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OS FATOS

A diversidade daquele "pequeno rebanho"

por Luca Fiore
03/05/2016 - O vigário apostólico de Aleppo Dom Abou Khazen hóspede do Centro Cultural de Milão. A abertura dos cristãos, a convivência com os muçulmanos e as reações aos recentes gestos do Papa Francisco. O relato do evento
Dom Georges Abou Khazen.
Dom Georges Abou Khazen.

Terça-feira, dia 26 de abril, entrando no auditório Giorgio Gaber, em Milão, Dom Georges Abou Khazen, vigário apostólico de Aleppo, encontrou à sua espera um rosto amigo. Era o regente do coral da paróquia latina de Aleppo, um dos muitos sírios que encontraram abrigo na capital lombarda. E o Bispo, hóspede do Centro cultural de Milão para um encontro patrocinado pela Região Lombardia e pela Arquidiocese, faz sua estreia exprimindo a própria gratidão pela ajuda e a acolhida dos italianos. Rafael Cattaneo, presidente do Conselho regional, em sua saudação sublinha a importância da tragédia síria para se aprender, no Ocidente, a viver a acolhida em uma sociedade plural, na qual precisa acertar as contas com as diversidades. Fazendo-lhe eco, Dom Luca Bressan, vigário da Diocese para a cultura e a ação social, diz que também precisamos aprender, como cristãos, a conservar a própria fé em um contexto não mais cristão. E o testemunho do Bispo sírio foi de verdade uma lição em ambas as frentes.

O jornalista Giorgio Paolucci introduz Abou Khazen traçando o retrato da Síria de hoje: cinco anos de guerra, 300 mil mortos, 20 mil pessoas desaparecidas, 4,6 milhões de refugiados no exterior. Neste contexto está Aleppo, cidade mártir, a “Sarajevo do século XXI”. O relato do Bispo parte do rompimento da trégua ocorrido no fim de semana: depois de dois meses de calma substancial (“os moradores de Aleppo começaram a dizer aos que tinham fugido para que voltassem”), nos últimos dias houve ao menos vinte mortos. Abou Khazen elenca as chagas das pessoas de Aleppo: o trauma de assistir a mortes violentas, a falta de água, de eletricidade, o custo de vida, o desemprego.

Em outras ocasiões já havia contado quanto a comunidade cristã mudou (“perdemos em termos de números, mas ganhamos em profundidade da experiência”) ou como o pluralismo religioso sírio de formal se tornou, ao menos nas regiões controladas pelo Governo de Damasco, substancial: “Os muçulmanos tiveram que fugir de seus bairros e vieram aos bairros cristãos, agora convivemos olhando-nos na cara. (“Conhecemo-nos de perto”). E é esta a grande novidade que aparece em cena na Síria como efeito "colateral" da guerra: “Os muçulmanos viram o rosto caridoso da comunidade cristã. Reconhecem em nós uma diversidade, uma abertura que nunca antes tinham encontrado”. Sim, porque a ajuda dos cristãos é dirigida a todos os habitantes de Aleppo. A obra mais imponente é a distribuição de refeições por parte do Jesuit Refugee Service que não só ajuda cristãos e muçulmanos, mas colabora com voluntários e benfeitores islâmicos. “Acontece que, vendo algum cristão abandonar a cidade, os muçulmanos digam: “Não nos deixem sós!”. Os cristãos, explica o Bispo, tornaram-se o elo de ligação na fragmentada realidade de Aleppo e da Síria.

Paolucci insiste perguntando qual foi, na Síria, a reação ao gesto de papa Francisco de acolher três famílias de muçulmanos no Vaticano. “Foi muito apreciado por parte dos muçulmanos. Reforçou a posição dos cristãos. Mostrou a abertura de que somos capazes”. E que lição pode ser para nós europeus a experiência de convivência de vocês?, pergunta o jornalista. “Para nós, ao longo dos séculos, não foi sempre fácil viver juntos. Houve outros períodos de perseguição no passado”, explica Abou Khazen: “Mas devemos ter paciência. Deus nos criou irmãos, Ele encontrará o modo. Isto vale também para vocês. Mas não tenham medo de apresentar-se por aquilo que são, de pedir que sejam respeitadas as regras da sua sociedade”.
O Bispo não poupa nem uns juízos políticos sobre o papel das potências estrangeiras. A Europa? “Esperávamos uma atitude mais independente em relação a outras potências [os EUA]”. A Rússia? “Desde quando interveio, o Isis perdeu um quarto do seu território. O papel de Moscou foi sobretudo o de forçar as partes à negociação: seja em Genebra, seja no território onde diversas aldeias rejeitam a presença dos islamistas e pedem a reconciliação com Damasco (às vezes espontaneamente, às vezes sob a ameaça de bombardeio dos russos)”. O embargo? “Além do mais, impede aos sírios do exterior enviar ajudas. É quase um crime, que aumenta a miséria do povo”.

Mas não é uma novidade que a política e os Estados si comportem da forma que não deveriam. A novidade é aquele pequeno rebanho, assim o chama o Bispo, que entra no sexto ano de guerra sem medo de falar de perdão, mesmo para os terroristas do Isis: “Não todos, mas ao menos oitenta por cento diz que reza pela conversão deles”. É a reviravolta das lógicas humanas. Do mesmo modo como ocorre acerca da leitura que Abou Khazen faz do encontro em Cuba entre o Papa Francisco e o patriarca de Moscou Kirill: “Talvez com o nosso sofrimento contribuímos, sem sabê-lo, para a reaproximação das Igrejas”. Ou então a admiração do próprio Bispo ao observar um crescente interesse pela comunidade cristã que o leva a dizer à plateia dos milaneses: “Peço-lhes que orem por nós, a fim de que possamos refletir o verdadeiro rosto de Cristo, de modo que os outros possam ver por meio de nós aquilo que estão buscando verdadeiramente”.

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