O relacionamento com o Mistério na experiência de uma doença terminal. “Através dessa circunstância estou em relação com o Mistério, por isso devo tratá-la com respeito, intimidade e carnalidade, porque é meio de comunhão com Deus”. Anotações de um universitário de 20 anos, encontrados pela irmã em um folheto de 22 de agosto passado, quarto dias antes da morte
Em março de 2002 foi diagnosticado em meu irmão um tumor no pé esquerdo. A amputação do pé não cortou o mal. Em poucos meses Umberto teve que enfrentar uma nova intervenção para eliminar as metástases pulmonares e se submeter a contínuos ciclos de quimioterapia, que, porém, não removeram o câncer. Umberto estudava na Universidade de Lugano, na Suíça, para onde voltava sempre depois das terapias devastantes que enfrentava no hospital ou na sua casa de Pioltello (Itália). Na gaveta de sua escrivaninha, um dia após sua morte encontrei umas dez folhas escritas desde fevereiro deste ano, sobre as quais anotava aquilo que estava amadurecendo graças à doença. A última dessas folhas é datada de domingo 22 de agosto. Exatamente naquele domingo à noite Umberto se sentiu mal e o levamos ao Instituto dos Tumores, onde morreu quarto dias depois, em 26 de agosto.
Silvia Motta
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Com que intensidade estou vivendo a minha vida! É algo extraordinário. Dizia isso outro dia a Silvia, enquanto estava mal e inibido pela morfina: “Pense viver sempre assim, deste modo; que graça”.
Estou contente, é uma intensidade enorme que me faz viver tudo de um modo verdadeiramente mais feliz: “Toda a vida pede a eternidade”. A cada instante peço o eterno, entendo que a minha felicidade começa agora, nesse instante, em cada instante da minha vida, porque a vida é o instante vocacional.
Vivendo desse modo você começa a amar toda a realidade, toda, ama tudo aquilo que o coloca em relação com o Mistério, a própria rea-lidade, exatamente porque não é sua.
Nos últimos tempos ficou claro pra mim que, de fato, não sou capaz de fazer todas as coisas que gostaria de fazer: participar dos Exercícios Espirituais, ir ao Meeting nesta semana, o passeio em Pontresina. Mas isso me deixa ainda mais consciente da vida, da realidade: é como se de um certo modo, todas as vezes ficasse sempre mais “forte”, porque existe a consciência de ser querido e de ser chamado para Deus, de um modo misterioso, mas grande, porque é querido por Deus e não aquilo que eu tenho em mente. É neste ponto que entra em jogo a oferta total de si a Cristo, total.
O relacionamento com o Mistério em cada homem é realmente íntimo e carnal.
Outro dia, depois de acordar pensei: “Nesse momento, para mim, o meu relacionamento com Deus passa intensamente através desta doença, através desta circunstância, eu estou em relação com o Mistério também, sobretudo, através da minha doença, por isso devo tratá-la com respeito, intimidade e carnalidade, porque é o meio de comunhão com Deus”.
Mas esse relacionamento com o Mistério engloba todos os outros aspectos da minha vida, do relacionamento com a Silvia, com a minha família, com os meus amigos, tudo é sinal da glória de Deus, mesmo porque toda vida pede a eternidade.
Nesse momento, em que a situação parece mais grave, a minha posição diante da vida é essa, e peço que a minha consciência frente a isso fique sempre como tal. Veni Sancte Spiritus, Veni per Mariam.
Umberto Motta
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