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Passos N.108, Setembro 2009

SOCIEDADE - CDO

O desejo de um olhar

por Kika Antunes

Trechos do relato de uma fotógrafa, que contou sua experiência num encontro recente da Companhia das Obras

Vou partir das três perguntas: O que eu faço? Como eu faço? Por que eu faço? Para mim, essa questão da autonomia, só para introduzir, é muito abrangente, pois a possibilidade de me perder é muito grande, então eu queria partir do contrário, queria partir da não autonomia, do fazer em conjunto. Sempre trabalhei sozinha, desde 1991 que trabalho autonomamente, mas sempre com alguém. Minha história é essa: eu formei na universidade em 1991 e, um pouquinho antes, fui fazer um trabalho num estúdio de fotografia. Não tenho nenhuma história anterior com a fotografia, não nasci “no seio da fotografia...”. Eu ia ser agrônoma, mas, por um infortúnio ou por uma sorte, eu não fiz a prova de agronomia e fui fazer a prova de comunicação, e aí passei. Já havia as indicações da família, dos pais, que diziam que eu era muito expansiva. Fiz um estágio rápido em um estúdio e acabei me aproximando de um fotógrafo, que também era estagiário, o Guto Muniz, um amigo com o qual percorri um espaço grande da minha vida. Então, desde o começo, eu trabalhei com alguém, servindo alguém, depois associado a esse alguém e depois cooperando com esse alguém, que é o Guto, com quem mantenho uma amizade profunda.
Quando comecei a trabalhar com fotografia, tinha muitas dúvidas e nessa proximidade com o Guto eu encontrei a fotografia de teatro, que eu acho que me abriu a possibilidade de muitas coisas como fotógrafa, porque você precisa trabalhar outras questões, você não tem controle de nada, você não pode trabalhar com o seu método, você tem que trabalhar com aquilo que está acontecendo, você não pode interferir naquilo, você tem que ser cautelosa, silenciosa, observadora... Então foi extremamente frutífero. Fizemos a cobertura dos festivais de Belo Horizonte de teatro de palco e na rua, e aí num certo período da minha vida alguns amigos começaram a casar e decidiram me chamar para fazer fotografia de casamento, que era uma coisa que eu não fazia porque eu usava toda uma técnica que era desenvolvida para o espetáculo, tinha uma linguagem específica, uma técnica específica, e essa forma não encaixava no casamento.

O INÍCIO. Em 1996, casaram-se três casais amigos e eu comecei a trabalhar com isso, com o olhar voltado para eles. Eu não parti de uma ideia, e as coisas aconteceram de um modo casual, gratuito, intencional, providencial, não sei. E aí, aos poucos, foram chegando esses públicos voltados para o casamento e isso tomou muito tempo, e a fotografia de teatro foi ficando de lado. A questão autoral foi ficando um pouco de lado, e a autoria ficava só no serviço mesmo, no cotidiano do trabalho. Você é autor do seu gesto, só você pode dar o juízo e o conceito do gesto naquele momento.
Hoje posso dizer que trabalho especificamente com os casamentos e me sinto muito feliz. Antigamente, no meio do caminho, fotografar Teatro era chique, mas casamento era visto como uma coisa menor, era um evento que não é uma sensação, não é uma coisa cultural cheia de importância. Só que eu percebi que realmente o casamento não é teatro, porque as pessoas não estão ali só para isso, todas elas querem a mesma coisa. Então eu tenho muito apreço pelos meus clientes, tenho muito afeto por aquilo que eles procuram. Parece que pode ser tudo superficial, porque também nós temos uma informação equivocada sobre os casamentos, achamos que a nossa experiência do Movimento é a única que é maravilhosa. Mas, neste trabalho, eu aprendi exatamente o contrário, aprendi que as pessoas estão interessadas nas mesmas coisas. Às vezes elas se equivocam, às vezes elas sabem claramente o que querem, às vezes se esquecem, às vezes se lembram cotidianamente, então é muito bonito viver essa experiência com os meus clientes de casamento. Eventualmente eu tenho outros trabalhos, como as mães que estão grávidas e querem uma foto legal, ou próprias famílias que deram uma crescidinha. No final, eu percebo que eu fotografo família, gente querendo ser feliz, e eu acho sensacional! Eu faço essa foto. A noiva quer tudo o tempo todo, então é cansativo, mas é muito bom também. Eu trabalho com os clientes, eles me contratam para fazer os casamentos, eu faço os serviços, entrego os trabalhos, depois monto os álbuns, e aí depois pode ser que eles me chamem de novo, pode ser que não. Depende muito.

ABERTURA AO REAL. Meu método de trabalho não é um método sistematizado, apesar de eu achar que eu precisaria de mais sistema para o meu trabalho. Eu sigo algumas regras, tenho algumas ideias, controlo algumas coisas, porém vai ser sempre uma coisa aberta. Primeiro eu conheço essas pessoas, fico com elas, normalmente elas ficam muito comigo, me procuram algumas vezes e aí me contratam. Normalmente as pessoas me procuram porque são amigas umas das outras. Então, eu penso muito naquele outro que tinha me gerado esse primeiro momento e normalmente é um encontro de lembranças. Isso dá um pouco de medo porque tenho que responder a ele como eu respondi ao outro. E a fala é sempre a mesma: “eu quero meu álbum igualzinho ao da minha amiga”. E eu fico pensando que eu estou o tempo todo lidando com o desejo de uma pessoa que quer ser única, mas ela tem sempre uma outra pessoa que é a referência, ou o mercado, ou o mundo...
Eu trabalho buscando viver um pouquinho a experiência do outro, pensando naquilo que eu sou... Quando eu vejo uma noiva entrando eu penso no dia em que eu casei, penso que é sempre a mesma coisa: alguém que está entrando para encontrar outra pessoa, e sob esse laço realizar as suas vidas. Seja achando que é por causa dela mesma, por causa do outro ou por causa de Deus, no final ela quer isso: realizar a sua vida. E isso é comum a mim, então e eu me sinto muito próxima. A noiva quer ser acolhida no desejo dela. E isso é muito grande. Aquela pessoa que está ali está quase totalmente em suas mãos. Hoje eu me entrego muito mais ao meu cliente do que eu me entregava há cinco anos; eu sou muito mais deles. O método é ficar próxima da pessoa. Essa é a minha forma de trabalho. Ela é mais difícil, eu acho, mas é absolutamente mais prazerosa, é fundamental. É sempre muito misterioso o que vai acontecer no meu encontro com os meus clientes. E agora eu tenho a Fernanda e a Ana Paula que estão trabalhando comigo e eu espero que elas fiquem para sempre. Eu percebo que as meninas me apóiam naquilo que eu sinto e penso. Eu acho isso tão bonito, porque eu fico pensando que aquilo que é o meu método, ou esse modo como eu faço, atinge aquelas pessoas que estão ali comigo também. A Fernanda é a minha parceira de câmera, porque eu não posso trabalhar sozinha no casamento, ela é o meu braço direito, é a minha outra câmera. Não posso fazer tudo sozinha e tenho que ter mais uma câmera comigo. E assim, para continuar o “como”, trabalhar com uma pessoa olhando um ponto ou outro é também um exercício de dispor um pouco o seu trabalho para o outro, quer dizer, confiar na outra pessoa que está olhando como você, e lhe ensinando também a olhar aquilo que ela percebe. Além da Fernanda e da Ana trabalham comigo a Laura e o Gianfranco. Nós somos a empresa que não é empresa.

DESEJO DE BELEZA. Por que eu faço isso? Se eu fosse uma pessoa bastante inteligente, eu falaria que era por Deus, mas eu não comecei por Deus, e sim por uma autonomia, por desejos pessoais. Mas posso dizer que agora é por causa de Deus também, porque é um encontro de necessidades: eu quero muito uma coisa e sei que a resposta não cabe dentro de mim. Então, eu faço para responder ao mundo aquilo que eu desejo. Pode parecer estranho, mas eu fotografo o tempo todo. Eu quero olhar o tempo todo. Eu acho que a posição do fotógrafo é meio cansativa para quem está sendo fotografado e para o próprio fotógrafo, mas eu não sei fazer outra coisa a não ser ficar olhando. Então, depois de muito tempo eu entendi que eu faço isso porque eu quero olhar tudo, o tempo todo e sem cessar. E aí eu acho que a fotografia é um método, um caminho, uma ferramenta, um jeito. E por que eu quero olhar tudo? Porque eu quero conhecer. Eu gosto das coisas bonitas e eu quero que o que eu faça interfira na vida das pessoas, eu acho mágico! Eu faço porque eu não quero parar de olhar as coisas. Eu fiquei pensando que a única resposta que eu poderia dar era essa. Por que eu faço? Por que eu sou fotógrafa? Porque eu quero olhar.
Eu tenho pensando nesse tempo, no texto que dizia que o trabalho é uma obra . Às vezes a noiva me pergunta: “Por que você fotografa?” Aí eu falo: “Porque eu não sei fazer outra coisa”. Porque realmente é isso, eu não sei fazer de outro modo, e essa é a obra que eu quero fazer, o jeito que eu quero interferir no mundo. Por que a gente trabalha para interferir no mundo. Trabalha para ganhar dinheiro também, mas a gente já trabalhava sem ganhar dinheiro, o homem trabalha desde sempre. O texto sobre o trabalho me ajudou nesse último tempo, e eu acho que trabalho pede muitas respostas. Por que eu faço as minhas coisas?
Eu quero expandir, eu quero alcançar mais. Não é que eu preciso ficar rica. Seria ótimo, mas não é isso. Tem uma frase que tem me interessado muito, que é a frase de um fotógrafo clássico, Cartier, um fotógrafo muito querido, muito bem posicionado, que foi um grande mestre, que disse: “Não me interessa a fotografia, me interessa o homem”. Eu queria dizer isso com mais intensidade. Durante a vida inteira dele, com os jornalistas perturbando, ele dava essa resposta malcriada. Então, eu queria muito isso, eu queria expandir nesse sentido, dar um passo à frente, um passo favorável a isso.
Eu falo com as noivas que a experiência afetiva que eu vivo me determina totalmente na hora de fotografá-las. E com a Fernanda, como é impressionante a forma disponível com que estamos no escritório. Você tem seus funcionários, mas é uma dinâmica que é dada mesmo por um sinal. Porque eu sou eu, com minhas qualidades e defeitos, mas eu fico pensando como tem alguém entre nós, e essa é uma verdade absoluta, como dois e dois são quatro.
Para mim, não tem jeito de não dizer hoje “ó Cristo’’. Porque tudo o que tem acontecido na minha vida, tudo o que tem acontecido nesses últimos dias, ou me faz invocar o Seu nome, agora, aqui, sem nenhum pudor, descaradamente, ou não entendi nada. Então, lá, nesses relacionamentos, eu peço muito, eu peço muito mesmo... Outro dia coloquei na porta do escritório uma Nossa Senhora pregada na porta, junto com uns papeizinhos, com uns bilhetinhos. Aquela parede está crescendo, como está crescendo o nosso amor. Então, eu acho que é isso: tem Alguém nos abraçado constantemente e essa é a minha esperança de expansão. De verdade, eu quero mesmo expandir, ser mais.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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