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Barragens rompidas, vidas perdidas: o desastre ecológico e a Laudato si’

03/12/2015 - Jornal "O São Paulo"
Foto do Corpo de Bombeiros/MG (divulgação).
Foto do Corpo de Bombeiros/MG (divulgação).

por Dalton Luiz de Paula Ramos

Assistimos, estarrecidos, o noticiário dos recentes acontecimentos em Minas Gerais, quando o distrito de Bento Rodrigues, em Mariana, quase que inteiramente submerge num mar de lama e detritos, matando e sepultando pessoas, destruindo o meio ambiente. Não foi um desastre que se possa atribuir apenas às forças da natureza, como um furacão ou terremoto. Houve um pequeno tremor de terra antes do rompimento das barragens, mas, teoricamente, uma barragem de tal envergadura deve ser segura em relação a acidentes até de grande magnitude.

Uma mineradora que processa minérios e produz resíduos e uma barragem que se constrói para armazena-los usam ciência e técnica, frutos do gênio humano. Mas não é a tecnologia em si que é ruim; é seu uso errado que gera a destruição. No caso, um uso imprudente, que não quis arcar com os custos trazidos pelas medidas de segurança. Como nos lembra Papa Francisco na Laudato si': "A tecnociência, bem orientada, pode produzir coisas realmente valiosas para melhorar a qualidade de vida do ser humano, desde os objetos de uso doméstico até aos grandes meios de transporte, pontes, edifícios, espaços públicos" (nº 103). A ciência e a tecnologia; tem valor, mas até que ponto isso pode favorecer o desenvolvimento e a proteção da vida e quando isso passa a ser ferramenta de destruição?

A construção malfeita de uma barragem e/ou com sua má conservação, ou mesmo não se empregar todos os recursos tecnológicos conhecidos para se processar seus resíduos (o que evitaria que se acumulassem em grandes volumes e reduziria o risco ambiental) representam um mal-uso da tecnologia, por negligência ou omissão. Se isso acontece é porque o interesse que está em jogo, o objetivo primeiro e último da tecnologia, não são a proteção de cada pessoa humana, do bem comum e mesmo do meio ambiente, mas sim os interesses de determinados grupos econômicos e de poder que visam o lucro.

E quem mais sofre com as consequências desses atos? Frequentemente os mais pobres. Não necessariamente porque a enxurrada de lama e detritos vai destruir só suas casas, mas porque estes terão menos recursos para reconstruir o que foi destruído e menos chances de fazer valer seus direitos, como por exemplo pleiteando justas e rápidas indenizações.

Nesse sentido clama Papa Francisco, na Laudato si': “A falta de preocupação por medir os danos à natureza e o impacto ambiental das decisões é apenas o reflexo evidente do desinteresse em reconhecer a mensagem que a natureza traz inscrita nas suas próprias estruturas. Quando, na própria realidade, não se reconhece a importância de um pobre, de um embrião humano, de uma pessoa com deficiência – só para dar alguns exemplos –, dificilmente se saberá escutar os gritos da própria natureza. Tudo está interligado"(nº 117).

Como tudo na vida social, a extração dos bens que a natureza nos oferece, na mineração e outras atividades afins, deve partir do reconhecimento do valor e dignidade de cada vida humana que possa estar envolvida. Isso implica em procurar causar um mínimo de agressões ao ambiente, construir instalações seguras, elaborar e implementar planos emergenciais frente a eventuais acidentes, etc. Este deve ser o objetivo do uso de qualquer recurso tecnológico; precisamos nos reeducar nesse olhar voltado para a pessoa e para a vida humana. Do contrário veremos outros rios de lama.

* Professor titular de Bioética da USP - Faculdade de Odontologia, membro da Comissão de Bioética da CNBB e da Pontifícia Academia para a Vida do Vaticano e conselheiro do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP.

Fonte: Jornal "O São Paulo", edição 3079, 25 de novembro a 1º de dezembro de 2015.

 
 

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