – cuja festa era celebrada naquele dia de convivência –, da amizade construída entre o pescador e Cristo, Giorgio fez a provocação para que seus amigos de Brasília repetissem a mesma experiência: “Também na época de Jesus havia opiniões sobre Ele, que Jesus aceitou para chegar à verdade que Pedro revela com simplicidade dizendo ‘Tu és o Messias, o filho do Deus vivo’, e não porque o aprendeu no catecismo, mas porque, depois de um ano ou dois de amizade com Cristo, Pedro começou a refletir, como pescador, não como um racionalista ou um intelectual, ou como gente que vive de emoções, mas começou a refletir e a dizer: se não acredito neste homem, que é Deus, não acredito nem nos meus olhos. E esta amizade, que começou à beira do lago, construiu a Igreja, através do gesto de Pedro e dos outros que aceitaram. Numa amizade com um leque de possibilidades que era também a traição e o cansaço, Jesus deixou a possibilidade de segui-lo e segui-lo até a morte de martírio. E tudo isso dura dois mil anos. Esta história é a história dessa amizade que chegou até nós através de Giussani. Devemos reconhecer que ele (Dom Giussani) olhou para o exemplo de Pedro, dizendo ‘Tu és o Messias, o filho do Deus vivo’. E Cristo olhou para Pedro e construiu sobre ele, apesar da fraqueza, toda a história da Igreja. O caminho que estamos fazendo é grande. É simples, mas é grande e desafiador da nossa fraqueza. Desafiador no nosso jeito de fazer as coisas, de educar filhos a esta experiência. Não porque ficamos com os filhos numa ilha, que é a casa, mas porque os filhos vão trabalhar e ser testemunhas de Cristo. Ou serão um povo que vive de supertições e de besteiras”.
Sob os cuidados de Maria. A segunda temporada no Brasil durou um ano e nove meses. Tempo suficiente para que a comunidade reconhecesse a presença de Cristo na figura aparentemente frágil de padre Giorgio. Parte da fragilidade do corpo é consequencia do acidente que sofreu três dias antes de retornar ao Brasil, em outubro de 2009. Foi atropelado por um carro. Era um sábado, dia dedicado a Nossa Senhora. Lembra-se de, durante a queda, ter pedido a intercessão de Maria para que pudesse voltar ao Brasil conforme o planejado. Este era seu desejo e assim aconteceu. Viajou na data prevista, apesar dos muitos hematomas e dores que o mantiveram em tratamento até dezembro daquele ano. “Na hora em que fui atropelado o Silvio [amigo de Brasília que foi à Itália para acompanhá-lo na viagem ao Brasil] estava num santuário dedicado a Nossa Senhora”, diz Giorgio, reforçando a certeza do cuidado da Virgem.
As limitações deixadas pelo acidente se transformaram em graça para a comunidade. Sem dirigir, ele proporcionou aos amigos que lhe ofereciam carona momentos que intensificaram a amizade. A dificuldade de entrar no carro, o cansaço dos finais de semana repletos de atividades na paróquia, os encontros com as Fraternidades de CL e o atendimento aos fiéis não impuseram limite para encontrar as pessoas. Nem os erros dos amigos. O homem totalmente ausente de moralismos acolhia a todos como pai.
A possibilidade de viver mais esse período no Brasil foi um dos motivos que o levaram a Aparecida do Norte, em junho de 2011, no feriado de Corpus Christi. Queria agradecer a Nossa Senhora por poder ter doado mais um tempo à comunidade de Brasília e pedir pelos que o acolheram.
Como João Batista, Giorgio sai de cena, da comunidade de Brasília, para deixar espaço à figura de Cristo. Quem olhou atentamente para ele teve uma possibilidade de verificar, na carne, a verdade da ressurreição. Um homem de 77 anos não viveria dessa forma baseado apenas numa imagem. Só um fato concreto e correspondente ao coração humano pode sustentar uma vida assim por quase oito décadas. “A Igreja caminha no tempo, caminha dentro da minha vida, pelos anos que Deus ainda me dará. A vida é feita não do pensar na morte, mas do encontro definitivo com Cristo, depois de tê-lo encontrado tantas vezes nesta terra, não só no Brasil, mas também na Itália”, resume.
Sobre padre Giorgio. Ele nasceu na cidade de Santa Marguerita de Ligure, província de Gênova, dia 20 de janeiro de 1934. Na adolescência perdeu o único irmão, Mauro, que morreu aos 13 anos. Paquerando com jovens, na praia de Santa Marguerita, conheceu o Movimento de Comunhão e Libertação. Tinha 23 anos. A companhia de CL ajudou a confirmar a vocação ao sacerdócio, sobre a qual ele já pensava. Formado contador, ele já atuava na profissão, como funcionário da prefeitura de sua cidade natal quando resolveu entrar no seminário, em 1960, aos 26 anos. Ordenado padre cinco anos depois, levou os pais para viverem consigo na casa paroquial. Cuidou dos dois até morrerem – a mãe em 1977 e o pai 10 anos depois. Depois da morte do pai decidiu dizer sim a algo que já pensava antes: ser missionário. Quando Dom Giussani pediu que um padre viesse ao Brasil, ele deu a disponibilidade. Na sua missão carregava o amor ao trabalho, que herdou do pai, Michele, operário de uma fábrica de transformadores, e o amor à vida como dom de Deus, o que aprendeu com a mãe, Bianca. “A vida é reconhecer o abraço misericordioso de Cristo para doá-la a quem estiver próximo, a quem encontramos no trabalho, na vida.”
Giorgio ficou dois meses em Belo Horizonte antes de se mudar para Brasília, onde permaneceu de 1988 a 2001. Trabalhou como pároco no local conhecido como Expansão do Setor O e pelo trabalho social que realizou na comunidade recebeu o título de Cidadão Honorário de Brasília. Também atuou na paróquia da Glória, na cidade satélite de Ceilândia, para a qual retornou, no final de 2009. Desta vez, chegou como ajudante do pároco atual, padre Wilson, a quem havia acompanhado desde a preparação para o sacerdócio, durante sua primeira temporada no Brasil.
O retorno ao país, após a sua aposentadoria como pároco, quando completou 75 anos, foi um “presente” do bispo atual de Gênova, Dom Alberto Tanasini, que sabia da afeição de Giorgio à comunidade de Brasília e o incentivou a retornar. Em obediência ao mesmo bispo, que pediu seu retorno à Itália para atender confissões e cuidar da liturgia em uma das paróquias de Santa Marguerita, retornou à Itália dia 10 de julho de 2011, sem contrariedade alguma. Para ele: “A beleza da obediência ao bispo é uma educação do carisma de Comunhão e Libertação”.
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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón