O desafio de um pai que processou o Estado de Quebec, onde, por lei, são ministradas aulas “imparciais” de Ética e Cultura Religiosa, em conflito aberto com a libertas Ecclesia. Afinal, de onde nasce a defesa da educação?
No dia 8 de junho, vi-me diante de um juiz como co-autor no caso Loyola High School e John Zucchi contra o Ministério da Educação, Esporte e Tempo Livre de Quebec, por causa do novo programa de Ética e Cultura Religiosa (ECR), apresentado em setembro de 2008, no qual não seria mais ensinada religião aos alunos, mas “cultura religiosa” e ética, que não deveria ser “confundida” com moralidade. Segundo este programa – obrigatório desde o primeiro ano do ensino fundamental até o final do ensino médio –, os professores devem ater-se a uma visão “neutra” na sala de aula, para que os estudantes possam desenvolver autonomamente as próprias posições.
A história deste programa vem de longe. A Igreja era uma presença forte em Quebec até os anos sessenta, quando a “Revolução Pacífica” inaugurou um período de modernização em que o Estado, sua burocracia e um novo nacionalismo substituíram a presença dominante da Igreja. Na metade dos anos noventa, o Governo de Quebec tornou aconfessional o sistema educativo. Em 2005, foi aprovada uma emenda à Carta dos Direitos de Quebec, consentindo ao Estado intrometer-se na educação religiosa quando fosse “do interesse da criança”. A intenção era a de tornar difícil aos pais obter a isenção do futuro programa. Os propositores do ERC falavam dele como algo que preencheria o vazio deixado pelo desaparecimento das escolas confessionais. O Estado substituiria a educação religiosa por um programa centrado sobre a ética e a cultura religiosa.
Logo ficou claro que estavam em jogo dois problemas graves: a fé não era mais considerada um modo de enfrentar a vida e, por isso, de conhecer a realidade e, por consequência, nossa sociedade não tinha mais uma concepção clara de educação.
Fui envolvido pessoalmente na questão através da amizade com alguns colegas da minha universidade e da Loyola High School, onde meu filho Thomas estuda. Duas coisas me preocupavam no programa. Primeiro a sua assim chamada posição neutra: isso significa que ensinando ética, por exemplo, um professor não pode exprimir uma posição sobre um problema ético. Ou o problema em questão se resolve recorrendo-se à lei do Estado ou à Carta dos Direitos de Quebec, ou o professor deve expor várias posições éticas para que os alunos possam refletir a respeito e, de algum modo, fazer suas escolhas. Uma abordagem do gênero é totalmente irracional e antipedagógica! Em segundo lugar, a obrigatoriedade da matéria: dada a sua impostação, vai contra os direitos religiosos dos pais que, matriculando seus filhos em uma escola católica privada, esperam encontrar ali uma visão católica.
Nosso caso foi debatido no tribunal de 8 a 12 de junho. Ao lado de uma série de amplas argumentações e depoimentos, nosso pedido principal era o de que fosse consentido à Loyola desenvolver seu programa de ensino a partir de uma posição católica. Como disse na corte, durante meu depoimento, como professor não posso ser neutro na sala de aula e não espero que meus alunos o sejam. Se meus alunos fossem “neutros”, significaria ou que estão dormindo ou que não entendem aquilo que estamos estudando... O juiz dará sua decisão nos próximos meses.
O que aprendi desta experiência? Primeiro, a nossa pretensão não é a luta de poucos fanáticos que querem recortar sua fatia de mundo. É uma batalha em defesa da liberdade e da própria democracia. Em nenhum outro programa, de nenhuma outra matéria, vem dito a um professor que não pode ter uma visão própria. Nesse sentido, compreendemos como o princípio da libertas ecclesiae é fundamental para a liberdade em uma democracia. Segundo, se não partimos de uma posição de fé conscientemente vivida perdemos de vista rapidamente a realidade. Quebec tem uma rica tradição católica, mas até os anos cinquenta, quando a Igreja parecia estar no seu ápice, já dependia das velhas pedras de toque, e tal dependência vivida sem a consciência de um relacionamento conduz apenas à incerteza, como padre Carrón nos lembrou recentemente nos Exercícios Espirituais da Fraternidade. Nossa única esperança é a consciência de que encontramos algo autenticamente novo: o acontecimento cristão. Não podemos nos apegar às “antigas certezas”, ou à idealização de planos e projetos. O que precisamos é de um relacionamento com algo – Alguém – novo que nos surpreenda. É a nossa única esperança para a Igreja e para toda a sociedade de Quebec, para uma autêntica educação, liberdade e democracia.
Deixando o tribunal no final da audiência, experimentava uma profunda gratidão por ter participado deste gesto que me permitiu testemunhar aquilo que tenho de mais caro. Entendo claramente que isso foi um privilégio, um dom que o Mistério me deu para que Ele fosse mais evidente para mim e para o mundo.
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