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EDITORIAL

O outro Chernobyl

Basta ouvir a palavra “relativismo” e o equívoco se instala. Pensa-se logo em uma coisa abstrata, talvez até importante, pois não é à toa que o Papa fale tanto desse assunto. Porém, se formos leais, percebemos a ideia de que se trata de uma questão filosófica, de debate cultural. De um lado, os poucos (como o Papa) que insistem sobre a existência de uma Verdade. Do outro, a maioria que a nega. Com todas as consequências do caso. E com a impressão de que a batalha conduzida pela Igreja é justa nos princípios, mas derrotada nos fatos.
Está errado. Porque o relativismo não é só um pensamento frágil, seguido de uma ética informe. Não diz respeito apenas às grandes questões morais (a vida, os valores), afogadas na ideia de que uma posição tem o mesmo peso que qualquer outra e que as únicas orientações práticas são a técnica e o consenso (será lícito o que formos capazes de fazer, se a maioria estiver de acordo). Tem um aspecto concreto na vida diária, em todos os seus ângulos; aspecto paradoxal e dramático. Se tudo é igual, a consequência não é que tudo tem o mesmo valor: e sim que nada vale a pena. Tudo é feito apressadamente. E na vida – em nossa vida quotidiana: o trabalho, os relacionamentos, a família ... – tudo gera desilusão. Tédio. Às vezes, raiva. Condição na qual nos encontramos com frequência.

O relativismo afeta a todos nós. Cava fundo dentro de nós. Por isso é importante que nós o derrotemos, que encontremos uma arma que permita vencer a guerra no campo da vida quotidiana. Por aí passa a verdadeira contribuição que os cristãos podem dar à vida de todos. Que não é só a defesa – obrigatória – de certos valores que precisam ser tutelados a qualquer custo, mas antes de tudo é o testemunho de algo que nos permita enfrentar sem medo esse “incômodo”, de não ficarmos presos na raiva, de vencermos a desilusão, de darmos à vida um sabor. Novo.
Para fazer isso não bastam ideias, ainda que justas. Não bastam comentários e palavras sobre o relativismo para abatê-lo. Nem mesmo as palavras mais cristãs. Há anos, Dom Giussani introduziu a imagem belíssima e eficaz do “ desastre de Chernobyl” para descrever o que acontece à nossa humanidade: por fora parece intacta, mas dentro está enfraquecida, prostrada, doente, como aconteceu com a radiação espalhada pela célebre central nuclear russa.
Bem, frente a essa tragédia muitas vezes corremos o risco de ver aí outra, filha da mesma redução: uma espécie de Chernobyl no modo de viver o acontecimento cristão. As palavras que o relatam podem estar inalteradas em sua ortodoxia: carisma, fé, experiência... Mas o conteúdo, não. Pode se tornar um invólucro vazio. Feito de categorias e discursos corretos, mas privados da sua característica principal: a de ser real, de algo que acontece em nossas vidas. E “magnetiza toda a nossa humanidade”, como aconteceu a João e André diante de Cristo.

Isso fica bem claro na Página Um deste número. Leiam-na com atenção. Ali está evidente qual é o único antídoto contra essa doença que corrói a existência a partir de dentro: a memória. O acontecer de Cristo em nossa vida, agora. Ao ponto de encantar a nossa humanidade e a consciência que temos de nós mesmos. E alterá-las, se estivermos disponíveis. Mas o próprio testemunho indomável de Bento XVI demonstra que – não por acaso – não se pode reduzir a memória a meras palavras, pois ela própria, antes de tudo, é um fato, uma presença.
Aí se percebe a verdadeira contribuição que nós, cristãos, podemos dar também à vida pública. Onde quer que estejamos. Na cátedra de uma escola ou numa igreja do interior, na intimidade da nossa casa ou na tribuna do Parlamento. Uma presença que faz acontecer a Sua Presença transformadora, o cristianismo como acontecimento. Em 1986, no ano do desastre de Chernobyl, como agora, a batalha é a mesma. E a arma para vencê-la, também.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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