O canto popular, a lauda medieval, a música polifônica, da época de De Victoria ou de Mozart. Desde a origem do Movimento o canto foi um fator fundamental pela sua capacidade de transmitir uma particular verdade do humano
No casamento de dois amigos nossos, há algumas semanas, um dos padres que concelebrava a cerimônia era padre Pigi Bernareggi, há muitos anos no Brasil. Depois do sacramento, o coro (uma formação do coral de CL de Milão) cantou a Ave Maria, de De Victoria e me tocou quando, olhando para ele logo depois da música, eu o vi muito contente. Tocou-me, porque – como ele me disse depois – há muitos anos, por várias coincidências, padre Pigi não escutava ao vivo o coral de Milão, e entendi que ele o encontrou “com boa saúde”, ou seja, como uma continuação do coral dos primeiros anos do Movimento.
Esse simples reconhecimento leva a algumas reflexões que emergem hoje, 50 anos depois do início do Movimento, sobre um elemento que padre Giussani sempre julgou fundamental na experiência e essencial na educação da pessoa: o canto. “Na primeira missa de Gioventù Studentesca, a primeira em absoluto: ali nasceu o canto do Movimento (...) Dez minutos antes da missa pus-me a ensinar Vero amore è Gesù e O cor soave. Movi as mãos como fazia o meu professor no seminário (...), cantei e me acompanharam”. Esta frase foi tirada de um encontro particularmente significativo entre padre Giussani e alguns “cantores” de CL, acontecido há exatamente dez anos, publicado em Passos de julho de 1994. Para falar sobre a experiência do canto no Movimento poderíamos partir exatamente desta marca reconhecida por um de nós que já há um bom tempo não nos escutava; quer dizer: se o Movimento tem um interesse pelo canto e padre Giussani sempre chama a atenção expressamente sobre isso em tantas ocasiões, isto pode deixar algum vestígio e transparecer de alguma forma no nosso modo de cantar?
Sensibilidade particular
A capacidade de um ou de outro – solista, regente, cantor, violonista – naturalmente contribuem, mas não são o primeiro fator que caracteriza a experiência do canto entre nós. O primeiro fator é, certamente, uma sensibilidade e um apelo, que são partes integrantes do carisma do Movimento, que padre Giussani, em muitas ocasiões, detalhou, exemplificou, reconheceu e corrigiu.
Pessoalmente, também devo dizer que o fator que sempre me atraiu mais no canto do Movimento foi o de carregar em si uma particular verdade do humano. Naturalmente, padre Giussani sempre reconheceu essa verdade como já presente em muitos testemunhos existentes na história. Parte-se, então, de uma certa sensibilidade que a própria verdade da experiência cristã e humana suscita. Isto sempre foi reconhecido em certos aspectos do canto, como o aspecto autenticamente popular (o canto russo, por exemplo) e, depois, o aspecto que melhor exprime uma religiosidade facilmente perceptível por todos, religiosidade essa que é semelhante à experiência de povo que a gerou: a lauda medieval e a lauda polifônica da segunda metade do século XVI, nos tempos de São Filipe Néri, além de todos os grandes testemunhos da arte musical de cada período, com uma grande sensibilidade pela arte maior e mais inspirada, que é para todos (De Victoria, Mozart, o canto gregoriano...).
Atenção aos detalhes
Quando tinha apenas 14 anos, reconheci esse carregar em si uma particular verdade do humano nas primeiras performances do coral dos colegiais que sempre foi guiado pessoalmente por padre Giussani (mais recentemente, por padre Pino), tanto no início, com as primeiras sugestões, como no caminho com um detalhe impressionante de juízos sobre a escolha de cada canto, se seria cantado por um solista específico ou pelo coral em um determinado momento do encontro ou da missa e sobre a modalidade a ser seguida na execução. Detalhe que nunca senti como mortificante em relação à capacidade e competência profissional (pessoalmente, por exemplo, sou musicista e compositor), mas como expressão, como é cada coisa no Movimento, de uma verdade de expe-riência cristã e humana. Exprimir esse detalhe, entre outras coisas, é sempre uma coisa só com a expressão de uma amizade valorizadora.
Em maio de 1987, padre Giussani em uma colocação durante um ensaio do coral, manifestava a esperança: “Que o privilégio da experiência que vocês fazem cantando, sobretudo pela consciência e pelo amor que se desenvolve em vocês, nas suas vidas e no seu relacionamento com Deus, mais que o amor à comunidade, faça com que vivam este serviço sempre com maior gosto”. Devo dizer que, em todas as vezes que preparamos os cantos, essa experiência de gosto, junto com o cansaço e os problemas, indubitavelmente cresce. Cresce também uma grande e sólida amizade com os companheiros de caminho. E, junto, cresce o desejo de comunicar esse patrimônio – que freqüentemente expressa tanto quanto ou mais do que as palavras – a todos os amigos da comunidade que vivem e crescem em todo o mundo.
Credits /
© Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón