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Passos N.56, Novembro 2004

50 anos de CL / Beleza

O amor ao Ser.
Raiz da paixão pelo belo

por Paolo Perego e Alberto Savorana

Entrevista com Marco Bona Castellotti, professor de História da Arte na Universidade Católica de Milão. Os diálogos com padre Giussani sobre a beleza, a partir dos anos 70, dentro de um relacionamento de amizade. Em um mundo que nega tudo ou, no máximo deixa sobreviver uma forma vazia, a paixão pela potência do Ser, princípio de uma capacidade de busca e realização da harmonia na forma. A beleza como esplendor da verdade, fator potente na educação do Movimento

Arte e literatura marcaram padre Giussani: primeiro na família; depois no seminário; por fim no colégio Berchet e, aos poucos, até hoje, unindo-se à sua vida – a ponto de nos indicar passagens decisivas (o canto À sua Dama, de Leopardi, a ária Spirto Gentil, de Donizetti, A Gota, de Chopin, os cantos russos...) – e na vida de CL. O senhor pode nos contar algo sobre a sua experiência com ele em relação a isso?
O relacionamento muito próximo que tive com padre Giussani a partir de 1966 comportava, também, uma discussão de caráter estético-cultural muito viva que era, porém – não diria direcionada –, mas pelo menos sujeita a uma educação à beleza. Tínhamos um relacionamento de amizade que se fundava sobre esse tipo de questões culturais, dentro do qual eu não poupava juízos, tampouco padre Giussani, mas com uma característica particular: padre Giussani, estreitando os laços de amizade comigo, procurava seguir também os meus gostos e não impor os seus. O que posso dizer, com certeza e lucidez de memória, é que a gama de conhecimento de padre Giussani, especialmente no campo da literatura e menos no campo das artes plásticas, era muito mais ampla do que se podia imaginar. Um exemplo: padre Giussani conhecia muito bem toda a obra de Thomas Mann, e me lembro que o livro de que mais gostava era O Eleito que, me dizia, o próprio Charles Moeller considerava uma obra de mudança dentro do seu pensamento porque abandonava as espaldas da estética nietzchiana e do titanismo do final do século XIX para chegar a uma visão mais positiva e, a seu modo, mais religiosa da vida.
Entre 1966 e 1978, padre Giussani também falou algumas vezes de Chopin e muito de Leopardi. Diria que, dos primeiros tempos, o que permaneceu vivo na sua plenitude foi Leopardi.
No meu modo de ver, seria oportuno fazer conhecer a diversificação dos seus gostos, sinais de uma sensibilidade muito ampla. As leituras de padre Giussani são muito mais numerosas do que as reunidas no livro intitulado As Minhas Leituras (Le mie letture, Ed. Rizzoli, Milão 1996; nde). É certo que, para manter atual o interesse por algumas obras, seria necessária uma espécie de exegese que exigiria empenho, tempo e um tipo de justificativa “ideológica” que provavelmente padre Giussani, a um certo ponto da sua vida, considerava secundária em relação a outros problemas.

Em que aspecto a sensibilidade de padre Giussani em relação à beleza mais ajudou no seu trabalho?
Padre Giussani, como ele mesmo admitiu, nunca teve uma particular simpatia pelas artes plásticas: tem grande paixão pela música, pela literatura, mas pouca pelas artes plásticas. Portanto eu, ocupando-me desse tipo de arte, não aproveitei muito dos seus juízos. Aquilo que, porém, ajudou muito o crescimento e o amadurecimento da minha sensibilidade, especialmente depois de alguns anos, foi o seu amor pelo Ser, que contempla, também, o amor pela beleza.
Padre Pigi Bernareggi, durante um jantar realizado no Meeting de Rímini com os seminaristas da Fraternidade São Carlos, de Roma, contou este episódio: em 1962, padre Giussani convidou Pigi, Eugenia Scabini e alguns outros amigos e os fez escutar os cantos russos. No final da audição gritou: “Sintam a potência do Ser!”. Esse conceito, muito vivo nele ainda hoje, remonta aos primórdios e acompanha toda a sua vida. Para mim, o seu ensinamento é um amor ao Ser, o que inclui, também, um amor à beleza, mas diria que é muito mais intenso nele o amor ao verdadeiro, porque a beleza, para padre Giussani, é um conceito de derivação tomista: não existe belo separado do verdadeiro. O que ele me ensinou foi o amor ao verdadeiro e nisso posso descobrir um amor ao belo.

Desde o início da vida do Movimento, a sua “genialidade” educativa foi caracterizada por uma riqueza de propostas e de sugestões: leituras a serem feitas, coisas para ver e ouvir. Freqüentemente tratamos essas coisas como algo pelo qual podemos nos interessar por uma “mania” particular ou “por uma obrigação” (é preciso ler os livros indicados, ir ao Meeting para visitar as Mostras e comprar os CDs da coleção “Spirto Gentil”). Como o senhor vê isso?
O gosto encaixado em um código ditado pelo dever me preocupa um pouco, mas não me escandaliza e não há absolutamente nada de mau nisso desde que se consiga colher o valor das coisas que são sugeridas. Já seria um passo importante.
Mas gostaria de sublinhar mais uma vez que acho fundamental, no ensinamento de padre Giussani, a sua insistência sobre o fato de que as pessoas devem ir cada vez mais a fundo no amor ao Ser, como acontece com ele: uma síntese entre natural e sobrenatural, entre físico e metafísico. Enquanto não se tiver a coragem de afirmar isso livremente – um pouco se fala a respeito, mas geralmente se tem medo do termo sobrenatural –, não se entenderá a essência do cristianismo. O problema não é tratar superficialmente a beleza, mas viver sempre mais intensamente o amor ao Ser enquanto fusão de imanente e de transcendente, de físico e de metafísico. O sobrenatural como fermento iluminador do natural.

“Não existe nada mais anticristão do que um gesto cristão mal feito”. Como o senhor reage a essa afirmação de padre Giussani?
Não há nada mais anticristão do que um gesto cristão que se torna feio, não belo. Sim, é verdade. Um gesto cristão realizado de modo desleixado é feio. Basta observar a liturgia, agora rebaixada a prática ritual. Nesse sentido, acho que a missa de abertura do Meeting desse ano foi de uma grande beleza – embora com algumas imperfeições, por causa da ordem e da harmonia – pela paixão demonstrada por todos e pela particularidade comovente da união do Pontífice. Então, o que torna belo um gesto cristão? Dois componentes irrenunciáveis: a paixão e a harmonia. Mas uma harmonia de formas não pode subsistir em si, porque seria algo frio e estatizante. Desde que o conheço, padre Giussani me transmitiu, consciente ou inconscientemente, a sua paixão pela harmonia. Ele sempre cuidou da forma, tanto no particular, quanto na síntese. Poderíamos mudar a frase da seguinte maneira: não há nada mais anticristão que a negligência da forma programada pela busca moralista de um “valor” que não se traduza em formas. O cristianismo sempre cuidou das formas, até porque são necessárias. Mas são necessárias como portadoras da beleza porque a beleza sem a forma não existe. Só nos dias de hoje se afirma a possibilidade de uma estética sem forma, mas é uma estética que nega conceitualmente a beleza.
Salvaguardar a paixão na harmonia da forma: que efeito pode produzir em nós uma afirmação desse tipo? Uma educação e um rigor pessoal. Portanto, uma educação e um respeito recíproco no espírito de caridade da correção em um mundo que nega tudo ou, no máximo, deixa sobreviver uma forma vazia.
Espero que todos possam ir cada vez mais a fundo no amor ao Ser, que quer dizer não só paixão pelas coisas, mas também busca da beleza inserida nas coisas. Que ela seja descoberta porque vem sendo sempre mais negada.

É significativa essa contínua tensão à beleza em padre Giussani, desde o início...
Não há nada mais bonito do que o verdadeiro. Não há nada mais verdadeiro do que a beleza, desde que tudo isso seja inerente àquele conceito de Ser que é união originária entre natural e sobrenatural. Educar significa fazer entender isso cada vez mais, mesmo pelas coisas mais simples: quer dizer, a oração, porque o valor da oração nasce, se manifesta exatamente nessa estreitíssima conexão.
A educação ao belo nasce daqui, do reconhecimento da potência do Ser. Isso contém toda a paixão... “Apaixonado. Apaixonado. Apaixonado. Apaixonado”, padre Giussani o repetiu quatro vezes na sua saudação final, no Meeting. Paixão na forma, na harmonia da forma, não passionalidade irracional e disforme.

Toca, em padre Giussani, a capacidade de suscitar uma correspondência em relação às suas propostas.
Isso também é efeito do amor ao Ser. A primeira aplicação. Porque essa capacidade de padre Giussani, verdadeiramente eclesial, é o que lhe permitiu, entre outras coisas, construir o Movimento. O caráter fundamental da construção do Movimento está nessa capacidade de valorizar, de transmitir e de valorizar. Quando disse que ele seguia os meus gostos, era assim: ele procurava olhar além de mim, pela capacidade de “participar” de quem tem diante de si. É por amor ao Ser que o outro é amado e valorizado exatamente enquanto parte do Ser. Essa capacidade de entrar no mistério do Ser foi dada ao homem. E ele a conquista se for consciente de que depende de um Outro, com “O” maiúsculo. De outro modo, não a percebe. De fato, o grande limite da cultura moderna é o de não reconhecer que na dependência de um Outro se conhece e se entende mais. É um erro capital, louco. Parece bastante simples perceber isso e, no entanto, não foi entendido.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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