Passos N.55, Outubro 2004

DESTAQUE - EDUCAÇÃO NO BRASIL

Uma experiência autêntica de escola:
o risco de educar

por Valéria Gomes Lopes

Propomos a leitura do texto da Coordenadora de Educação Religiosa da Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro que foi publicado no Jornal Testemunho de Fé do dia 05 a 11 de setembro de 2004 com o título Educar é um risco.

O título do meu artigo, na verdade, não é dele, mas de uma obra publicada pela editora EDUSC, recentemente. Nela, o teólogo e professor Luigi Giussani faz-nos parar e perguntar muitas vezes: mas de onde eu parto quando vou para a escola todos os dias, durante tantos anos da minha existência? Qual a relação que existe entre o meu trabalho de educar e o meu desejo de felicidade? Há um sentido naquilo que estou fazendo? Que sentido é esse? A cada página, o autor nos devolve a arte de fazer perguntas. Perguntas que eram abundantes em nossa infância, provocantes em nossa adolescência e quase inexistentes na fase adulta.
A primeira pergunta que me vi fazendo foi: o que é Educar? “Introdução à realidade total”. Imediatamente surgiu-me outra: O que significa isso? Na medida em que o texto se desenvolvia, uma avalanche de perguntas ia se avolumando. Assim começou a ficar mais claro o que significa a afirmação de que não adianta oferecer respostas para quem não tem perguntas. Devolver a capacidade de ter uma pergunta diante do dia que nasce e do infinito de possibilidades que ele contém é a principal novidade que o leitor vai encontrar na obra. Isso não quer dizer que o livro se organize a partir de certas perguntas que serão respondidas. Mas o autor vai introduzindo o leitor numa dinâmica educativa da qual, certamente, estamos bastante distantes.
Digo isso fundamentada na minha experiência de jamais ter, por exemplo, antes dessa leitura, parado para pensar no significado da palavra EDUCAR (do latim, educere: trazer para fora o que existe dentro). Por princípio, a palavra educação sugere algo bem diferente do que costumamos fazer: quantos de nós entramos em sala pensando que devemos colocar coisas dentro dos nossos alunos? Ao contrário, a palavra que designa a nossa tarefa solicita que recuperemos, que façamos aflorar, emergir algo que o educando, ou melhor, toda pessoa, em qualquer circunstância, traz consigo. E o que será que todo homem traz consigo? Aristóteles (século IV a.C.) afirma que o homem nasce com desiderium sciendi e podemos reconhecer isso em nós e nos alunos: todos nós desejamos conhecer, fazer amigos. Por isso, muitas vezes, é quase impossível fazer com que eles fiquem por alguns minutos calados, ouvindo o que nós temos a dizer. Acontece que nós, professores, parecemos ter esquecido que o primeiro aspecto do nosso trabalho é o encontro. Todos os dias encontramo-nos com muitos, às vezes com centenas, de jovens ou crianças. É ou não verdade que alunos e professores têm desejado ficar cada vez mais distantes uns dos outros? Todos temos sofrido nesse embate, nesse espaço da sala de aula, porém esse é o espaço que, verdadeiramente, desejamos que seja o do encontro e o do conhecimento, o do encontro com o conhecimento.
Nessa recuperação de Educar como “Arte do encontro”, somos levados a recordar que o que desejamos a cada instante é ser felizes e, infelizmente, nossas salas de aula se transformaram em espaço de tortura para nós e para os alunos. Por quê? Porque não nos perguntamos mais qual o sentido do mundo. Porque, se há um sentido no mundo, há um sentido em tudo o que está no mundo; conseqüentemente, há um significado para a educação. Sendo assim, educar levando em conta a totalidade dos fatores constitutivos da realidade significa que é preciso ensinar os nossos alunos a enfrentar, por exemplo, o conteúdo específico que ele tem diante dos olhos, o relacionamento com os colegas, o relacionamento com todo o conhecimento que ele precisa construir; quer dizer, é preciso ajudá-los a enfrentar cada circunstância particular da vida compreendendo o seu sentido. Então, entender a educação como “Introdução à realidade total” significa que qualquer aspecto particular da vida tem um significado; logo, é preciso buscar esse significado.
É nessa busca do significado das coisas que a figura do professor como AUTORIDADE (auctoritas: aqueles que faz crescer) é fundamental para nós, pois o professor é aquele que ajudará o aluno a aumentar a sua percepção da vida. Vem, então, uma nova pergunta: o que faz do professor uma verdadeira autoridade, e não alguém autoritário?
O fato de o professor ser o portador de uma TRADIÇÃO. A palavra tradição também vem do latim tradere, que quer dizer entregar. A tradição é aquilo que nos foi entregue por quem viveu antes de nós.
Voltando à questão da educação como encontro, surge em nós outra pergunta: mas quem é aquele com quem me encontro todos os dias na sala de aula? É uma pessoa, é uma potência de humanidade. O nosso aluno é um homem que precisa descobrir-se homem: criado à imagem e à semelhança de Deus. Nesse sentido, se o que tenho diante de mim é uma pessoa, e não um computador que vai registrando tudo o que vou colocando nele, significa dizer que o nosso aluno olha para a realidade com uma capacidade misteriosa trazida consigo, que se chama LIBERDADE. O homem tem essa capacidade misteriosa que o faz escolher, que o faz aderir. Ou que o faz recuar. Aqui está o risco educativo que muitas vezes nós, educadores, não queremos correr, mas que se nos impõe.
Se recorrermos à parábola do Filho Pródigo, conseguiremos entender bem em que consiste esse risco: o pai entrega todos os seus bens ao filho, e o filho segue o caminho contrário ao que o pai lhe indicara. Este é o risco: não se pode fazer nada contra a liberdade. Não se pode obrigar uma pessoa a amar o conhecimento que você quer compartilhar com ela. Desse ponto de vista, o educador está totalmente entregue à pessoa que está educando. Contudo se pode educar a liberdade. Quer dizer, pode-se trazer para fora do homem a liberdade que ele trouxe consigo desde que começou a ser gerado no ventre de sua mãe. Isso significa que ser livre é realizar plenamente a sua humanidade. Como é possível realizar plenamente a sua humanidade? A Igreja nos indica o caminho: seguindo a Cristo – Ele é a humanidade plena; ou seja, perfeita.
Esta é a grande missão de quem quer Educar: apresentar o significado da realidade ali, no objeto de conhecimento que se tem diante dos olhos. Afirmar, por meio do conhecimento historicamente construído pela humanidade, por meio da sua presença educativa que a resposta ao desejo de felicidade não é aquele conteúdo, mas passa por ele; não é aquela bela menina, mas passa por ela; não é aquele rapaz atraente, mas passa por ele. Enfim, afirmar que a resposta ao desejo de felicidade que todo homem carrega consigo, do primeiro instante de existência até o último dia de sua vida, se fez Homem e tem um nome: Jesus Cristo. Eis o risco que a nossa liberdade precisa decidir se quer correr.