O testemunho do ex-secretário de Togliatti, o histórico líder do Partido Comunista Italiano. A misteriosa realização de um sonho da infância: ser um autêntico revolucionário. Desejo perseguido durante toda a vida, sem interrupção. Até o imprevisível encontro que realiza o anseio do coração. E a grande descoberta: a verdadeira revolução é o cristianismo, vivido na Igreja
A minha conversão foi um in itinere, preparada durante uma longa caminhada. Nos anos 70, fui atingido por este clarão: alguém dizia, falando de nós, comunistas, que também tínhamos rompido com o Partido Comunista (PCI) pela sua dependência da URSS de Breznev: “Vocês não são comunistas, vocês são conservadores”. Dizia isso a nós, que tínhamos lutado a vida toda para não sermos conservadores. Dizia mais: “A verdadeira, a única revolução da história é o cristianismo”. Razão e fé, portanto, se encontravam. Soube, depois, que quem havia dito essa frase que me interessou, me conquistou, me subverteu, era um padre baixinho que havia dado aulas no colégio Berchet, um padre de Milão que havia ensinado aos seus alunos como serem iniciadores de uma nova realidade. Tive vontade de ser um deles, mas jamais os encontrei; quis ser um deles, e hoje me tornei um de vocês. Aquele padre baixinho era Giussani. Com freqüência me perguntam: “O que o levou a romper com o comunismo? Por que você rompeu com o comunismo?”. Respondo: “Rompi por causa do padre Giussani; sobretudo por aquela verdade que padre Giussani proclamava: ‘Vocês são conservadores, não são revolucionários; revolucionário é Cristo’”.
Apaixonado amor pelo mundo
O que me convenceu foi aquela frase do padre Giussani. Aquele amor “apaixonado” pelo mundo, capaz de mudá-lo, de afirmar a justiça. Eu fui conquistado por essa verdade. Não sinto nenhum ódio, não me permitirei odiar o meu passado, dele não me arrependo. Quando deixei o PCI, Amendola, um dos membros, me disse: “Você é um dos nossos. Você não tem liberdade, depende de nós”. Essa filiação coagida me fez pensar. Mas eu quis ser o que padre Giussani me havia dito: um revolucionário. Não conheço o padre Giussani, jamais o encontrei, mas sua palavra é viva em mim: todo dia ele me fala, nos fala, nos encoraja e nos educa. Hoje nos convida a retornar aos aspectos elementares do cristianismo; nos diz que devemos ser missionários. Tem razão, essa é a nossa missão e esse é o nosso futuro. Digo eu, que já sou velho, mas sou missionário também como vocês, no meio de vocês. Eu me reconheço no padre Giussani. Em torno dele todos nós nos unimos e nos libertamos, reconhecemos em nossa vida a presença irresistível de Deus, a presença da Sua realidade, da Sua verdade, a presença de Jesus.
Inscrito no livro de Batismo
Depois da ruptura com o PCI e do nascimento do Manifesto, foi muito grande a minha dor. Meu sofrimento foi profundo, verdadeiro, sentido. Depois de ter sido riscado do Partido Comunista sofri bastante, essa foi a minha realidade. Essa dor me formou, junto com aquela frase que nos dizia: “Vocês não são revolucionários, vocês são conservadores. Evidentemente, vocês são iguais aos outros”. Então veio ao meu encontro uma coisa diferente, veio ao meu encontro, de forma doce, a minha mãe. Minha mãe era uma católica fervorosa, nunca votou comigo, nunca! Mas também nunca deixou de me amar, inclusive com o exemplo firme e obstinado de uma fé que jamais foi imposta. Minha mãe era um personagem incrível e concreto, protetora do grande convento das irmãs de clausura de Santa Margarida Maria de Alacoque, em Portici.
Lembro que uma vez, na sede central do Partido Comunista, na véspera das eleições de 18 de abril de 1948, apresentou-se um padre que disse: “Gostaria de benzer as Botteghe Oscure”. Era um sábado santo. Depois, o padre se lembrou de mim várias vezes, escrevendo-me com afeto. Ele era o assistente eclesiástico dos Comitês Cívicos, então nossos inimigos diretos. Imaginem o que pensaram as pessoas que vigiavam a entrada das Botteghe Oscure – talvez fossem verdadeiros assassinos – quando viram um padre se aproximar e dizer: “Eu quero abençoar vocês”. Naquele dia somente eu estava lá, Togliatti estava fora, e eu era o mais graduado dentro da hierarquia dos funcionários do Partido. O pessoal que estava na porta, militantes, veio até mim e me disse: “Está aí um padre que quer nos abençoar”. Eu também olhei pra eles um pouco surpreso, porque um padre na rua Delle Botteghe Oscure era uma cena inédita. Fechei-me no meu escritório por um momento e me disse: “Enfim, não sei o que fazer”. Foi nesse ponto que docemente me veio à mente minha mãe, que certamente não estava ali presente, me dizendo que abençoar era uma coisa boa, e então eu disse ao padre: “Pode benzer, então, as Botteghe Oscure”. Foi ela, minha mãe, quem me deu aquele decisivo conselho, o consentimento para benzer as Botteghe Oscure; ela, naquele momento, me lembrou que eu era um batizado, que estava inscrito no livro dos batizados. No fundo, essa inscrição é a minha vida, é a vossa vida, é a nossa vida, a de um batizado que reconhece as palavras do padre Giussani. Quando Giussani disse “Vocês são conservadores, não são revolucionários”, me convenceu a raciocinar, a viver a vida, e em nome da vida deixei o Partido Comunista, com esperança e confiança. Saí porque padre Giussani me “ordenou”. Eu apenas obedeci..., resolvei segui-lo, seguir vocês, seguir todos nós.
Por que não nos encontramos antes?
Deus sabe que o tempo ainda não estava maduro.
A Sua imaginação é admirável, Deus sabia que eu era comunista e devia ainda continuar sendo comunista, ir até o fim, não parar na metade do caminho. Fiquei profundamente impressionado com um fato acontecido por volta dos anos 70. Eu tinha ido na Universidade Estadual de Milão. Eu morava, então, em Roma. Fui a Milão para participar de uma assembléia aberta. A certa altura, vi jovens, que não eram comunistas, levantarem-se para discordar, e eles eram a maioria: não eram violentos ou agitados, eram uma falange pacífica, levantaram-se todos e nos disseram que eram de GS (Gioventù Studentesca – Juventude Estudantil –, primeiro núcleo do movimento Comunhão e Libertação; nde). Fiquei impressionado com a violência positiva, com o fervor, com a vivacidade, com a força tranqüila e persuasiva que expres-savam. Daquele dia em diante, aos poucos eu me tornei um deles..., mas certamente não de GS, porque eu já havia terminado a universidade. E hoje digo: “Vocês nos salvaram”. Não posso agradecer a Togliatti, a quem sequer consultei, embora aqueles militantes tivessem pensado que eu o havia feito. Digo obrigado a GS, digo obrigado ao padre Giussani, que me fez feliz porque me deu a vida e a liberdade.
A revolução é Cristo
Revolução é uma palavra falsa. Revolução não é falar de economia. O comunista pensa que é revolucionário. Na verdade, não o é. Este foi o porto no qual eu tinha que atracar, talvez com uma unidade nova, diferente, composta, verdadeira, uma diversidade, uma revolução que fosse também justa, social e livre, que fosse liberdade, que fosse democracia. Tinha razão Giussani quando dizia: “A revolução é Cristo”. Essa revolução é a verdade, uma revolução que aprendi com sofrimento, com dor imensa, porque o comunismo era o contrário da minha vida, da minha liberdade, da minha essência. Quando descobri isso pela primeira vez, pensei evidentemente que era preciso refazer tudo, mas tudo com uma verdadeira liberdade no ser consciente, no se sentir homem, no ser verdadeiramente homem.
Ser revolucionário, isto é, mudar o mundo, significa fazer como diz Giussani: “É preciso ser cristão. É preciso ser com Cristo”. Essa verdade eu a quis, eu a encontrei, eu a vivi. Assim, sou como o quis padre Giussani: um revolucionário verdadeiro, um revolucionário da minha liberdade e da minha paixão, finalmente um revolucionário completo, com vocês na Igreja, guiada pelo pastor de almas mais nobre e alto que existe no nosso tempo, o Papa polonês, que é um campeão da fé e da força, sem divisões, sem exércitos armados, com uma preparação profunda de idéias fortes, que fez com que essas idéias fortes triunfassem. A força de vocês é serem cristãos; é serem católicos. Essa é a nossa força.
Uma confidência
Desde que, há muitos anos, ouvi o padre Giussani dizer aquela frase sobre a verdadeira revolução, eu comecei a amar vocês, amá-los sem mesmo o saber, sem querer, ou talvez querendo-o. Mas fui muito fraco, muito ineficiente, muito culpado. Hoje eu os amo conscientemente, e lhes peço que façam o mesmo, que tenham tolerância, paciência, bondade em relação a mim, o mesmo amor que tenho por vocês. Aliás, hoje vocês são o meu mundo, a minha realidade, o meu ser. Mas atenção: vocês ainda ouvirão falar de mim, continuo presente, não parei de querer, de querer lutar, de querer ser um revolucionário.
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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón