A priora do Mosteiro Beneditino do centro de Milão abriu as portas para Passos. A raiz de uma vocação educativa, dos jovens e, agora, também dos adultos. A amizade com padre Giussani e com o Movimento, história da fidelidade a um encontro.
Rua Belotti nº 10. Chiara, junto com os pais, olha o grande edifício do final do século IX e pensa: “Entre todas as escolas de Milão, tinham que me trazer exatamente na das monjas...”. Depois de atravessar o austero portão, o claustro diante deles é inundado de luz. Num canto, um pequeno grupo de moças ri e brinca. “Madre, não terminamos a discussão sobre Marx... eu não desisto”. “Fique tranqüila, eu também não. Agora, preciso ir, porque estão me esperando. Depois nos vemos, na aula. Preparem-se”. “Pode apostar!”. Irmã Gertrude, sorrindo, vai ao encontro de Chiara e de seus pais. Enquanto se dirigem ao parlatório, a monja se aproxima da jovem e diz: “São as minhas meninas do ensino médio. Amanhã elas têm um trabalho, na aula, como preparação para o exame final. Você sabe que nós somos monjas de clausura; durante as provas ficamos atrás de uma grade e, por isso, é difícil controlar que não colem...”. Chiara olha assustada para esta monja de olhos serenos e profundos. Um instante de silêncio e, depois, as duas começam a rir. Uma monja que faz piada, que discute sobre Marx... Isso, ela não esperava. Mas é um bom começo. Vale a pena tentar entender o que se faz ali dentro.
Tudo isto aconteceu há cerca de dez anos. Quem nos conta é a própria madre Gertrude, priora das Beneditinas da Adoração Perpétua, aqui, no Mosteiro da Rua Bellotti, que, desde o início, em 1892, sempre teve a vida monástica em estreito relacionamento com a educação tanto que, durante um certo período, oferecia cursos para todos os anos letivos, desde o maternal até o colégio. E eram as próprias irmãs que davam aulas.
Madre Gertrude, me parece que a educação é uma característica de vocês.
O empenho educativo faz parte do espírito beneditino. No prólogo da Regra, lê-se: “Escuta, ó filho, os ensinamentos do mestre”. O Mosteiro é escola do serviço divino. A educação é a alma da vida beneditina. O monge é concebido em uma situação contínua de educação de si mesmo, junto aos irmãos, na palavra de Deus. Para nós, desde o início, isto se refletiu na escola, porque havia uma exigência por parte da Igreja de abrir uma instituição escolar. No ato de ensinar transparece toda a riqueza da Regra de São Bento. Faço um exemplo: nos anos 80 foi lançado o projeto educativo do Instituto. Trabalhávamos juntos, professores (não só as monjas, mas também leigos), estudantes e pais. No início, olhávamos uns para os outros e dizíamos: o que estamos fazendo? Quais são as finalidades da educação? Líamos a Regra juntos. Foi um trabalho muito bonito. Transferimos para o projeto os valores fundamentais da Regra.
Quais são?
A formação à liberdade que misteriosamente se realiza com a obediência e amadurece no senso de responsabilidade e na consciência do dom da fé recebida, pela qual se é responsável. Sublinhamos muito o aspecto comunitário como reflexo da comunidade beneditina que se funda sobre laços estáveis e profundos de doação recíproca. Insistimos sobre o conceito fundamental de formação humana e cristã que devem ser a mesma coisa, quer dizer, uma cultura animada pela fé e uma fé harmonizada com a cultura. Estes princípios passavam, depois, para muitos aspectos específicos. Por exemplo, o fato de que a educação acontece por meio da comunidade da escola e, portanto, por meio da estreita colaboração entre a direção, o corpo docente e os representantes dos órgãos estudantis. Trabalhávamos juntos no projeto educativo, de modo apaixonado. Éramos uma família.
O que os estudantes percebiam?
Antes de mais nada, parece paradoxal, percebiam o aspecto da comunidade como família. Entendiam que a comunidade, tendo o caráter de estabilidade de laços, abria-se a eles oferecendo um ponto de referência. Numa sociedade em que os afetos, os vínculos de amizade são débeis e precários, observavam que por trás do senso de familiaridade que percebiam na escola havia o senso da estabilidade monástica, de um “para sempre” que responde ao desejo humano de felicidade e de plenitude. Eles percebiam isso porque o viam concretamente. Muitos estudantes pediam, espontaneamente, para lerem a Regra juntos para discutirem alguns aspectos!
Exatamente naqueles anos, havia entre os seus professores alguns membros de Comunhão e Libertação. Como foi isto?
Talvez poucos saibam, mas padre Giussani foi professor no nosso Instituto antes de começar a sua aventura no Colégio Berchet. Depois, quando o número de monjas diminuiu, precisamos contratar novos professores e procuramos pessoas cuja intenção educativa fosse inspirada na fé e no pertencer à Igreja. No Movimento, encontramos professores que tinham a mesma paixão educativa que nós e que realmente queriam colaborar conosco. Por outro lado, padre Giussani sublinhou várias vezes que muitos aspectos da Regra foram fundamentais para ele e que são um pouco a alma do movimento Comunhão e Libertação. O relacionamento entre nós nunca acabou e, nos últimos anos, se aprofundou graças a uma das nossas noviças. E, mais de uma vez, padre Giussani nos visitou oferecendo-nos o dom da sua paternidade. Também com artigos para nossa revista, Ora et Labora, padre Giussani nos ofereceu por muitos anos preciosas contribuições do seu pensamento.
Faz oito anos que a escola fechou...
Foi um momento difícil. Por causa da diminuição demográfica italiana, mas sobretudo pela mudança cultural da sociedade, o relacionamento que subsistia entre as famílias e o Instituto acabou. Verificou-se uma situação de contraste entre as exigências da vida monástica e as motivações que levavam as famílias a escolher a nossa escola. Infelizmente, no máximo, era uma escolha por comodidade, por causa da proximidade, sem uma participação efetiva na vida da escola. Naquele momento difícil alguns amigos do Movimento colocaram-se disponíveis para dirigir a escola. Tínhamos que decidir. Sabíamos que a escola deveria ser a efusão natural da nossa experiência espiritual e que não poderia estar “à parte” de nós. A decisão, naquela altura, foi simples: não, não era possível. Foi muito sofrido, mas é preciso ser dócil ao Espírito Santo, aos planos de Deus, que sempre oferece o cêntuplo. E assim foi.
Em que sentido?
Hoje, a nossa experiência educativa continua de outra forma. Desde 1997, no Mosteiro acontecem retiros, cursos de lectio divina e de cultura monástica. Além disso, há alguns anos, sob a orientação do professor Giovanni Mezzalira, abrimos um laboratório de iconografia. Desenvolveu-se o grupo dos oblatos seculares, pessoas adultas, inclusive casadas, que se ligam à comunidade com a promessa de seguir a Regra de São Bento. Agora, a nossa experiência educativa se volta às pessoas adultas. Repito: basta ser dócil aos planos do Senhor. Você não imagina quantas pessoas, mesmo afastadas da religião, batem à nossa porta. Num clima descristianizado como o que estamos imersos, há uma busca de espiritualidade e, às vezes, é uma busca confusa por um significado, pelo sentido da vida. As pessoas vêm até nós, talvez atraídas pelo clima de silêncio, mas não percebem a diferença entre o silêncio cristão e o das religiões orientais. Trata-se, também nestes casos, de acolher e de guiar para a verdade.
Como isto acontece?
A pessoa séria se dá conta de que uma busca indeterminada de Deus a coloca diante do nada. Mas é exatamente neste momento que a comunidade vem ao seu encontro revelando, por meio da palavra de Deus, da oração, da Eucaristia mas, sobretudo, por meio da vida em comum, que o seu desejo de felicidade encontra uma resposta. Na adoração perpétua ao Santíssimo Sacramento se vêem tendo que prestar contas diante de uma presença que vai além de qualquer forma new age. É com a pessoa de Cristo que eles devem, por assim dizer, se “chocar”.
Uma última pergunta. Como amadureceu, na senhora, a vocação monástica?
(Sorri) Bom, este é o mistério dos mistérios. Freqüentava a Faculdade de Filosofia, na Universidade Católica. Tinha bons professores, porém, aos 17 anos, com uma boa dose de contradições, comecei a freqüentar a Universidade Estadual. Bastou escutar algumas aulas super abstratas, que bradavam o vazio e o desespero, para voltar às origens e para amar e valorizar os ensinamentos daqueles grandes mestres. Lembro que éramos um pequeno grupo de jovens que gostava de estudar filosofia cristã exatamente como construção da própria personalidade. Foi o contato com as grandes figuras do pensamento cristão mas, sobretudo, um itinerário de oração, que fez amadurecer em mim a vocação para a vida beneditina. Cheguei nesse Mosteiro quase por acaso. Ouvi falar da centralidade da Eucaristia e entendi imediatamente que aquele era o lugar da minha vocação. Hoje, posso dizer que ainda não terminei de descobrir a beleza da Regra de São Bento. Nunca se termina de descobrir o dom da vocação monástica que abre para Deus e abre para o mundo: antes, a “porta” era a escola que oferecia diálogo educativo com os alunos. Agora, a dimensão comunicativa se exprime na formação monástica, no relacionamento com as noviças ou nos vários encontros que o Senhor, a cada dia, nos proporciona.
Catherine de Bar
Fundadora das Beneditinas da Adoração Perpétua do Santíssimo Sacramento
1614 Catherine de Bar (Catherine é o seu nome de Batismo) nasce em Saint-Dié, em Lorena (França), no dia 31 de dezembro.
1631 Muito jovem, depois de ter lutado contra a resistência do pai, entra na comunidade das Monjas Anunciadas de Bruyères.
1635 A Guerra dos Trinta Anos, que devasta toda a região, a obriga a fugir junto com suas religiosas. De fato, naquela época, já era priora.
1639 Depois de quase quatro anos de fugas, foi acolhida, em janeiro, como hóspede no Mosteiro Beneditino de Rambervillers. Fascinada pela Regra de São Bento, pede para se tornar noviça.
1640 No dia 11 de julho, faz os votos da Ordem com o nome de Catherine de Santa Mectilde. Porém, pouco tempo depois da profissão, guerra, miséria e carestia se abatem sobre o Mosteiro e obrigam as monjas a se separarem.
1641 Irmã Catherine, com duas monjas, encontra refúgio provisório em Saint-Michel onde, depois, são alcançadas por uma parte da comunidade. Prevendo uma nova separação, as religiosas mudam seu nome consagrando-se a um particular Mistério: irmã Mectilde torna-se Mectilde do Santíssimo Sacramento. Em agosto, por intercessão de São Vicente de Paula encontra, em Paris, Marie de Beauvilliers, abadessa de Montmartre. No ano seguinte, conhece a abadessa da Trindade de Caen, Laurence de Budos. Ambas tentam mantê-la perto de si, mas o desejo de madre Mectilde é reunir a sua comunidade de Rambervillers.
1643 Com este objetivo, em agosto, transfere-se para St-Maur-des-Fossés, perto de Paris. Neste período muitas amizades são, para ela, um precioso apoio material e espiritual.
1647 Em junho aceita, não sem hesitação, o cargo de priora, em Caen, no Mosteiro de Bon-Secours.
1650 Em agosto, madre Mectilde retorna a Rambervillers, tendo sido chamada por algumas religiosas que tinham voltado nos anos anteriores e que a tinham nomeado priora.
1651 No dia 1o de março, é obrigada a partir novamente para Paris com quatro religiosas: a guerra recomeçara em Lorena e a comunidade de Rambervillers, reunida há pouco tempo, é novamente separada. Estabelece-se perto da comunidade de Saint-Maur, onde cai gravemente doente. Em agosto, conhece a condessa de Châteauvieux, Marie de la Guesle, mulher piedosa e caridosa que, alguns anos depois, reuniria os escritos de madre Mectilde. Tal coletânea – manuscrita – foi copiada muitas vezes nos vários Mosteiros das monjas de madre Mectilde. É conhecida como: o Breviário da Condessa. Madame de Châteauvieux assume rapidamente um lugar central na procura das amigas devotas da Madre. No final deste ano, Mectilde começa a considerar a possibilidade de uma nova congregação de Beneditinas consagradas à adoração perpétua da Eucaristia.
1652 No dia 14 de agosto, não obstante dificuldades e oposições, obtém as autorizações necessárias para a fundação da Ordem das Beneditinas da Adoração Perpétua do Santíssimo Sacramento.
1653 No dia 25 de março é fundado o Mosteiro, na rua du Bac. No ano seguinte, em janeiro, o Mosteiro é transferido para a rua Férou e, em 12 de março, com uma cerimônia solene, é elevado à condição de clausura canônica. Naquele dia, a rainha Anna, da Áustria, em pessoa, pronuncia a emenda, ou seja, uma oração de pedido de perdão a Deus pelos pecados de cada um e de todos. Nos anos seguintes serão fundados outros seis novos Mosteiros e três Mosteiros Beneditinos já constituídos agregam-se ao Instituto de madre Mectilde, de modo que, por ocasião da morte da fundadora já existirão dez casas.
1676 No dia 10 de dezembro, com a bula Militantis Ecclesiae, Inocêncio XI eleva os Mosteiros fundados por madre Mectilde à condição de congregação autônoma.
1683 É publicado O Verdadeiro Espírito, uma coleção de textos da Madre que sintetiza o seu ensinamento cotidiano à comunidade.
1698 No dia 6 de abril, depois de meses de doença, madre Mectilde morre, um domingo após a Páscoa.
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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón