Os resultados e as análises pós-eleitorais parecem ter deslocado da agenda informativa os protestos que induziram milhares de pessoas a se reunirem na Puerta del Sol, em Madri, e em outras praças espanholas. Com certo alívio, admitamos. Mas, não é justo arquivar um fenômeno que não conseguimos entender completamente. O que está por trás desses protestos? É uma pergunta que, nestes dias, tem ocupado a cabeça de muitos analistas. Com toda a probabilidade, as primeiras dezenas de jovens que começaram a acampar no quilômetro zero estavam bem organizadas e respondiam a interesses ideológicos muitos concretos, como parece indicar o teor das suas propostas. Mas não nos podemos limitar a isto. Há uma pergunta ainda mais interessante: o que é que moveu, todas as noites, os milhares de jovens e menos jovens que, como um rio, chegavam à Puerta del Sol? O primeiro movimento entra nos esquemas, é facilmente analisável. Mas este segundo não.
Na universidade, um grupo de amigos sai da aula e marca encontro na Puerta del Sol. No dia seguinte nem sequer voltam para as aulas. As pessoas que mudam de canal quando se fala de eleições, agora estão atentas ao que está acontecendo em Madri. A agenda política varia: todos têm uma palavra a dizer sobre este fenômeno tão complexo. Finalmente, muitos encontram uma forma de canalizar a sua insatisfação. Válida ou não. E olham com simpatia para este acontecimento que já expressa algo por si mesmo. E todas as noites a praça se enche. Algo está acontecendo. “Somos protagonistas da história”, diz um cartaz. E quem não quer ser protagonista? Quem não deseja que uma novidade, uma surpresa entre na sua vida? Em síntese: quem não deseja ser feliz, sair da rotina, respirar um pouco de ar fresco?
Muito oportunamente, o manifesto que Comunhão e Libertação publicou antes das eleições municipais e regionais diz: “Boa parte do mal-estar social, nestes tempos de crise, tem a ver com essa censura do ilimitado desejo de realização que nos constitui. Quando os desejos e necessidades reais da pessoa são expulsos do debate público, a ideologia cresce. E gera violência, ainda que em surdina”.
Nesta campanha eleitoral, um fator que não estava previsto, um convidado de surpresa se introduziu disfarçadamente: o “desejo ilimitado de realização que é parte de nós”, que Matisse representou de forma genial como um ponto vermelho na altura do coração do seu Ícaro. Os políticos não o entendem. Estão nervosos. Como muita gente respeitável e conformista. Pior ainda: creem que será suficiente dar trabalho para responder aos protestos. Os mais perspicazes chegam mesmo a intuir que se deveria regenerar a classe política do nosso país. A maioria dá um suspiro de alívio ao ver que o movimento não afetou as eleições e já pode ser considerado superado.
Mas nem mesmo os primeiros que acamparam na Puerta del Sol parecem perceber o que é que responde a este desejo. A maior parte de seus protestos já nasceu velha: a história se encarregou de sepultá-los, porque não estavam à altura das expectativas da nossa humanidade. É paradigmático o episódio, que remonta ao Maio de 1968, contado pelo grande educador milanês Luigi Giussani. Um dia, encontrou um de seus alunos preparando uma barricada. “O que fazes?”, perguntou. “Estou aqui com as forças que mudam a história”, respondeu com orgulho o estudante. E Giussani respondeu: “As forças que mudam a história são as mesmas que mudam o coração do homem”. Temos de ter coragem para não sucumbir à ideologia e verificar todas as propostas de mudança segundo o critério que nos foi fornecido pela natureza mesma: os nossos desejos, exigências e evidências originais. Aquilo que não serve no relacionamento com minha namorada, ou com os meus amigos, aquilo que não estiver à altura deste ponto vermelho, não constrói nada.
O movimento humano que despertou, seguindo as pessoas acampadas na Puerta del Sol, dá voz, ainda que de modo inconsciente (quem poderia, com clareza, ler aquela espera que todos nós somos?), a uma necessidade última que, entre nós, é bastante censurada. Digamos claramente: no nosso país existem coisas de que não se pode falar publicamente (na praça pública, nos meios de comunicação, na escola, no bar ou com os amigos), e não é porque seja “proibido” por lei. Simplesmente não têm uma dignidade pública. Trata-se de uma estranha e nociva “autocensura” que nos impusemos quase que inconscientemente. Falar da tristeza que alguém traz dentro de si, da necessidade de afeto duradouro, da dor pelo mal que faço ou que sofro, do meu desejo escondido de felicidade, das perguntas sobre o significado da vida, da morte... não é permitido. Alguns diriam mesmo: um pouco de pudor, por favor.
Graças a Deus que a realidade se rebela quando não é tratada como aquilo que verdadeiramente é. E isto acontece numa sociedade na qual se censura o desejo de realização que constitui a pessoa. Cedo ou tarde pedirá contas. Já o vinha fazendo no nosso país, mesmo que poucos o conseguissem entender. Não chegamos ao “fim da história”, como anunciava Fukuyama, atestando o triunfo de uma sociedade ocidental que havia chegado ao bem-estar e, com isso, à tranquilidade. Porque o “ponto vermelho” do Ícaro de Matisse não se apaga nunca. E marca a posição autenticamente religiosa de qualquer pessoa verdadeiramente humana: não se contentar com nada que não responda ao desejo infinito do coração. A autêntica revolução consiste em colocar na mesa, outra vez, no debate público, toda a amplitude das nossas necessidades. E permitir o encontro com experiências que, na própria vida, já surpreenderam a sua realização. Porque isso não pode senão ser um bem para a sociedade.
(Este texto foi publicado inicialmente no site www.paginasdigital.es)
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