“No Japão, sabemos que tudo passa, é assim que renascemos”. Palavras de Haruki Murukami, o mais popular escritor japonês, seis meses depois do terremoto.
Passou-se um ano desde aquele dia que sacudiu o Japão e o mundo inteiro. Um terrEmoto com uma força tal que fez acelerar ligeiramente a rotação do globo terrestre e encurtou a duração do dia em 1,8 milionésimos de segundo. Seguido de um tsunami que provocou morte e destruição, ondas de 39 metros de altura e o desastre nuclear na central de Fukushima. Doze meses depois, o Japão recorda as vítimas da tragédia: quase 16 mil mortos, segundo o relatório da polícia nacional, com mais de 3 mil pessoas ainda desaparecidas. Mas será que no Japão tudo passa, verdadeiramente? Até uma tragédia como esta pode não deixar marcas?
Ferida emotiva. Vincenzo Petrone é o embaixador italiano em Tóquio. Naquele dia, estava em um almoço de trabalho em Odaiba, uma das zonas mais fascinantes da capital nipônica, uma enorme ilha artificial construída no oceano. “Estávamos no primeiro andar de um edifício moderno que resistiu muito bem, mas sentimos fortemente o abalo. A minha mulher foi até lá e nos dirigimos à embaixada”. E se depararam com uma das imagens que impressionaram o mundo: “Para fazer um percurso que costuma durar 20 minutos, precisamos de três horas. Foram três horas pelas ruas, junto com um enorme rio de pessoas. Todas compostas, muitas olhavam para o celular para verem as instruções de emergência. Não ouvi gritos, gemidos, choro. Graças ao sentido de honra e à confiança nas instituições que caracteriza o povo japonês. Estes dois fatores não foram arranhados pelo terremoto. A ferida emotiva foi em grande parte posta de lado. O país superou aqueles momentos de dor coletiva, ainda que na região de Fukushima as pessoas sofram porque as atividades principais não podem ser retomadas”.
Plano de emergência. Em suma, a vida no Japão prossegue, com a eficiência que espantou o mundo. “As operações de limpeza e de reconstrução caminham de maneira bastante rápida”, diz Petrone: “Em nenhum outro país do mundo se viu uma reação tão eficaz e determinada”. E as pessoas? Que efeitos teve o terremoto aí? “Acho que se tornou mais forte a consciência de que é a realidade que nos controla. A ambição de nos prepararmos para os acontecimentos é desmentida pela imprevisibilidade das circunstâncias. Todos estavam preparadíssimos, em Tóquio; tínhamos os nossos planos de emergência, atualizados a cada três meses, sempre em função de um sismo. Mas o terremoto não causou grandes danos. Foi o tsunami que causou as milhares de vítimas, e foi a crise nuclear que se seguiu que provocou o maior medo. Em suma, em poucos minutos nos demos conta que era preciso pôr de lado o plano de emergência para o risco sísmico e gerir um outro medo, que nascia de um acontecimento para o qual ninguém estava preparado…”.
Mesmo diante de uma imensa tragédia, o esquecimento é o maior risco. Padre Arnaldo Negri é missionário do PIME em Mihara e está no Japão desde 1992. “A televisão fala disto todos os dias: há sempre uma notícia. Mas continua a ser uma notícia, mais nada. Algo de que falam os jornais, mas na vida concreta das pessoas não vi grandes mudanças. Este ano na minha paróquia decidimos dividir a arrecadação que costumamos fazer para a Fundação AVSI também com a Cáritas que trabalha nas zonas atingidas pelo tsunami”.
Sako vive em Hiroshima. No dia 11 de março estava em Itália. “Estive um dia inteiro à espera de uma resposta da minha irmã que vive em Tóquio e notícias dos meus cunhados e sobrinhos que moravam na zona da central nuclear. O que vejo hoje é que quem perdeu a família percebeu que ‘a vida é alguma coisa que é dada, que alguém decidiu fazer-me viver’, aumentou a percepção de alguma coisa maior do que nós. Há uma maneira de encarar a vida mais plena do que antes. Mas há também o contrário: quem trabalhava a terra, ou criava animais na zona atingida pelas radiações, em muitos casos está desesperado. Muitos se suicidaram. O que aconteceu levou muitas pessoas a dar um passo: um jornal japonês começou a contar todos os dias as experiências das pessoas depois do terremoto. Um pai que perdeu a filha falava da sua dor, das perguntas que esta perda suscitou, da mudança que lhe foi exigida na vida… Em outro jornal, li sobre uma pessoa que, estando à espera do sinal verde num semáforo, ouviu com naturalidade um desconhecido dirigir-se a ela perguntando-lhe: como vai a vida? Coisas impensáveis, que antes nunca teriam acontecido”.
Diante de uma tragédia deste gênero, observa a Sako, é ainda mais importante a educação para a vida comunitária: “Uma irmã que foi com a Cáritas para as zonas mais atingidas falou-me da existência de um grande desejo de partilhar a vida. Os centros da Cáritas tornaram-se lugares de encontro dos bairros. Vão lá muitas pessoas, a maioria, não cristãs. A princípio, cheias de dúvidas e de curiosidade, depois permanecem”.
Claro, quanto mais nos afastamos daquelas zonas, mais o esquecimento ameaça: “Há o risco de se viver como se não tivesse acontecido. Mas eu não quero esquecer. Para mim, o 11 de março foi o sinal mais forte daquela passagem do Evangelho que diz: Sem mim, não podeis fazer nada”.
Wakako Saito é budista, ensina língua e cultura italianas em Nagoya; há vinte e cinco anos que vive uma amizade com Dom Giussani e com o Movimento, através do Meeting de Rímini. Ela também estava em Itália no dia do terremoto. Regressada ao Japão, foi visitar as populações atingidas e, de 12 a 18 de agosto, juntamente com alguns amigos italianos, fez caritativa naquela zona. Diz que, na sua opinião, alguma coisa mudou nos japoneses: “Começaram a fazer perguntas sobre o verdadeiro significado da felicidade. Começaram também a expressar os seus pensamentos e os seus sentimentos. Falei disso nas aulas com os meus alunos. Começaram a dizer que nesta situação difícil queriam ser úteis. Começaram a perceber que a vida deles está ligada à vida dos outros”.
Assim, na terra onde tudo passa e tudo é aceito, onde alguns dias depois do tsunami se plantavam árvores nos jardins públicos, onde milhares de pessoas esperam o florescer das cerejeiras (sakura, às quais é dedicado uma famosa canção tradicional japonesa), existe a possibilidade, para Wakako e os seus estudantes, de um desafio: “Perguntamo-nos o que significa a verdadeira felicidade, o que queremos construir”. Talvez não seja por acaso que o Kanji of the year de 2011, a palavra que foi escolhida como símbolo do ano passado, tenha sido o kizuna. Que significa vínculo, ligação. O oposto da solidão.
MEDO NUCLEAR
Foi o mesmo embaixador Petrone que nos disse que, depois de Fukushima, “as minhas opiniões sobre o nuclear mudaram muito”. E sobre o problema nuclear, o verdadeiro medo de um Japão onde a reconstrução corre célere, teve início um debate a sério. O Japão, através da energia atômica, cobria 30% das suas necessidades energéticas. Agora, dos 54 reatores, só 3 continuam em atividade. Todos os outros foram eliminados e desmantelados. Ou então encerrados, para testes de stress. Muitos reatores estão em risco sísmico. O terremoto de março levou à diversificação dos engenhos produtivos das grandes indústrias, sobretudo as de manufatura e a automobilística, obrigando a uma mudança de localização. Por fim, o Japão está se preparando para os acontecimentos do futuro: há uma probabilidade de 70% de que nos próximos cinco anos ocorra em Tóquio (onde se concentra 30% do PIB japonês) um terremoto de grau 7 ou superior. E a economia? Em 2011, pela primeira vez em trinta anos, o Japão importou mais do que aquilo que vendeu para o estrangeiro. E no quarto trimestre do ano, o PIB sofreu uma redução de 2,3%.
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