O advogado e a mãe de família, o ex-anglicano e a menina muçulmana... Histórias e rostos de uma comunidade que nasceu há alguns anos (quase) por acaso. E onde agora, entre assembleias, partidas de golfe e férias, vai ficando cada vez mais evidente “aquele Algo que pode unir os homens”
Neste domingo, nada de golfe. A partida semanal de Marco e Noel não acontece. E não porque hoje está chovendo em Londres. Nem porque Marco – um cirurgião milanês que chegou para trabalhar aqui em 2004 – na semana passada conseguiu derrotar o amigo, jovem advogado inglês (“dois anos tentando, e afinal consegui!”). É que hoje a comunidade de CL se reúne para uma assembleia sobre o tema da esperança.
Compromisso marcado para as 14h30, na abadia de Ealing, na periferia oeste de Londres. No salão, uma centena de pessoas: mães e pais de família, alguns estudantes, muitos jovens trabalhadores. Estacionados no fundo, três carrinhos de bebê. À mesa, Marco – que há dois anos dirige a comunidade – e Roger, responsável pela Fraternidade. Numa metrópole de doze milhões de habitantes, onde os católicos beiram os 10%, esse grupo parece algo insignificante, mas na verdade não o é. Basta observar o que gerou o encontro casual – há mais de vinte anos – de dois jovens numa paróquia londrina: daí nasceu uma comunidade que hoje conta com duzentas pessoas em toda a ilha, com um coral de quinze pessoas, com três grupos de Escola de Comunidade na capital e dezesseis espalhados pela Inglaterra e Escócia, gestos de caritativa (alguns preparam um prato quente para os sem-teto, outros levam a Comunhão aos doentes), a Via Crucis pelas ruas de Londres, as férias juntos... Mas vamos por partes.
Em 1982, Heraldo, um jovem que havia terminado o curso de graduação, conhece após a missa um colegial de CL que chegara da Itália para estudar inglês em Londres. Fica sabendo do Movimento, e tem a curiosidade despertada. Os dois se tornam amigos e dão uma ajuda à paróquia, na parte musical. Alguns meses depois, Anna Maria, uma Memor Domini que acabara de chegar para trabalhar em Londres, entrou por acaso naquela igreja e viu o livreto de cantos preparado pelos dois jovens; pelo pároco, chegou a Heraldo. A partir desses simples encontros, tudo começou. Naqueles anos, o Movimento desembarca também em outras cidades: Cambridge, onde Ana Lydia, vinda do Brasil, chega para fazer o doutorado; em York, onde Gianmaria, vindo de Milão, chega logo depois de concluir o curso de Economia. A comunidade de Londres só crescerá no final da década de 1980, com a chegada dos jovens que encontraram o Movimento em York e Cambridge. “Mas para que a comunidade criasse raízes foi preciso um pouco mais. Nos anos 90 formaram-se algumas famílias e grupinhos de Fraternidade; em 1994 foi aberta a casa dos Memores Domini”, conta Amos, um dos primeiros vindos de York naquele período e que agora é um dos nove que compõem a casa dos Memores e trabalha na elaboração de modelos matemáticos para as previsões do tempo.
INDO ALÉM. Ainda hoje “muitos vão e voltam por causa do trabalho ou do estudo, às vezes por apenas dois ou três meses. Mas, pelo valor que existe nesta companhia, cada pessoa nos é dada como um dom para sempre”, explica Marco. Basta olhar em volta: na própria assembleia tem pessoas do Japão e do Brasil, da Grécia e do Líbano, da França e do Iraque. E as histórias são as mais variadas possíveis. Há quem, como padre Christopher, foi mórmon e, depois, anglicano, desembarcando na Igreja católica quando a Anglicana permitiu a ordenação de mulheres. Hoje ele é o capelão da comunidade de Londres. Ou Juliet, que há quatorze anos mudou-se para a URSS de Breznev com o pai, adjunto naval da embaixada inglesa em Moscou. Conquistada pela grandeza do povo russo, decide aprender a língua e buscar emprego em Moscou como jornalista: “Eu queria descobrir o ‘X’ misterioso que me unia àquelas pessoas. Assim, mergulhei nesse mundo, cortando as minhas raízes”. Para depois entender que “deste modo eu não tinha mais uma identidade”. Com o fim do comunismo, Juliet volta para a Inglaterra. Carregando uma pergunta: “Quem eu sou de fato?”. Assim, em 1990 tem o encontro com essa companhia: “Vi pessoas muito diferentes mas, ao mesmo tempo, amigas”. Eis finalmente “aquele Algo que pode unir os homens”. E Juliet decide não abandoná-lo: “Nessa amizade, começo a viver com uma intensidade que jamais teria imaginado: com meu marido e os nossos três filhos, nos compromissos diários, em todos os momentos”.
Outros, como Richard, têm histórias talvez menos aventureiras, mas não menos significativas. De tradição anglicana, converteu-se ao catolicismo em 2001. Compreendeu, porém, que esse não era um ponto de chegada: “Eu me perguntava: mas é só isso? O caminho não podia terminar ali”. Até que, poucos meses depois, fez o encontrou com o Movimento: “Esta companhia, hoje, me educa a penetrar mais profundamente nas coisas, sem nunca me acomodar”. É um modo de dizer, ele que agora é alto executivo de um dos maiores bancos do mundo: “Com 41 anos, ainda tenho muito a aprender”. Observando sua jornada típica (“reuniões, e-mails, mais reuniões, das 9 às 20 horas”), poderíamos pensar que se trata de um desses solteiros empenhados exclusivamente com o trabalho. No entanto, está aqui com a mulher, Patrícia, e os quatro filhos (“o maior, Casimir, tem seis anos”), que não param de correr. Durante a assembleia, brincam numa sala com outras vinte crianças. “Não queríamos que elas ficassem entediadas, sem nada para fazer. Aí tivemos uma ideia: por que não propor alguma coisa também para elas?”, conta Marco. Assim nasceu o Narnia Club, um verdadeiro ciclo de “aulas sobre coisas belas”, antes dos encontros. Uma vez, Juliet leu trechos das Crônicas de Nárnia; outra, Emilia, ligada à arte, fez projeções de suas obras preferidas; e ainda uma sessão sobre as estrelas, feita por Roger, astrofísico; e uma outra sobre Peer Gynt, feita por Joe, professor de música. “Se em vez de apenas segurá-los dentro de uma sala propomos algo melhor, eles topam”.
OS CANTOS E A MOSCA. Tal como aconteceu nas férias em Torquay, nos arredores do Canal da Mancha. Lá o programa, à noite, era: todos cantavam três músicas, depois as crianças iam para a cama. “Precisavam vê-los. Não queriam mais ir embora; e quando explicávamos as músicas, ficavam quietinhos, não se ouvia uma mosca; eles é que nos ensinavam como devemos estar diante do que acontece”, diz Alessandro, que trabalha com tecnologia da informação em uma multinacional.
Um grande passo para a comunidade foi o encontro com o cardeal Cormac Murphy-O´Connor, arcebispo de Westminster, substituído em maio por Dom Vincent Nichols. Valeria, esposa de Marco, durante uma visita pastoral do bispo à paróquia, há um ano e meio, se apresenta a ele. Reação: “Gostaria de me encontrar com vocês”. Marcamos o encontro. Oito comparecem: “Para começar, perguntou a cada um: por que você é de CL?”, recorda Amos. “Todos nos unimos em torno da paternidade dele. Ali compreendemos o valor da nossa companhia como parte da Igreja local. Assim, nós o convidamos a apresentar o primeiro volume da versão inglesa do livro de Giussani É possível viver assim?”: a seu lado, dia 27 de novembro do ano passado, na Westminster Cathedral Hall, estava padre Julián Carrón. E agora? “Dia 2 de julho, conhecemos Dom Nichols”, conta Marco. “Foi um encontro nada formal. Ele fez muitas perguntas sobre o Movimento. E me perguntou: Como isso o ajuda no seu trabalho como cirurgião?”. À noite, na mesma sala, padre Carrón apresentou o segundo volume do livro, junto com Dom Mark O´Toole, reitor do seminário de Westminster: “Nós o conhecemos quando era secretário do cardeal Murphy-O´Connor. Nunca me esqueci das primeiras palavras que ele nos disse: Vocês são uma pedra preciosa para a Igreja”.
OS CABELOS DE MARIAM. Fatos acontecidos. Pessoas que renascem. Um dos mais recentes exemplos é Noel, o desafiante de Marco no golfe: 31 anos e uma escrivaninha nos escritórios do Governo às margens do Tâmisa, ele é o responsável inglês pelos dois mil aderentes ao movimento Youth 2000. Endereçado a jovens com menos de 35 anos, “para muitos é o início de uma caminhada cristã”. Noel, porém, não se contenta em fazê-lo sozinho. Quando, na Jornada Mundial da Juventude de Colônia (Alemanha), em 2005, conheceu um jovem de CL, decidiu saber mais a respeito. No mês seguinte ao retorno a Londres, vai à Escola de Comunidade. “Fiquei impressionado com o modo como aqueles jovens discutiam a respeito do trabalho: não como escravos do patrão, mas tentando entender o seu significado. Era a educação que eu buscava. Hoje a Escola de Comunidade é uma ajuda, antes de tudo a mim próprio: me desafia a viver profundamente. Por isso, posso entrar no escritório toda manhã sem ficar ansioso para que chegue logo a sexta-feira”. Assim Noel, que junto com Gianluca (professor assistente na Real Estate Finance, em Reading) mantém uma das três Escolas de comunidade, agora pediu para ingressar na Fraternidade de CL: “Para mim é um passo natural, para ser mais sério diante dos outros. E, sobretudo, diante dos dois mil jovens que me seguem: eu, por primeiro, preciso de alguém a quem dirigir o olhar. Do contrário, como fazer?”.
Olhar. “Diante de todos esses fatos, só nos cabe olhar, como os apóstolos diante de Jesus ressuscitado: não fizeram nada mais que isso”, diz Amos. Sem conseguir dar-lhe ainda um nome, é a experiência feita por Mariam: 18 anos, muçulmana, que mora perto da casa de Marco. Há dois anos, quando estava no college, conheceu alguns colegiais de Milão que faziam intercâmbio em Londres. Ficou tocada pela amizade deles e começou a segui-los em tudo, inclusive na missa diária. E mesmo depois de eles terem voltado para a Itália, continuou ligada a Marco e Valeria. Estava curiosa. Um dia perguntou a eles: “Mas é verdade que há alguém que conhece até o número dos meus cabelos? E como vocês sabem disso?”. Marco respondeu: “Posso garantir que sim, por uma série de coisas que aconteceram comigo”. E ela disse: “Se vocês acharam um tesouro tão grande como esse, vocês não podem retê-lo para si mesmos. Eu também quero conhecê-lo”. Dito e feito. E agora, às sextas-feiras à noite, na Escola de Comunidade guiada por Marco, há uma cadeira a mais sendo ocupada.
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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón