O Pará não será o mesmo depois do plebiscito do dia 11 de dezembro. Da votação para decidir se seu território se dividirá em três com a criação de Tapajós e Carajás ficarão cicatrizes. Citando a Faixa de Gaza, no Oriente Médio, o governador Simão Jatene (PSDB), lembrou numa entrevista que o mundo está cheio de exemplos ruins de movimentos separatistas.
A preocupação dele é com o dia seguinte, seja SIM ou NÃO o resultado do pleito. A campanha ganhou um tom acima dos aspectos socioeconômicos e desenhou contornos apenas políticos. A criação do Tapajós, no oeste, é demanda antiga, mas no sudeste, onde se localiza Carajás, a maior província mineral do planeta, o separatismo é recentíssimo, fruto da migração iniciada com a abertura da rodovia Belém-Brasília. Sem os atavismos históricos e culturais paraenses, essa população construiu enorme distanciamento com a capital. Ou foi Belém que deu as costas?
Ambas as regiões reclamam da ausência do Estado. Com 7,5 milhões de habitantes e um território com 1,247 milhão de quilômetros quadrados, o Pará vive o paradoxo de um Estado rico em bens naturais com uma população pobre. Historicamente, essas riquezas não geram bens capazes suficientes para reverter indicadores sociais desconcertantes. Se a pobreza é uma das causas do separatismo, haveria de ser também o tema de um debate nacional sobre o modelo de desenvolvimento da Amazônia, cuja realidade paraense reflete gravemente as consequências. Com o fim da borracha, Belém e Manaus praticamente faliram no início do século 20; o desmatamento continua exaurindo o patrimônio natural e o minério é o que agora atrai imigrantes com ilusões do velho eldorado amazônico na bagagem.
Grande almoxarifado de produtos naturais, e com novos projetos minerais e energéticos, o Pará atrai mais e mais gente, sem ter recursos para atender todas as necessidades dessa população adicional. O Estado aufere quase nada com riqueza que produz. É a Lei Kandir, que dispensa o ICMS das matérias-primas exportadas. Essa discussão poderia receber mais luz neste momento, para mudar o eixo da história. Entretanto, o plebiscito foi jogado nas trevas dos interesses políticos de ambos os lados. Não falta motivação política para os do SIM: dois novos estados são mais espaços para parlamentares, milhares de cargos burocráticos em eventuais novas estruturas administrativos. Mais poder. E do lado do NÃO? Ora, quem quer dividir poder?
Por trás de tudo consolida-se uma política avessa às razões do povo, mantendo velhos interesses das oligarquias. E o marketing político reduz tudo a um discurso fácil: Contra ou a favor? De um lado e de outro, não se aprofundou uma discussão contextualizada, implicando considerar o homem como essencial, suas necessidades, aspirações e vontades.
A pobreza é apenas uma cortina de fumaça dos interesses. Os discursos são panaceia, empanam a compreensão dos problemas revelados por indicadores. O plebiscito deveria ser oportunidade para os paraenses (por que não do Brasil?) discutirem as causas da pobreza como circunstância da realidade e não de sentimentos separatistas contaminados por interesses políticos. Sobra a conclusão de que, se uma unidade federativa não tem espaço suficiente para tantos interesses, resta criar tantos quantos novos Estados forem necessários para atendê-los. Seria perigoso axioma. Se o plebiscito paraense aprovar a divisão do Pará, vão proliferar novos projetos separatistas. A população será consultada, antes de os políticos lançarem-se nesse afã, Brasil afora?
Os grupos sociais deveriam ser autônomos para suprir suas próprias necessidades, preconizava Aristóteles. Na ausência da iniciativa dos indivíduos postos acima de agremiações partidárias, a tirania apodera-se do Estado. Aqui cabe remeter a Caritas in veritate, na qual o Papa argumenta que as causas do subdesenvolvimento e do desenvolvimento não são de ordem exclusivamente material, econômica e financeira; nos dois cenários está em jogo a liberdade humana permeada de conhecimento, ações, virtudes (por exemplo, a ética, tão rara no meio político): “O desenvolvimento é impossível sem homens retos, sem operadores econômicos e homens políticos que vivam fortemente em suas consciências o apelo ao bem comum” – diz a Encíclica.
Essa leitura está longe de ser feita por políticos exacerbadamente pragmáticos e cada vez mais personalistas e patrimonialistas. O princípio da subsidiariedade estabelece um cenário de diversidade e múltiplas opiniões; contribui para que se realizem as aspirações individuais e coletivas. E o Estado seria um instrumento da sociedade para gerir a igualdade de oportunidades. Enfim, a subsidiariedade é pensamento e atitude de justiça. Se isso fosse considerado, talvez a sociedade fosse outra. O Pará fosse outro. Não é uma utopia, mas um princípio que deveria reger a atitude de quem se arvora ser representante e governante da sociedade sem esquecer a humanidade plena como razão do desenvolvimento humano integral.
Sem isso, o poder político não só advoga, mas se autoproclama ao direito de gerir tudo, suprimindo os cidadãos. Os políticos são indispensáveis à plena democracia. Infelizmente, descartam a humanidade das pessoas ao alijá-las dos processos. Funcionam como déspotas ao pretenderem conduzir da sociedade ao sabor de interesses privados. Com os apelos do marketing político, isso se torna mais grave e a sociedade mais longe de determinar seus destinos.
Como nada disso vai acontecer no Pará, o Estado perde oportunidade excelente de discutir o seu futuro. Pior, se o Congresso Nacional e a presidente Dilma decidirem que, apesar do voto favorável ao SIM, numa hipótese, Carajás e Tapajós não devam ser criados, o Pará continuará sendo, como diz seu hino: uma “terra de rios gigantes”. Mas, doravante, com uma ferida incurável chamada separatismo.
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