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OS FATOS

“Virgindade, verdadeira relação pessoal com Cristo”

por Luca Fiore
21/06/2012 - No início de junho, o Papa evocou as palavras do Patrono de Milão durante a sua visita à cidade. Padre Francesco, da Biblioteca Ambrosiana, explica a gênese do “De Virginitate”. E por que a vida consagrada gera uma vida nova. E vale para todos
Uma representação do Patrono de Milão (séc. XVII)
Uma representação do Patrono de Milão (séc. XVII)

As boas famílias cristãs de Milão temiam por suas filhas. Por isso mantinham-nas em casa: melhor não deixá-las ir ouvir Ambrósio, pois havia o risco de terminarem todas no convento, tal era o fascínio exercido pelas palavras do pregador. Isso metia medo nos pais. É o próprio bispo quem conta.
Não apenas Agostinho, mas muitos jovens milaneses decidiram dedicar toda a vida a Cristo: ligados “não pelos nós de uma corda, mas pelos vínculos do amor e pelo afeto da alma”, como lembrou Bento XVI durante a visita a Milão, citando o De Virginitate, um texto do patrono dedicado à vida consagrada.
A imponência das palavras de Ambrósio e seu poder de persuasão não se ofuscaram com o passar dos séculos. Parecem ter sido escritas ontem. E tanto naquela época como agora são dirigidas a todos: consagrados ou não. Porque o que está em jogo, em ambos os casos, é a relação pessoal com Cristo.
Quem explica é o padre Francesco Braschi, doutor da Biblioteca Ambrosiana e especialista em Santo Ambrósio.

O Papa, durante a homilia pronunciada na Catedral, citou o De Virginitate. Como é esse texto? E foi escrito em qual circunstância?
O De Virginitate é um texto que faz parte da coleção de textos ambrosianos sobre o tema da virgindade e da viuvez. São textos pronunciados sobretudo durante as homilias e depois reelaborados em forma escrita, geralmente pelo próprio Ambrósio. Esse, em particular, foi publicado por volta do ano 390. No século IV muitos Padres da Igreja escreveram sobre esses temas, porque naquele período se assiste, por diversas razões, a uma procura muito grande da virgindade, tanto feminina quanto masculina.

Qual a razão desse “boom”?
Um dos motivos, ao qual o Papa fez menção, em Milão, é que naquele tempo a escolha da virgindade consagrada era uma forma de promoção da mulher. Pela legislação, inclusive civil, da época tardo-antiga, à mulher não era dada nenhuma possibilidade de escolha. Menos ainda do que na anterior época romana, onde pelo menos as matronas e as nobres podiam ter alguma margem de escolha na hora de decidir com quem casar. No século IV o casamento era combinado entre as famílias de origem, e a mulher não tinha como escapar dessa decisão. Com a virgindade consagrada, a Igreja criou um estado de vida que, pela primeira vez, permitia à mulher escolher, ser protagonista na escolha de um estilo de vida. E a Igreja oferecia a essa escolha toda a tutela que vinha do fato de ser reconhecida e apoiada. Nos tempos de Ambrósio, a escolha da virgindade era, geralmente, a única verdadeira possibilidade que dava à mulher voz ativa no capítulo sobre o seu próprio destino.

Que impacto esses textos tinham sobre os contemporâneos?
É o próprio Ambrósio quem conta que as famílias, muito embora cristãs, não permitiam que suas filhas fossem ouvir as pregações dele, por medo de que essas filhas decidissem todas tornarem-se virgens. Havia uma transmissão de entusiasmo, havia uma capacidade de mostrar a beleza dessa consagração, onde justamente a motivação fundamental era a atração de Cristo. Não é por acaso que essas homilias eram costuradas com citações do Cântico dos Cânticos: a alma é a esposa, e Cristo é o esposo. Aqui Ambrósio não inventa tudo: ele retoma uma tradição que remonta aos Padres gregos: Orígenes, Basílio, Gregório Nazianzeno; mas ele foi capaz de transmiti-la valorizando a virgindade no seio das outras vocações cristãs. Porque Ambrósio, a certa altura, afirma: “Alguém dirá: então tu desaconselhas as núpcias? Não. Eu as aconselho e condeno os que costumam desaconselhá-las, pois costumo considerar os casamentos de Sara, de Rebeca, de Raquel e das demais antigas mulheres, como exemplos de virtudes extraordinárias. De fato, quem condena o vínculo matrimonial condena também os filhos e condena a sociedade humana que sobrevive graças ao suceder-se ininterrupto das gerações. Portanto, não desaconselho o matrimônio quando elenco os valores da virgindade. Ela é um dom reservado a poucas; aquele é para todas. Nem poderia existir virgindade se não existisse o casamento, do qual ela nasce. Comparo coisas boas com outras coisas boas, para que fique mais facilmente evidente o que é melhor”.

Esse texto era dirigido só às virgens consagradas?
Não. Trata-se de uma coleção de homilias sobre o tema da virgindade pregadas, em grande parte, durante as celebrações litúrgicas em que estava presente todo o povo de Deus. Ambrósio falava a todos os cristãos. Ele, de fato, entende a virgindade como relação pessoal com Cristo, que se torna o centro da vida. E esse é o tipo de relação que ele propõe a todos os fiéis, inclusive aos casados. Mas há também um outro aspecto muito interessante: para Ambrósio, a virgindade consagrada permite antecipar o destino último do homem.

Em que sentido?
Ele diz: “Vós, virgens consagradas, já sois como os anjos nesta terra”. Não no sentido de que a vida delas foi subtraída à realidade concreta, mas porque testemunham já agora que o destino do homem decide-se por sua referência a Cristo. No comentário ao Evangelho de Lucas, que é o outro texto citado pelo Papa, ele vai além. Nessas homilias, também elas pronunciadas diante de todo o povo, Ambrósio fala da “geração de Cristo”. Comentando o Magnificat, diz: “Vê-se bem que Maria não duvidou, mas acreditou, e por isso obteve o fruto da sua fé. Bem-aventurada és tu, que acreditaste (Lc 1,47). Mas bem-aventurados também sois vós, que ouvistes e acreditastes: de fato, toda alma que crê concebe e gera o Verbo de Deus, e compreende as suas obras. Haja em cada um a alma de Maria para glorificar o Senhor, haja em cada um o espírito de Maria para exultar em Deus; se, de fato, segundo a carne, uma só é a mãe de Cristo, segundo a fé todas as almas geram Cristo; de fato, cada uma acolhe em si o Verbo de Deus, desde que, mantendo-se sem mancha e livre do pecado, guarde com perseverante pudor a pureza da vida”. (Expos. Evangelii sec. Lucam, II, 26-27). Daí compreendemos que o valor exemplar da virgindade consagrada está em mostrar a fecundidade que está presente na virgindade; mas essa virgindade é proposta a todos os crentes. Conceber e gerar o Verbo de Deus significa repropor na própria vida os gestos e as palavras de Cristo. É o acontecer de novo da presença de Cristo no seio da Sua Igreja.

É a imitação de Cristo?
Sim, é a conformação a Cristo, visto como o sentido de toda a caminhada da fé por parte do cristão, de todos os cristãos. A virgindade é um estado que existe na Igreja e que tem como sua especificidade a dedicação total. Por outro lado, porém, o valor exemplar está no fato de recordar a todo cristão que a sua caminhada de fé é verdadeira quando gera uma vida nova.

A virgindade consagrada é uma invenção cristã?
O mundo latino conhecia a instituição das virgens vestais, mas Ambrósio não aceita que sejam vistas como uma antecipação da virgindade consagrada. Segundo ele, a virgindade consagrada nasce de Cristo virgem e de Maria virgem. Não é a retomada de algo que sociologicamente já existia no mundo antigo. Aliás, ele lembra que as vestais eram poucas, viviam na abundância, eram moças de famílias nobres que por um tempo determinado eram chamadas a permanecer virgens. Ele diz: isso não tem nada a ver com as virgens cristãs, que oferecem toda a vida ao serviço não de um fogo sagrado, mas do Cristo presente. A consagração delas é uma escolha voluntária, coisa que não se pode dizer das vestais; e para as virgens cristãs a única recompensa é uma experiência de verdadeira intimidade com Cristo na fé.

Ambrósio também era celibatário. Quanto esse fato influiu no pensamento dele?
Ambrósio falava de uma experiência pessoal. Ambrósio era virgem, seu irmão Sátiro também, e a irmã Marcelina, mais velha, era uma virgem consagrada que havia recebido do Papa Libério o véu virginal, em Roma. Podemos dizer que Ambrósio vivia essa experiência positiva desde a adolescência, em sua família. Quando fala da irmã Marcelina, que vivia com outras companheiras virgens na casa da família, fala de uma experiência que para ele foi profundamente humana. E, para dizer tudo, contribuiu para o crescimento da personalidade de Ambrósio, que era extremamente mais harmônica do que, por exemplo, a do atormentado Agostinho. Para Ambrósio, a virgindade era uma escolha profundamente humana e profundamente convincente. Que nada retirava das virtudes humanas que também faziam parte da sua bagagem cultural. Ao contrário.

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