Senhores Cardeais,
Magnífico Reitor, ilustres Docentes,
Distintos representantes do pessoal,
Caros estudantes!
Estou muito feliz de poder ter este encontro com vós que formais a grande família da Universidade Católica do Sagrado Coração, nascida há noventa anos sob a iniciativa do Instituto Giuseppe Toniolo de Estudos Superiores, entidade fundadora e garantidora do Ateneu, pela feliz intuição de Padre Agostino Gemelli. Agradeço ao Cardeal Tettamanzi e ao Prof. Ornaghi, pelas calorosas palavras que me dirigiram em nome de todos.
O nosso tempo é um tempo de grandes e rápidas transformações, que se refletem também sobre a vida universitária: a cultura humanista parece atingida por um progressivo desgaste, enquanto se acentua o valor das disciplinas ditas “produtivas”, de âmbito tecnológico e econômico; esbarramos com a tendência a reduzir o horizonte humano ao nível daquilo que é mensurável, a eliminar do saber sistemático e crítico a questão fundamental sobre o sentido. A cultura contemporânea, por isso, tende a confinar a religião fora dos espaços da racionalidade: na medida em que as ciências empíricas monopolizam os territórios da razão, não parece haver mais espaço para as razões do crer, de forma que a dimensão religiosa é relegada à esfera da opinião e do privado. Neste contexto, as motivações e as características mesmas da instituição universitária são radicalmente questionadas.
Noventa anos depois de sua fundação, a Universidade Católica do Sagrado Coração se encontra vivendo esta virada histórica, na qual é importante consolidar e incrementar as razões pelas quais nasceu, levando àquela conotação eclesial que é evidenciada pelo adjetivo “católica”; a Igreja, de fato, “especialista em humanidade”, é promotora de humanismo autêntico. Emerge, nesta perspectiva, a vocação original da Universidade, nascida da busca pela verdade, de toda a verdade, de toda a verdade do nosso ser. E com a sua obediência à verdade e às exigências do seu conhecimento ela se torna escola de humanitas na qual se cultiva um saber vital, se forjam personalidades fortes e se transmitem conhecimentos e competências de valor. A perspectiva cristã, como quadro do trabalho intelectual da Universidade, não se contrapõe ao saber científico e às conquistas da engenhosidade humana, mas, pelo contrário, a fé alarga o horizonte do nosso pensamento, é caminho para a verdade plena, guia de autêntico desenvolvimento. Sem orientação para a verdade, sem uma postura de procura humilde e audaz, toda cultura se desfaz, decai no relativismo e se perde no efêmero. Tirada, pelo contrário, das garras de um reducionismo que a mortifica e a circunscreve, pode se abrir a uma interpretação verdadeiramente iluminada do real, desempenhando assim um autêntico serviço para a vida.
Caros amigos, fé e cultura são grandezas indissoluvelmente ligadas, manifestações daquele desiderium naturale videndi Deum que está presente em todo homem. Quando esta união se quebra, a humanidade tende a dobrar-se e fechar-se sobre suas próprias capacidades criativas. É necessário, então, que na Universidade haja uma autêntica paixão pela questão do Absoluto, a Verdade mesma, e portanto também pelo saber teológico, que no vosso Ateneu é parte integrante do currículo. Unindo em si a audácia da pesquisa e a paciência do amadurecimento, o horizonte teológico pode e deve valorizar todos os recursos da razão. A questão da Verdade e do Absoluto – a questão de Deus – não é uma investigação abstrata, separada da realidade do cotidiano, mas é a pergunta crucial, da qual depende radicalmente a descoberta de sentido do mundo e da vida. No Evangelho se funda uma concepção do mundo e do homem que não cessa de desencadear significados culturais, humanistas e éticos. O saber da fé, portanto, ilumina a pesquisa do homem, a interpreta humanizando-a, a integra em projetos de bem, arrancando-a da tentação do pensamento calculador, que instrumentaliza o saber e faz das descobertas científicas meios de poder e de escravização do homem.
O horizonte que anima o trabalho universitário pode e deve ser a paixão autêntica pelo homem. Somente no serviço ao homem a ciência se desenvolve como verdadeiro cultivo e custódia do universo. E servir ao homem é fazer a verdade na caridade, é amar a vida, respeitá-la sempre, a começar das situações nas quais ela é mais frágil e indefesa. É esta a nossa tarefa, especialmente nos tempos de crise: a história da cultura mostra como a dignidade do homem foi reconhecida verdadeiramente na sua integralidade à luz da fé cristã. A Universidade Católica é chamada a ser lugar no qual toma forma de excelência aquela abertura ao saber, aquela paixão pela verdade, aquele interesse pela história do homem caracterizam a autêntica espiritualidade cristã. De fato, colocar-se numa postura de fechamento ou de distanciamento diante da perspectiva da fé significa esquecer que ela foi ao longo da história, e o é ainda, fermento de cultura e luz para a inteligência, estímulo para que se desenvolvessem todas as suas potencialidades positivas para o bem autêntico do homem. Como afirma o Concílio Vaticano II, a fé é capaz de dar luz à existência. Diz o Concílio que a fé “vê todas as coisas sob um luz nova, e revela as intenções de Deus sobre a vocação integral do homem, e por isso guia a inteligência para soluções plenamente humanas” (Gaudium et spes, 11).
A Universidade Católica é lugar no qual isto deve acontecer com eficácia singular, sob o perfil seja científico, seja didático. Este peculiar serviço para a Verdade é dom de graça e expressão qualificante de caridade evangélica. A atestação da fé e o testemunho da caridade são incindíveis (cf. 1Jo 3, 23). O núcleo profundo da verdade de Deus, de fato, é o amor com o qual Ele se inclinou sobre o homem e, em Cristo, lhe ofereceu dons infinitos de graça. Em Jesus, descobrimos que Deus é amor e que somente no amor podemos conhecê-Lo: “todo aquele que ama é nascido de Deus e conhece a Deus (...), porque Deus é amor” (1Jo 4, 7.8), diz São João. E Santo Agostinho afirma: “Non intratur in veritatem nisi per caritatem” (Contra Faustum, 32). O vértice do conhecimento de Deus se atinge no amor; aquela amor que sabe ir até à raiz, que não se contenta com ocasionais expressões filantrópicas, mas ilumina o sentido da vida com a Verdade de Cristo, que transforma o coração do homem e o arranca dos egoísmos que geram miséria e morte. O homem precisa de amor, homem precisa de verdade, para não desperdiçar o frágil tesouro da liberdade e ser exposto à violência das paixões e aos condicionamentos abertos e ocultos (cf. João Paulo II, Enc. Centesimus annus, 46). A fé cristã não faz da caridade um sentimento vago e piedoso, mas uma força capaz de iluminar os caminhos da vida em todas as suas expressões. Sem esta visão, sem esta dimensão teologal originária e profunda, a caridade se contenta com a ajuda ocasional e renuncia à tarefa profética, que lhe é própria, de transformar a vida da pessoa e as estruturas mesmas da sociedade. Este é um compromisso específico que a missão na Universidade vos chama a realizar como protagonistas apaixonados, convictos de que a força do Evangelho é capaz de renovar as relações humanas e penetrar no coração da realidade.
Caros jovens universitários da “Católica”, sois a demonstração viva daquele caráter da fé que muda a vida e salva o mundo, com os problemas e as esperanças, com as interrogações e as certezas, com as aspirações e os compromissos que o desejo de uma vida melhor gera e a oração alimenta. Caros representantes do pessoal técnico-administrativo sede orgulhosos das tarefas que vos são confiadas no contexto da grande família universitária no suporte da multiforme atividade formativa e profissional. E a vós, caros Docentes, é confiado um papel decisivo: mostrar como a fé cristã é fermento de cultura e luz para a inteligência, estímulo para que se desenvolva todas as suas potencialidades positivas, para o bem autêntico do homem. Aquilo que razão vê, a fé ilumina e manifesta. A contemplação da obra de Deus abre o saber à exigência da investigação racional, sistemática e crítica; a busca por Deus reforça o amor pelas letras e pelas ciências profanas: “Fides ratione adiuvatur et ratio fide perficitur”, aifrma Hugo de São Victor (De sacramentis, I, III, 30: PL 176, 232). Nesta perspectiva, a Capela é o coração pulsante e o alimento constante da vida universitária, à qual se une o Centro Pastoral onde os Assistentes Espirituais das diversas sedes são chamados a desenvolverem sua preciosa missão sacerdotal que é imprescindível para a identidade da Universidade Católica. Como ensina o Beato João Paulo II, a Capela “é lugar do espírito, onde pausam em oração e encontram alimento, orientação e sustento os crentes em Cristo, que vivem com modalidades diversas a vida intensa da Universidade; é academia de virtudes cristãs, onde cresce e se desenvolve a vida batismal, e se expressa com ardor apostólico; é casa acolhedora e aberta, para todos aqueles que, escutando o Mestre interior, se fazem buscadores de verdade e servem o homem na dedicação diuturna a um saber não satisfeito com horizontes estreitos e pragmáticos. No contexto da modernidade em declínio, ela se torna, com forte ênfase, centro vivo e propulsor de animação cristã da cultura: no diálogo respeitoso e franco, na proposta clara e motivada (cf. 1Pd 3, 15), no testemunho que interroga e convence” (Discurso aos Capelães europeus, 1 de maio de 1998). Assim dizia o Papa João Paulo II, em 1998.
Caros amigos, espero que a Universidade Católica do Sagrado Coração, em sintonia com as intenções do Instituto Toniolo, prossiga com renovada confiança o seu caminho, mostrando de forma eficaz que a luz do Evangelho é fonte de verdadeira cultura capaz de desencadear energias de um humanismo novo, integral, transcendente. Confio-vos a Maria Sedes Sapientiae e, com afeto, vos transmito de coração minha Bênção Apostólica
Libreria Editrice Vaticana - © Copyright 2011
* Traduzido por Paulo R. A. Pacheco.
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