Um coração humano, completo, vivo. As surpreendentes conclusões dos cientistas: “A ciência se rende diante de prodígios inexplicáveis como este, e, rendendo-se, não pode deixar de confirmá-los...”. Carne e sangue. Verdadeira carne e verdadeiro sangue. Pertencem à espécie humana. Eles têm o mesmo grupo sanguíneo: AB. Na carne estão presentes, em partes, o miocárdio, o endocárdio, o nervo vago e, pela espessura relevante do miocárdio, o ventrículo cardíaco esquerdo: trata-se, portanto, da estrutura essencial de um coração completo. No sangue estão presentes as proteínas fracionadas da maneira normal, ou seja, nos percentuais que existem no quadro soro-protéico normal.
Não é um diagnóstico de anatomia, é o resultado das análises feitas em 1970 em duas relíquias eucarísticas conservadas em um cálice e em um ostensório por pelo menos doze séculos na antiga igreja de São Francisco de Lanciano, em Abruzzo (Itália). Mas ao mesmo tempo se trata realmente de anatomia. Odoardo Linoli, diretor dos Hospitais Reunidos de Arezzo, docente de Anatomia, Histologia Patológica e Microscopia Clínica, encarregado de realizar os exames nessas relíquias, custou a acreditar nos seus olhos quando constatou os resultados clínicos. Não havia sombra de dúvida: aquela carne e aquele sangue, mesmo deixados no estado natural, sem nenhum tipo de conservação ou mumificação, durante doze séculos, e expostos às ações de agentes físicos, atmosféricos e biológicos, apresentam as mesmas características de carne e de sangue retirados no mesmo dia de uma pessoa viva!
Nas mãos de um monge não muito firme na sua fé
O milagre eucarístico de Lanciano, que remonta ao século VIII, é o mais antigo dos milagres eucarísticos conhecidos no mundo. Daquela época até hoje, aconteceram vinte e cinco casos em que as sagradas Espécies (hóstia e vinho consagrados) se transformaram em carne e em sangue. Destes vinte e cinco, dez casos foram verificados na Itália, sete na Espanha. Ainda que menos conhecido do que o caso de Bolsena, de 1263 - depois do qual a Igreja instituiu a festa de Corpus Christi - o milagre de Lanciano é de todos o mais completo e é o único que foi submetido a rigorosas análises científicas. A ponto de ter até gerado o interesse do Conselho Superior da Organização Mundial da Saúde, que nomeou uma comissão específica para verificar as conclusões do médico de Arezzo. Os trabalhos duraram quinze meses, num total de quinhentos exames, e foram publicados em 1976 em Nova York e em Genebra. As análises, que confirmaram e ampliaram as primeiras conclusões, foram repetidas em 1980.
Como em Bolsena, o milagre aconteceu nas mãos de um sacerdote que durante a celebração da missa duvidava da presença real de Jesus Cristo na eucaristia.
O relato do que aconteceu está registrado em um documento de 1631: “Nesta cidade de Lanciano, por volta do ano 750 de Nosso Senhor, encontrou-se, no mosteiro de São Legonziano, onde moravam monges de São Basílio, hoje chamado mosteiro de São Francisco, um monge, que, não muito firme na fé, instruído nas ciências do mundo mas ignorante nas de Deus, ia dia após dia duvidando de que na hóstia consagrada estivesse o verdadeiro corpo de Cristo, e também de que no vinho estivesse o Seu verdadeiro sangue. Todavia, não abandonado pela divina graça da contínua oração, rogava constantemente a Deus que lhe tirasse do coração esta chaga que lhe ia envenenando a alma. Foi quando o benigno Deus, Pai de misericórdia e de toda a nossa consolação, compadeceu-se de tirá-lo de trevas tão obscuras, concedendo-lhe a mesma graça que já havia acontecido ao apóstolo Tomé”. Conta ainda o anônimo autor desse escrito: “Certa manhã, em meio ao seu sacrifício [da Missa], após ter proferido as santíssimas palavras da consagração, no momento em que mais do que nunca se encontrava mergulhado no seu erro antigo, ele viu o pão em carne e o vinho em sangue convertidos. Por tão estupendo milagre, encheu-se de temor e confusão; mas, finalmente, tendo o medo cedido à satisfação espiritual. que lhe enchia os olhos e a alma, com o olhar alegre, ainda que coberto de lágrimas, voltando-se para os que lhe cercavam, disse: “Ó felizes assistentes, aos quais o Bendito Deus, para confundir a minha incredulidade, quis revelar-se neste Santíssimo Sacramento e tornar-se visível aos vossos olhos: vinde, irmãos, e fitai o nosso Deus que se fez próximo de nós. Eis a carne e o sangue do nosso diletíssimo Jesus”.
Não são conhecidos nem o nome nem os dados de registro do monge. Sabemos somente que pertencia a um modesto núcleo de monges orientais basilianos que desembarcaram em Lanciano como refugiados, após o aumento de fluxo migratório de monges orientais para a Itália, no tempo do imperador Leão III, sob o qual, a partir do ano de 726, desencadeou-se com violência a luta iconoclasta - a luta contra o culto das imagens sagradas - que levou muitos monges do Oriente ao exílio. O povo de Lanciano, a título de hospitalidade, confiou a esses monges a igrejinha de São Legonziano, onde, durante a celebração da eucaristia em rito latino (de fato, o monge usava, como os latinos, uma hóstia grande de forma redonda, e não, como os gregos, uma hóstia quadrada, de pão fermentado) aconteceu o milagre. O documento de 1631, que evoca os fatos que aconteceram, é o mais antigo documento que restou sobre o milagre. Um antiquíssimo códice escrito em pergaminho, em grego e latim, que continha todo o relato, se perdeu durante o século XVI.
A conservação das relíquias
Os monges basilianos cuidaram das preciosas relíquias até 1176, quando tomaram seu lugar os Beneditinos. Em 1252, como em muitos outros mosteiros na Itália, o lugar dos Beneditinos foi tomado pelos Franciscanos conventuais, que são até hoje os guardiães das relíquias. Os frades franciscanos construíram um novo santuário sobre a antiga igrejinha de São Legonziano, no qual, desde 1258, repousam as relíquias eucarísticas. O milagre foi colocado em primeiro lugar em uma capela ao lado do altar maior e, desde 1902, está guardado atrás do tabernáculo do altar monumental, erigido pelos habitantes de Lanciano no centro do presbitério. A hóstia, transformada em carne, como hoje se pode observar, conservada em um ostensório de prata, tem o tamanho da hóstia grande atualmente usada na Igreja latina. É levemente escurecida e se torna toda rósea se observada em transparência. O vinho transformado em sangue, contido em um cálice de cristal, está coagulado em cinco glóbulos de diferentes tamanhos.
No decorrer dos séculos, as relíquias foram objeto de grande devoção por parte do povo. Em certas circunstâncias elas eram levadas em procissão pelas ruas da cidade. Foram submetidas a quatro reconhecimentos eclesiásticos: em 1574, em 1637, em 1770 e em 1886. No primeiro destes reconhecimentos aconteceu um fenômeno extraordinário. O testemunho é relatado em uma epígrafe ainda hoje visível na capela à direita da nave principal, onde, durante três séculos, tinham sido guardados a carne e o sangue, em uma custódia de ferro batido. Na epígrafe está escrito: “A carne está ainda inteira e o sangue dividido em cinco partes desiguais que pesam o mesmo, tanto quando estão todas unidas quanto cada uma separadamente”. Que havia acontecido? Durante aquele reconhecimento, feito logo depois do Concílio de Trento - que, ao contrário do IV Concílio Lateranense, de 1215, mostrara-se mais tolerante com aqueles que tivessem feito propaganda de relíquias antigas -, o arcebispo Rodriguez quis pesar diante das autoridades presentes o sangue coagulado, e constatou, com admiração de todos, que o peso total dos cinco glóbulos de sangue equivalia exatamente ao peso de cada um deles.
Uma vez mais, onze anos depois do fechamento do Concílio de Trento, onde houvera grande polêmica sobre a questão da transubstanciação, Jesus quis, através do peso igual dos cinco coágulos de sangue de Lanciano, dar um novo sinal da Sua presença real no mistério eucarístico: em cada gota de vinho e em cada pedacinho de hóstia consagrados está presente todo o Seu corpo e o Seu sangue.
Mas as “surpresas” sobre o milagre eucarístico de Lanciano não terminam aqui. Após o Concílio Vaticano II, os franciscanos, para eliminar definitivamente qualquer dúvida, decidiram que já havia chegado o momento de submeter as relíquias ao exame da ciência moderna. Assim, em 1970, confiaram-nas a um dos mais reconhecidos docentes de Anatomia. O professor Odoardo Linoli e a sua equipe iniciaram os exames em novembro daquele ano. O relatório conclusivo foi redigido em março de 1971. Os resultados foram surpreendentes.
Aqueles fragmentos escuros tirados de um antigo ostensório revelaram-se não somente como tecido orgânico humano mas, pelos seus componentes miocárdicos, endocárdicos, vasculares, hemáticos e nervosos, estabeleceu-se que se tratava de um coração, um coração completo. Tanto que, analisando também o seu aspecto morfológico, nota-se que a hóstia-carne é caracterizada por uma ampla cavidade central. Os estudiosos concordam em considerar que esta cavidade se deve justamente à contração do músculo cardíaco. Em volta da hóstia-carne observaram-se também minúsculos furos feitos pela passagem de pregos. Isto se explica pelo fato de que o coração, sendo um músculo, sofreu a contração do rigor mortis, que acontece normalmente no coração do cadáver humano. Este rigor mortis fazia com que o coração se fechasse e, por isso, os monges antigos, testemunhas do milagre, o esticaram e o fixaram com pregos em uma mesinha de madeira. Desta forma, o coração, que tinha de se contrair de alguma forma, para qualquer direção, não podendo se fechar para o centro, retraiu-se para a periferia. De tudo isto resulta que o coração que apareceu milagrosamente em um dia longínquo do século VIII, no altar de uma pequena igreja, estava em estado vivo e, como tal, submeteu-se à rigidez cadavérica.
Além disso, os exames feitos nos fragmentos de cor amarelo-marrom contidos em um cálice não lacrado demonstraram a sua natureza hemática, como pertencente ao hemo-grupo AB, idêntico ao do tecido cardíaco. Revelaram, também, a presença dos minerais que normalmente se encontram no sangue humano, excluindo a possibilidade de qualquer técnica de conservação. E não só isto. Aquela carne e aquele sangue estão vivos. Com efeito, realizou-se naquele sangue uma eletroforese, que permite fracionar as proteínas no soro fresco, mas que não pode ser praticada em uma amostra de sangue de três ou quatro dias, pois forneceria resultados anômalos. O traçado eletroforético do sangue de Lanciano tinha um perfil normal, estando presentes todas as frações protéicas e na quantidade própria dos indivíduos sãos.
Aquele tecido orgânico e aquele sangue tinham, portanto, correspondido a todas as reações clínicas próprias dos seres vivos.
“Eu jamais poderia acreditar que fosse ver naqueles fragmentos orgânicos de doze séculos atrás o que vi”, afirma o professor Linoli. “A ciência se rende diante de prodígios inexplicáveis como este, e, rendendo-se, não pode deixar de confirmá-los...”
Tão logo concluiu as pesquisas, enviou um brevíssimo telegrama aos Franciscanos: “In principio erat Verbum et Verbum Caro factum est”.
(extraído da revista italiana 30Giorni, de fevereiro de 1997)
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