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EDITORIAL

Como artesãos

Não esperávamos pelo que aconteceu nos três dias passados pelo Papa Francisco na Terra Santa. Era uma peregrinação, além do mais recorrente, pelos cinquenta anos do encontro entre Paulo VI e o patriarca Atenágoras e, portanto, voltada para o tema do ecumenismo, da aproximação com os irmãos ortodoxos. Aquele abraço foi histórico e profundo, e vimos seus efeitos através dos anos. Mas, a visita do Santo Padre no final de maio, foi muito mais do que isso.
Palavras e gestos desmontaram as previsões, driblando quem esperava medir cada um dos adjetivos usados para criticar ou instrumentalizar possíveis traços de desequilíbrio para um ou outro lado. Nenhum protesto israelense devido àquela parada imprevista no muro que separa Belém do mundo, nenhuma crítica palestina pela oração junto ao Muro do Pranto ou pela visita à tumba de Theodor Herzl, pai do sionismo. E uma surpresa contínua – visível e declarada – frente àqueles apelos ao essencial. “Diante do mistério de Deus somos todos pobres”. Ou: “Aquela ligação que vem do alto ultrapassa a nossa vontade e permanece íntegra apesar de todas as dificuldades de relacionamento”. Uma surpresa que se transformou em maravilhamento frente ao convite: “Vinde à minha casa para rezarmos pela paz”.
“Será apenas oração, nada mais”, Francisco quis logo esclarecer. Nada de colóquios, nada de mediações. Em suma, nada de política. Mas é difícil imaginar que um gesto como esse não reabra um caminho. Como é “difícil negar que o Papa esteja se tornando o melhor político do mundo”, escreveu o semanário Time.
Os presidentes de Israel e da Palestina, Peres e Abu Mazen, foram mesmo até o Vaticano e se reuniram com Papa Francisco e Bartolomeu I no dia 8 de junho para essa Invocação da Paz.

Claro, é o Papa. Ele está sempre no palco global. Qualquer coisa que diga ou faça, é observada e analisada no microscópio. Mas quanto mais o observamos, mais vem à tona uma pergunta: o que lhe permite ter essa influência? O que o move? Que preocupação carrega? E por que, sem “fazer política”, está dando um choque tão poderoso na história? A resposta está nos seus gestos e nos seus textos, a serem relidos com calma. Talvez partindo daquele do dia 19 de maio, que não pertence à peregrinação, pois é um discurso dirigido aos Bispos italianos pouco antes da viagem. Mas impressiona ver de onde ele parte: com a pergunta que se poderia julgar como a mais óbvia entre púrpuras e prelados, e que, ao invés, nunca é óbvia, nem para o Papa: “Quem é, para mim, Jesus Cristo? Como marcou a verdade da minha história? O que minha vida diz sobre Ele?”.

Tudo começa aí: nessa consciência de Cristo e de si mesmo. E no testemunho que nasce disso (“o que a minha história diz a respeito d’Ele?”). Olhando esse homem, observando-o diante do Muro ou às margens do Jordão, ou de joelhos no Santo Sepulcro, ou quando abraça os seus irmãos de qualquer fé, é possível ver que é movido somente por isso, nada mais. Nenhuma estratégia, nenhum esquema. E olhando-o se entende um pouco mais o que espera de nós, qual é a nossa função. Esse trabalho a ser realizado “dia após dia, como artesãos”. Parece nada, diante de questões grandes e complexas como a política, a crise ou as guerras. E requer tempo, paciência. Por isso muitas vezes buscamos outras estradas: atalhos que abreviam o tempo e migalhas de poder que nos permitem ser “mais concretos”. Ao passo que a estrada – lembrou o Papa na Esplanada das Mesquitas – é uma só. Um caminho “dócil ao chamado de Deus” e “aberto ao que Ele quer construir para nós”. Como “o de Abraão”. Alguém que não tinha a preocupação de mudar a história, mas a mudou.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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