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EDITORIAL

Como no início

Há uma foto que correu o mundo há algumas semanas. A de Aylan, o menino sírio de três anos, que se afogou durante a fuga para o Ocidente e foi encontrado por um policial turco na praia de Bodrum. Impossível olhá-la sem sentir uma pontada no coração. Sem que nasça um grito, das vísceras: por quê? Nós a vimos e revimos enquanto a tragédia de sua família era contada. Discutiu-se muito, na imprensa, se deveriam publicá-la ou não, se era justo transformar um drama em ícone, como outras imagens que marcaram os corações e, portanto, a história. Se teria sido, de algum modo, a origem da onda de humanidade e acolhida que estamos vendo na Europa. E muitas vezes, nestas discussões, surgiu uma pergunta: se isso não nos abala, se um fato como este não nos faz tomarmos consciência de nós e do mundo que queima em nossa volta, o que pode fazê-lo?
Depois, aos poucos, também aquele grito se enfraquece. Inexoravelmente, passa-se para outra coisa. Outras histórias, outros dramas. Outros fatos que devem ser interpretados como “emergência”, palavra tão enfraquecida que já saiu das manchetes dos jornais para se tornar subtítulo, que descreve o assunto de que trata o artigo. Uma “categoria”. Enquanto aquela pergunta permanece intacta. E é a mesma questão que Julián Carrón colocava há alguns dias a um grupo de responsáveis de CL reunidos na Itália: “Não é que falte a realidade. A realidade nos provoca continuamente. Se permanecemos no nosso torpor é porque falta o eu. Então, o que pode despertá-lo?”

No Meeting de Rímini, em agosto, falou-se de muitas dessas emergências. A Síria e o Oriente Médio, o Islã e o diálogo entre as religiões, a Europa, a crise, a educação... Objetivamente, não faltou a realidade. Mas também se discutiu sobre esse questionamento radical. O Papa, em sua mensagem, escreveu: “Diante do torpor da vida, como despertar a consciência?”. Como cultivar aquela “inquietude saudável” que sentimos, aquelas perguntas que todo homem tem no coração, aquela falta que nos adverte “como uma campainha” sermos feitos para coisas grandes, que temos “sede de Deus”?

Não há fórmulas e formas consolidadas a serem propostas, com a garantia de que funcionem sozinhas. O próprio Papa afirma isso quando diz que “para a Igreja abre-se um caminho fascinante, como aconteceu no início do cristianismo”. É uma aventura. Um caminho a ser descoberto, enquanto em volta tudo parece ruir.
Porém, em Rímini, vimos acontecer algo. Nos encontros, no palco e fora dele. Em muitos face a face que causaram curtos-circuitos imprevistos (russos e ucranianos trabalhando juntos em uma exposição, imames e rabinos conversando com um cardeal...). Em alguns rostos que nos marcaram por sua letícia impensável (um deles representa todos: padre Ibrahim Alsabagh, de Aleppo). Em uma miríade de fatos impossíveis de serem construídos em volta de uma mesa. Mas que aconteceram. E exatamente porque impensáveis, mas acontecidos, devem ser olhados até o fundo. Devem ser entendidos em toda sua abrangência para que se tornem etapas daquela estrada cheia de aventura e não histórias belíssimas que terminam em si mesmas.

Um dos protagonistas do Meeting foi Abraão. O início do método de Deus, como foi dito. O momento histórico no qual o Mistério chama o homem a dizer “Tu” e, fazendo-se encontrar, desperta-o, faz emergir toda a sua estatura, suas perguntas, sua sede; porque “sem o Mistério não existe o eu”, como dizia Carrón no encontro sobre este tema. Assim, através de um homem, Deus muda a história. E em Rímini vimos reacontecer isso, de algum modo; em cena aberta e nos bastidores. Vimos momentos daquela aventura, vestígios daquele “caminho fascinante”. E queremos segui-lo.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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