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OS FATOS

A atração do Cardeal

por Silvina Premat
25/04/2013 - Texto retirado da edição de Tracce, junho de 2001
A apresentação do livro, em 2001.
A apresentação do livro, em 2001.


Em 2001, na Feira do Livro de Buenos Aires, a maior da América do Sul, o então primaz argentino, Cardeal Jorge Bergoglio, apresentou a edição espanhola do livro de Luigi Giussani: “L’attrattiva Gesù” (A atração de Jesus). “O lugar do encontro é a carícia da misericórdia de Jesus Cristo no meu pecado”


O arcebispo de Buenos Aires, recentemente nomeado cardeal, Dom Jorge Mario Bergoglio, apresentou El atractivo de Jesucristo, publicado pela editora Encuentro, na Feira Internacional de Buenos Aires, intitulada “O livro: do autor ao leitor”. Essa exposição é a maior da América Latina. Durante vinte dias, um milhão de pessoas visita – em 25 mil metros quadrados – os estandes de mais de 1.300 expositores (editoras, livrarias, fundações, embaixadas e regiões). Procuram conhecer um escritor de fama internacional, ouvir conferências sobre um tema de atualidade ou encontrar uma oferta interessante.
O cardeal Bergoglio apresentou o livro de Giussani numa das maiores salas que, surpreendentemente, se mostrou pequena. Foram removidas várias filas de cadeiras para abrir espaço – pelo menos em pé – para todos os presentes.
Era a primeira vez que o arcebispo de Buenos Aires e primaz da Argentina participava da Feira do Livro como conferencista e a segunda na qual assumiu a apresentação de um livro de Luigi Giussani. Em 1999, apresentou O senso religioso e, assim como aconteceu naquela ocasião, Bergoglio ajudou os presentes a reconhecer na própria história o valor existencial daqueles textos. Ele disse: “Aceitei apresentar este livro de Dom Giussani por duas razões. A primeira, mais pessoal, é o bem que nos últimos dez anos esse homem fez a mim, à minha vida de sacerdote, através da leitura dos seus livros e dos seus artigos. A segunda razão é que estou convencido de que o seu pensamento é profundamente humano e chega ao mais íntimo do anseio humano”.
Honrando o seu estilo, o cardeal foi muito breve e claro em sua apresentação. A racionalidade do Mistério; o pecado e o perdão como lugar privilegiado do encontro; uma misericórdia imprevisível; um Deus que conosco faz o “jogo da antecipação” e que acaricia o nosso pecado. Em 35 minutos apresentou os momentos mais importantes dos diálogos de El atractivo de Jesucristo e comparou algumas afirmações de Dom Giussani com as de santa Teresa de Lisieux e de santo Agostinho.
O público era muito variado. Estavam presentes muitos colegas e conhecidos dos nossos amigos de Comunhão e Libertação, assim como outros que seguem o cardeal e respeitados teólogos e filósofos. Ao final, “como um pai que nos ajuda a ser filhos do Pai, filhos da Igreja e também a ser filhos das testemunhas que o Senhor coloca em nosso caminho, como Dom Giussani” – segundo as palavras conclusivas do pe. Mario Peretti –, o cardeal Bergoglio conversou atentamente com cada um que se dele aproximou.
Ali, na Feira do Livro, no mesmo lugar onde os intelectuais dizem aos jovens que não sabem qual é o caminho a seguir, mais de quinhentas pessoas ouviram alguém que afirmava com certeza qual “o caminho que nos leva ao que é mais adequado a nós, nos introduz no Mistério, nos faz entrar no Mistério”.
Dom Giussani agradeceu ao cardeal Bergoglio por meio de um telegrama – lido por Martín Sisto no início do encontro –, porque a sua presença “nos faz sentir a proximidade do Papa e de toda a Igreja, nossa Mãe – escreve Giussani –, pela qual fomos chamados à existência e escolhidos para engrossar as fileiras do povo cristão por causa da atração de Jesus, o homem-Deus que veio até nós e nos convenceu. De modo que O seguimos, com todos os nossos limites e com todos os nossos ímpetos, oferecendo alegremente tudo a Ele, na simplicidade do coração. O sr. é mestre e pai, Eminência, como ouço dos meus amigos de Buenos Aires; gratos pela tua presença e obedientes como a Jesus. Seja-me permitido agradecer a todos os que estão presentes, sinal importante, para mim, de estima para com Aquele que, através da fragilidade das nossas pessoas, se torna visível, audível e palpável no mundo”.

***

Propomos alguns trechos do discurso de Sua Eminência o cardeal Jorge Mario Bergoglio durante a apresentação do livro. 27 de abril de 2001.

Aceitei apresentar este livro de Dom Giussani por duas razões. A primeira, mais pessoal, é o bem que nos últimos dez anos esse homem fez a mim, à minha vida de sacerdote, através da leitura dos seus livros e dos seus artigos. A segunda razão é que estou convencido de que o seu pensamento é profundamente humano e chega ao mais íntimo do anseio humano. Ousaria dizer que se trata da fenomenologia mais profunda e, ao mesmo tempo, mais compreensível da saudade como fato transcendental. Há uma fenomenologia da saudade, o nóstos algos, o sentir-se chamado de volta para casa, a experiência de sentir-se atraído pelo que é mais próprio, que é mais conforme ao nosso ser. No contexto das reflexões de Dom Giussani encontramos pinceladas de uma real fenomenologia da saudade.
O livro que hoje é apresentado, El atractivo de Jesucristo, não é um tratado de teologia, é um diálogo amigo; são conversações à mesa de Dom Giussani com os seus discípulos. Não é um livro para intelectuais, mas para quem é homem ou mulher. É a descrição daquela experiência inicial, à qual me referirei adiante, da admiração que vem à tona dialogando sobre a experiência quotidiana provocada, fascinada com a presença e o olhar excepcionalmente humano e divino de Jesus. É o relato de uma relação pessoal, intensa, misteriosa e, ao mesmo tempo, concreta, de um afeto apaixonado e inteligente pela pessoa de Jesus, e isso permite a Dom Giussani chegar como que na soleira do Mistério, de se tornar íntimo do Mistério.
Tudo em nossa vida, hoje como no tempo de Jesus, começa com um encontro. O encontro com esse homem, o carpinteiro de Nazaré, um homem como todos e, ao mesmo tempo, diferente. Os primeiros – João, André, Simão – se descobrem olhados em profundidade, lidos em seu íntimo, e neles gerou-se uma surpresa, uma admiração que, imediatamente, os fazia se sentirem ligados a Ele, que os fazia se sentirem diferentes.
Quando Jesus pergunta a Pedro “Tu me amas?”, aquele “sim” não era o resultado de uma força de vontade, não era o resultado de uma “decisão” do jovem Simão: era a emergência, o vir à tona de todo um fio de ternura e de adesão que se explicava pela estima que sentia por Ele – por isso é um ato de razão – foi um ato racional, “por isso não podia deixar de dizer sim”.
Não se pode entender essa dinâmica do encontro que suscita admiração e a adesão a não ser que ela tenha sido disparada – perdoem-me a palavra – pelo gatilho da misericórdia. Só quem encontrou a misericórdia, que foi acariciado pela ternura da misericórdia, se dá bem com o Senhor. Peço aos teólogos presentes que não me denunciem ao Santo Ofício nem à Inquisição, porém forçando o argumento ousaria dizer que o lugar privilegiado do encontro é a carícia da misericórdia de Jesus Cristo sobre o meu pecado.
Frente a esse abraço de misericórdia – e continuo seguindo as linhas do pensamento de Giussani – temos mesmo a vontade de responder, de mudar, de corresponder, surge uma moralidade nova. Colocamos-nos o problema ético, uma ética que nasce do encontro, desse encontro que descrevemos até agora. A moral cristã não é o esforço titânico, voluntarista, o esforço de quem decide ser coerente e consegue, um desafio solitário frente ao mundo. Não. A moral cristã é simplesmente uma resposta. É a resposta comovida frente a uma misericórdia surpreendente, imprevisível, “injusta”, com critérios puramente humanos, de alguém que me conhece, conhece as minhas traições e assim mesmo me quer bem, me ama, me abraça, me chama de novo, confia em mim e me espera. Por isso a concepção cristã da moral é uma revolução, não é um jamais cair, mas um levantar-se sempre.
Como vemos, essa concepção cristãmente autêntica da moral que Giussani apresenta não tem nada a ver com os quietismos espiritualóides dos quais estão repletas as prateleiras dos supermercados religiosos, hoje em dia. Enganos. Nem com o pelagianismo tão em moda, em suas diversas e sofisticadas manifestações. O pelagianismo, no fundo, é reeditar a torre de Babel. Os quietismos espiritualoides são esforços de prece ou de espiritualidade imanente, que nunca saem de si mesmos.
Jesus nós o encontramos, tal como dois mil anos atrás, numa presença humana, a Igreja, a companhia dos que Ele aproxima de si, o Seu corpo, o sinal e o sacramento da Sua presença. Lendo esse livro, a gente fica estupefato e cheio de admiração diante de uma relação tão pessoal e profunda com Jesus, e até nos parece muito difícil de acontecer. Quando dizem a Dom Giussani: “Que coragem é preciso ter para dizer sim a Cristo!”, ou “Nasce em mim esta objeção: vemos que Dom Giussani ama Jesus, mas eu não O amo do mesmo modo”, ele responde: “Por que vocês opõem o que você não têm ao que eu teria? Eu tenho esse sim e basta, e a você não custaria nem uma vírgula a mais do que custa a mim... Dizer sim a Jesus. Mesmo que eu previsse que amanhã iria ofendê-lo mil vezes, eu o digo”.
Quase textualmente, Teresa de Lisieux repete a mesma coisa: “Eu digo, porque se não dissesse sim a Jesus, não poderia dizer sim às estrelas do céu ou aos cabelos, aos vossos cabelos...”. Não há nada mais simples: “Eu não sei como é, não sei como é: mas sei que preciso dizer sim. Não posso não dizê-lo”. E racionalmente, isto é, a todo momento Giussani, na reflexão desse livro, recorre à racionalidade da experiência.
Trata-se de começar a tratar Jesus por “você”, a dizê-lo com frequência. É impossível desejá-Lo sem invocá-Lo. E se alguém começa a invocá-Lo, então começa a mudar. Por outro lado, se alguém o invoca, é porque, no profundo do seu ser, se sente atraído, chamado, olhado, aguardado. A experiência de Agostinho: lá no fundo do ser alguma coisa me atrai para Alguém que me procurou primeiro, que me está esperando primeiro, é a flor da amendoeira dos profetas, a primeira que floresce na primavera. Essa é uma qualidade de Deus, que me permitirei definir com uma palavra de Buenos Aires: Deus, Jesus Cristo, neste caso, sempre nos “primerea”, se antecipa a nós. Quando chegamos, Ele já estava lá nos esperando.
Quem encontra Jesus Cristo sente o impulso de testemunhá-Lo ou de dar testemunho do que encontrou, e essa é a vocação cristã: ir e dar testemunho. Não podemos convencer ninguém. O encontro acontece. Que Deus existe a gente pode provar; porém, através da via do convencimento jamais poderemos conseguir que alguém encontre Deus. Isso é pura graça. Pura graça. Na história, desde quando começou até hoje, sempre a graça vem primeiro, sempre a graça vem primeiro, depois vem todo o resto.

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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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