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Cristãos árabes enfrentam perseguição

21/12/2010 - O Estado de São Paulo

Os cristãos árabes vivem uma crise demográfica. Dos montes do Líbano aos caldeus iraquianos, passando pela Igreja do Santo Sepulcro, em Jerusalém, o cristianismo oriental enfrenta uma das maiores adversidades de sua história, com perseguições em Bagdá e no Cairo e emigração em massa em Beirute, nos territórios palestinos e em Israel.

Na capital do Iraque, a catedral da Nossa Senhora da Salvação era o coração dos cristãos caldeus, que vivem no país há mais de mil anos. Em novembro, um atentado terrorista matou 51 pessoas dentro do templo, sinal de que os cristãos não vivem mais em paz no Iraque.

Como em quase todo o restante do Oriente Médio, eles correm o risco de desaparecer justamente na região onde o cristianismo começou, com o nascimento de Jesus, em Belém. Nos tempos de Saddam Hussein, que tinha o cristão Tarek Aziz como seu número dois no governo, os caldeus eram protegidos, disseram eles ao Estado. Mas, com os ataques dos últimos meses, centenas de milhares emigraram para os países vizinhos.

Os cristãos egípcios, que por décadas conviveram bem com os muçulmanos, entraram em conflito no Cairo e em Alexandria. Em Israel e nos territórios palestinos, os cristãos são cada vez mais minoritários e buscam refúgio e melhores condições econômicas em outras terras, como os EUA.

Mesmo no Líbano, onde por lei o presidente e metade do Parlamento têm de ser cristãos, a situação se deteriorou. No passado, eles comandavam o país, que ainda segue o calendário cristão, com folgas aos sábados e domingos - os outros países árabes têm a sexta-feira como dia de descanso. Em Israel, é no sábado.

Nos últimos tempos, os cristãos libaneses vivem divididos e observam como coadjuvantes as disputas entre os xiitas do Hezbollah e os sunitas, que seguem o premiê Saad Hariri. A população, antes majoritária, está hoje entre um terço e 40% do país.

Apenas na Síria há menos problemas com os cristãos. O líder sírio, Bashar Assad, mantém boas relações com a comunidades, que ainda habita áreas como o bairro de Bab Touma, na cidade velha de Damasco.

O ocaso dos cristãos no Oriente Médio é facilmente percebido em uma visita à catedral dos caldeus, na parte oriental de Beirute, majoritariamente cristã. Todos os dias, jovens iraquianos cristãos vão em busca do bispo Michel Kassarj para conseguir ajuda. Vindos de Bagdá e Mossul, eles querem emprego e refúgio das perseguições no Iraque. A opção pelo Líbano é justamente porque o país ainda é um dos redutos do cristianismo.

"Não dava mais para ficar em Bagdá. Meu irmão foi morto em um carro-bomba há duas semanas", diz Shaker Tariq. "Meu pai é taxista, mas não tem como sair mais à rua. Se pendurar o crucifixo no espelho, como costumava fazer, pode ser morto. Agora, fica em casa com a minha mãe e minhas quatro irmãs. Vim para o Líbano trabalhar e tentar conseguir asilo nos EUA."

O amigo Samer Yakoub está ao lado. Os dois são estudantes de contabilidade. Diferentemente dos cristãos libaneses, que costumam ser fluentes em francês e inglês, enfrentam a barreira da língua para conseguir um trabalho no exterior. Além disso, ninguém os ajuda. "Os EUA não nos protegem. Na verdade, não estão nem aí para nós, cristãos iraquianos", diz Samer, que já foi sequestrado.

Raed Youran é mais velho. Tem 40 anos e trabalha como "engenheiro e jornalista". "Eles ameaçaram me sequestrar", conta. Youran não sabe se eram radicais xiitas, apoiados pelo Irã, ou sunitas, que integram a Al-Qaeda. "Só sei que nos tempos de Saddam Hussein vivíamos com muito mais segurança. Ele protegia os cristãos", afirmou, repetindo o mesmo discurso de outros iraquianos.

Aproveitando a presença de um jornalista brasileiro, o bispo caldeu Michel Kassarj pede ajuda. "Vocês no Brasil, que talvez seja o país com mais cristãos árabes no mundo, precisam nos ajudar. O cristianismo no Iraque está desaparecendo. Estamos lá há séculos", conta, enquanto traz uma série de papéis com dados sobre os caldeus. "Eram dois milhões de cristãos no Iraque, hoje são 600 mil. Todos estão partindo", diz o bispo, que pede doações aos cristãos árabes brasileiros.

Hoje, o Brasil é o segundo país com maior número de cristãos de origem árabe no mundo, depois do Egito - proporcionalmente, o Líbano é o que tem mais. No entanto, a maior parte dos cristãos árabes brasileiros já está na segunda geração e mantém pouca relação com os países de seus antepassados, em sua maioria provenientes do que hoje é a Síria e o Líbano.

Jihan Abdallah, uma palestina cristã de 24 anos, sabe bem o que é a vida de um cristão tanto em Israel como na Cisjordânia. Moradora da parte árabe de Jerusalém, assim como os demais palestinos cristãos, sente-se bem mais próxima dos muçulmanos do que dos judeus.

"Nós, cristãos, nos sentimos isolados. Por um lado, somos árabes, orgulhosos de sermos palestinos e nunca quisemos estar separados dos muçulmanos. Falamos a mesma língua, comemos a mesma comida. Ao mesmo tempo, alguns cristãos se acham mais próximos do Ocidente pela forma de se vestir e também pela maneira como tratam as mulheres", afirma.

Apesar de no exterior dizerem que há perseguições contra cristãos, os palestinos discordam. Afirmam que emigram por questões econômicas. "Ainda tem o problema de perder o direito de viver em Jerusalém se ficarmos longe por muito tempo", afirma Jihan.

Esta semana, em Beirute, o líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, fez um dos discursos mais duros contra os cristãos libaneses. "Alguns pensam que um conflito entre sunitas e xiitas no Líbano os colocará em uma posição privilegiada, mas eles estão errados", afirmou.

A resposta veio de Samir Gaegea, líder do grupo cristão Forças Libanesas, que vive na vila de Bsharri, onde imagens de Nossa Senhora são colocadas nas portas das casas. "Nós, cristãos libaneses, não precisamos de nada, a não ser de liberdade. Isso nos distingue dos outros países da região", disse.

(O Estado de São Paulo, 19-12-2010)

 
 

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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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