É tão raro ver a realidade de verdade, que, se acontece, somos tomados pelo medo de ser visionários. Parece “demais” que, a um certo momento, tudo de nossos dias se torne sinal. Mas se um bebê, “o mais quebrado de todos”, como diz seu pai Mirco, vivendo menos de um dia, tornou mais vida a vida de muitos, talvez haja aí uma profundidade que habitualmente não se vê. E precisa entender o que ocorreu ali em Bolonha, no Hospital Santa Úrsula.
O setor de Ginecologia é conhecido pelas tantas interrupções de gravidez e pela atividade de fecundação in vitro. Aqui no dia primeiro de outubro veio ao mundo Giacomo, com uma malformação incompatível com a vida. Habitualmente uma criança assim é descartada desde o início. Ele teria nascido, mas para morrer logo. Ao invés, as coisas se deram diversamente. Em poucas horas revolucionou o setor, e o coração e o trabalho de quem estava ali, tanto que hoje se fala de um percurso de cuidados de conforto (comfort care)para recém-nascidos como ele. E aqui isso era algo inimaginável até o dia anterior.
Mas nesta história tudo foi assim. Antes da chegada de Giacomo, “eu vivia encaixando cada coisa e acabando eu mesmo encaixado. Até no relacionamento com minha esposa”, conta Mirco. Ele e Natascia têm três filhos, Francesca, Frederico e Michela, a primogênita, que morreu logo após o nascimento, há onze anos. A notícia de esperar o quarto filho chega em um dos momentos mais difíceis de seu matrimônio. “Você recomeça a fazer projetos, tenta recompor... só vai piorando”. Mas tinham feito a Deus um pedido muito verdadeiro sobre seu relacionamento. “Não podia resignar-me à perda da promessa do matrimônio”, diz Natascia: “Gritava há dois anos dentro de mim: Senhor, Tu me fazes falta!”.
Naqueles dias ela estava agitada, não dormia pensando na nova criança, e uma manhã confidencia a Mirco: “Sinto que deverei passar por uma estrada estreita”. Na ecografia do terceiro mês, o diagnóstico é impiedoso: anencefalia. Giacomo, assim como ocorreu com Michela, não tem crânio e não viverá. O ginecologista continua falando, mas eles não ouvem mais nada. O médico já está pronto para marcar o aborto. “Nós o detivemos. Mas eu estava desesperada. O sentido de injustiça era terrível e não era automático continuar a gravidez”. Isolam-se um pouco para decidir, mas tudo está mudo. O primeiro sussurro de bem vem do diálogo com o ginecologista Patrício Calderoni, que lhes sugere pedir ajuda ao arcebispo de Bolonha, Carlos Caffarra. Hesitantes, vão.
Natascia quer saber do Cardeal se a vida de uma criança que não pode sobreviver é vida. “Eu havia segurado Michela em meus braços. Você acha que não o soubesse?”, diz com ternura: “É que eu procurava uma escapatória”. Porém não esperava aquela resposta de Caffarra: “Vocês não têm as forças. O Senhor está pedindo-lhes para correr, mas seus pés estão machucados. Devem pedir a Ele as forças. Eu estou com vocês. Celebrarei sempre uma missa e, quando quiserem me encontrar, estarei aqui. Natascia, peça a Nossa Senhora o milagre, pois entre mulheres vocês se entendem”. Diz-lhe também para colocar-se diante da cruz e não raciocinar, para confiar-se, dizendo: salvai-me Vós. Coloca-lhe as palavras na boca. “É o que eu precisava, porque estava tão zangada que não conseguia sequer rezar”.
Saem da Cúria sem dúvidas. Esperavam o “sermão”, enquanto naquele dia inicia uma amizade impensável. “Ele viu a nossa necessidade”, diz o Mirco: “No seu abraço, tive certeza de poder confiar”. Desde aquele momento, recolheu-os nos momentos mais difíceis, nas decisões, até o modo de dizê-lo aos filhos ou se era para fazer o cesáreo. Começaram a ver esta companhia em tudo. A cada pique de dor, acontecia alguma coisa, “em ciclo contínuo”, diz Mirco. Certa manhã voltou para casa do trabalho porque Natascia está em crise, grita e chora. Pouco depois toca o telefone, padre Julián Carrón marca um encontro. “Eu parti para Milão já com a certeza de que era Cristo que me respondia”. E Mirco conta: “Ele queria verificar conosco que a fé vence na vida. Disse a mim mesmo: se aposto naquilo que vi, não perco”. Saem dali, tendo mudado tudo. “Parecia-nos sair da festa de nosso matrimônio”. No trem, na viagem de volta, se olham e conversam como há tempo não acontecia.
É só o começo. A ecografia do quinto mês é em cores e Natascia vê melhor as malformações, mais graves do que o previsto. “Naquele momento eu tive clareza: Jesus o quer assim. Ama-o assim. Desabei, como uma menina quando entende que o pai já decidiu”. O grito se faz sempre mais agudo. “Comecei a pedir somente a Jesus que não me deixasse, que tudo fosse cheio dele”. Também Mirco tem necessidade de gritar, e vai encontrar-se com o Cardeal Caffarra. “Por que Deus escolheu assim para nós?”. E ele: “Caro Mirco...”. “Podia bastar aquele caro. Mas me disse: ‘Para isso não tenho resposta. Ninguém nesta terra a terá para você. Mas o que vocês estão experimentando já é o cêntuplo, o desígnio misterioso permanece’. Não podia responder-me. Mas não me deixou no vazio”.
Fez com que olhassem. Na espera do milagre, há uma dor sufocante, mas na espera de Giacomo, não, o seu sim se torna uma estrada sempre mais intensa. Tudo fala dentro de um só grande diálogo. A dedicação dos amigos, uma mensagem, uma conversa durante um café casual onde se vai direto ao coração, Andreia, chegando do Paraguay para encontrá-los, que na estação se ajoelha diante da barriga. “Parecia louca”, diz Mirco: “Mas provei uma estranha correspondência. Teria entendido melhor alguns meses depois”.
Quanto mais se abre a pergunta, tanto mais descobrem companheiros de caminhada. Entre os amigos de sempre e os novos. “Foi um abraço de toda a Igreja”, continua Natascia: “Tivemos muitos encontros. Mas cada um, a seu modo, era um traço de Jesus”. Chega a carta do Papa Francisco. Depois, a do Papa Bento... “Tínhamos escrito ao mundo inteiro, sobretudo aos mosteiros. Os amigos faziam romarias. Havia um povo unido por uma presença”. A qual teria vindo ao mundo em breve. Dia 1º do outubro. O parto cesáreo é fixado. “Só não gostei que não era possível fazer no dia 2”, diz Natascia. Ela teria preferido que Giacomo nascesse para o Céu no dia dos santos Anjos da guarda.
Os cem passos de Mirco, do estacionamento ao setor de maternidade, são ao lado da esposa e do pequeno no ventre. “Eu estava em paz. Não podia senão agradecer”. Entram no hospital com o milagre maior que existe, como dizia Dom Giussani, “a dor que se torna gratidão”. E a gratidão que “se torna a nascente de novidade para o mundo”. Natascia recebe a Comunhão e entra na sala do parto. Do lado de fora, os amigos rezam o Terço com Mirco. A criança nasce. E chora. “Não esperávamos por isso”. O professor Guido Cocchi, responsável de Neonatologia, está ainda emocionado: “Estávamos preparados para um coração que teria diminuído os batimentos em poucos minutos. Um óbito rápido. Ao contrário, Giacomo chorou. Forte. Normalmente não têm o tempo e as forças para fazê-lo. Depois, esperávamos uma crise respiratória, mas os minutos passam...”. Giacomo viverá dezenove horas. Até o amanhecer do dia dos Santos Anjos da guarda.
Doutor Cocchi trabalha aqui há 36 anos. Já viu de tudo. “Mas desta vez ocorreu algo novo. Pela reação de Giacomo e por aquilo que aconteceu em torno dele: a colaboração que se gerou entre setores habitualmente em atrito, e a forma que tomou o acompanhamento, pela primeira vez”. Depois de duas horas que Giacomo esperneia e se faz ouvir, o levam com a mãe a um apartamento todo para eles do setor comum, como todas as crianças. Sem separá-los. “Foi tudo intensíssimo. Não por uma organização, mas só por uma presença que se impôs”, conta Chiara Locatelli, neonatóloga. Normalmente são levados à terapia intensiva. Entre os colegas alguém hesita, porque existem riscos numa escolha “fora do protocolo”. Para outros é mesmo absurdo que Giacomo tenha nascido. Uma dor inútil. Mas quem entra naquele apartamento muda de ideia. É preciso ver. “Diante das perplexidades de uma minha colega, disse-lhe: venha comigo. Quando esteve ali, se comoveu. Havia uma intensidade tão forte... Pensei que fosse a mesma da noite de Natal”.
Todos desejavam estar ali. Uma peregrinação de amigos. Saúdam-no, mas depois não vão embora. Enfermeiros e médicos que perguntam a respeito desta criança: mas, está vivo? Como está? Mirco não se dá conta: “Por que é uma notícia para todos?”. Giacomo está simplesmente ali, chora porque tem fome, procura a mãe, escuta a voz do papai e dos dois irmãozinhos que vieram conhece-lo. “Quando ficamos nós quatro”, diz o Mirco, “a dor, as dificuldades daqueles meses e dos meses anteriores... tudo estava em paz, na presença do pequeno Giacomo”.
Depois de uma noite que passou olhando-o, Natascia vê que não respira bem. “Ela me chamou e eu corri para buscar a morfina”, conta a Locatelli, “mas não cheguei em tempo. Quando morreu, queria deixá-lo o mais possível nos braços da mãe... Custava-me separar-me deles. E me dei conta que, até o fim, você pensa que o milagre consiste naquilo que você quer”. Ao invés, Natascia, certa, o entrega chorando: “Ele já está onde deve estar”. Dois meses depois, ela ainda se pergunta o que as pessoas viam naquele apartamento. “Giacomo veio mesmo para o meio de nós para dizer: eu existo e sou amado tal como sou. Todos tivemos que nos confrontar com isto. Durante tantos meses eu pedi ao Senhor que me mostrasse a sua ternura e potência. Estas duas palavras, sempre. E me atendeu. Ele transfigurou a realidade”. Giacomo conquistou o mundo em torno de si, gerou sem sabê-lo, sem querê-lo, assim como os pequenos santos inocentes da poesia de Péguy.
Quando, algumas horas mais tarde, entram no apartamento a enfermeira-chefe, a obstetra e o responsável da sala de parto, Mirco e Natascia se assustam. “Queremos agradecê-los. O nosso trabalho mudou. Agora vamos encaminhar um ofício à Direção sanitária para iniciar um ‘percurso Giacomo’...”. Inconcebível, aqui onde tratar é somente sarar. “Há algum tempo, com alguns colegas, estávamos estudando como propor os cuidados de conforto”, conta Calderoni: “A presença de Giacomo superou os projetos. E me faz desejar ter os olhos sempre abertos. Porque Jesus passa perto de mim todos os dias”.
Quem quis fortemente que a experiência de Giacomo se torne um método foi Maria Antonieta Graziano, a enfermeira-chefe. “Naquele dia tudo aconteceu de modo extraordinário, mas espontâneo. Natural”. É obstetra há 33 anos. Nunca havia considerado o problema de uma criança como Giacomo. Habitualmente são transferidos para outras equipes. Mas, quando vê que a mãe não quer separar-se do bebê, torna-se disponível. É um rio a transbordar: “Vi o sorriso daquela mulher, que nunca se queixou, não era retraída. Não disse nada. Tomou seu filho pela mão e o acompanhou à outra vida. E normalmente se foge da morte! Sabe que, em certo momento, esqueci que ele tinha uma patologia? Foi belíssimo... Eu e os meus colegas pudemos dizer sim”. Em que sentido? “Disse a mim mesma: mas onde eu estava até hoje? Compreendi que estivera anônima até o dia anterior, entende?”. Diz que despertou “de um sono”, no qual ignorava estar: “Abriu-me os olhos, e uma nova fronteira de trabalho”.
Completamente o oposto de algo que termina. Por isso, no dia do funeral, o Cardeal não quis nenhum paramento roxo. Mirco no cemitério se ajoelha pensando na Andreia, a amiga encontrada na estação; ela “tinha entendido que Jesus estava vindo nos visitar”. Sente a falta de seu filho. “Mas, quando penso nele, penso: onde o meu coração quer ficar apegado?”. Um dia destes, Natascia percebeu que estavam se encaixando como antigamente e teve medo: “Tudo isso mudou o mundo e não mudou a nós? Mas não, é um fato. É preciso olhá-lo, procurá-lo. A pergunta é maior, muito maior, mas propriamente porque eu vi o Verdadeiro”. Mirco relembra um dia em que conversaram, apenas os dois, já no final da gravidez. Natascia pensava no “depois”: “Não sei se voltarei a levar a vida como antes. Nós embrutecemos e talvez Giacomo tenha vindo para nos libertar da monotonia...”. E ele se surpreende ao responder, sem calcular: “Agora somos mais livres. Qualquer coisa que escolhermos, em qualquer lugar estivermos, sabemos quem o tornou possível”. Mirco conta como ainda tropeça no quotidiano, e não é que agora ele vê a realidade de um andar mais alto. “O pedido que eu tinha antes de tudo isso era um: ser livre. Era o mesmo quando soube a respeito do Giacomo e é o mesmo agora. O fato é que eu vi que o Senhor me pegou no meu limite, me deu o Seu abraço carnal e me disse: Comigo você pode ser livre”.
É como o santinho de Giacomo, um detalhe do Juízo Universal do Beato Angélico, onde um anjo da guarda acolhe no Céu o seu protegido e o abraça como se o esperasse desde sempre, como já agora estão se abraçando.