Caro diretor, lendo nestes dias os jornais fui invadido por uma dor indizível ao constatar o que fizemos com a graça que recebemos. Se o movimento de Comunhão e Libertação é continuamente identificado com a atração pelo poder, pelo dinheiro, por estilos de vida que nada têm a ver com o que encontramos, algum pretexto devemos ter dado.
E isso apesar de CL ser alheio a qualquer malversação e jamais tenha dado vida a um “sistema” de poder. Nem valem as considerações, embora legítimas, sobre o modo desconcertante como essas notícias são divulgadas, através de uma violação – hoje em dia aceita por todos – dos procedimentos e das garantias previstas na Constituição.
O encontro com Dom Giussani significou, para nós, a possibilidade de descobrir o cristianismo como uma realidade tão atraente quanto desejável. Por isso, é uma grande humilhação constatar que, às vezes, para nós não foi suficiente o fascínio inicial para nos libertar da tentação de um sucesso puramente humano. A nossa presunção de pensar que aquele fascínio inicial bastaria por si só, sem necessidade de nos empenharmos num verdadeiro seguimento dele, levou a consequências que nos enchem de consternação.
O fato de Dom Giussani nos ter testemunhado até a morte o que pode ser a vida quando ela é tomada por Cristo mostra que não falta nada à sua proposta cristã. Muitos que o conheceram confirmam o que nós, seus filhos, pudemos usufruir numa convivência mais ou menos estreita com ele: que a sua pessoa transbordava Cristo. Essa convicção levou-nos a pedir a abertura da causa de canonização, certos do bem que Dom Giussani foi e ainda é para a Igreja, para responder aos desafios que o cristianismo enfrenta hoje. Pedimos perdão se prejudicamos a memória de Dom Giussani com a nossa superficialidade e falta de seguimento. Caberá aos juízes determinar se certos erros cometidos por alguns constituem também crimes. Por outro lado, cada um poderá julgar se, entre tantos enganos, conseguimos dar alguma contribuição para o bem comum.
Quando um membro sofre, todo o corpo sofre com ele, ensinou-nos São Paulo. Nós, membros desse corpo que é Comunhão e Libertação, sofremos com aqueles que estão expostos nos meios de comunicação, como lembrança da nossa fraqueza por não termos sido para eles suficientemente testemunhas; e isso torna-nos mais conscientes da necessidade que temos, nós também, da misericórdia de Cristo.
Todavia, com a mesma lealdade com que reconhecemos nossos enganos, devemos também admitir que não podemos extirpar das fibras do nosso ser o encontro que tivemos e que nos plasmou para sempre. Todo o mal, nosso e dos nossos amigos, não consegue cancelar a paixão por Cristo que o encontro com o carisma de Dom Giussani inoculou em nós. A febre de vida que ele nos comunicou é tão grande que nenhuma limitação é capaz de eliminar e permite-nos encarar todo o nosso mal sem legitimá-lo ou justificá-lo.
O acontecimento do encontro com Cristo marcou-nos tão poderosamente que nos permite recomeçar sempre, depois de qualquer erro, mais humildes e mais conscientes da nossa fraqueza. Como o povo de Israel, podemos ser despojados de tudo, ser até mandados para o exílio, mas Cristo, que nos fascinou, permanece para sempre. Não é derrotado pelas nossas derrotas. Como os israelitas, precisamos aprender a estar conscientes da nossa incapacidade de nos salvarmos sozinhos, precisamos aprender de novo tudo o que pensávamos já saber, mas ninguém pode arrancar de nós a certeza de que a misericórdia de Deus é eterna. Em quantas ocasiões nos comovemos ouvindo Dom Giussani falar do “sim” de Pedro depois da sua negação.
Por isso não temos outra leitura destes fatos a não ser a de que eles são um forte apelo à purificação, à conversão Àquele que nos fascinou. É Ele, a sua presença, o seu incansável bater à porta do nosso esquecimento, da nossa distração, que reacende ainda mais em nós o desejo de sermos seus. Esperamos que o Senhor nos dê a graça de responder com simplicidade de coração a tal chamamento. Será o melhor modo de testemunhar que a graça dada a Dom Giussani é muito maior do que nós, seus filhos, conseguimos mostrar.
Só assim poderemos ser no mundo uma presença diferente, como tantos entre nós já testemunham em seus ambientes de trabalho, nas universidades, na vida social e na política ou com os amigos, pelo desejo de que a fé não fique reduzida ao âmbito privado. Quem nos encontra sabe bem disso: fica tão impressionado que fica com vontade de participar naquilo que nos foi dado a nós. Por isso temos continuamente de reconhecer que “presença” não é sinônimo de poder ou de hegemonia, mas de testemunho, isto é, de uma diversidade humana que nasce do “poder” de Cristo de responder às exigências inesgotáveis do coração do homem. E teremos de admitir que aquilo que muda a história é o que muda o coração do homem, como cada um de nós sabe por experiência própria. Essa novidade só a poderemos viver e testemunhar se nos empenharmos no seguimento de Dom Giussani, verificando a fé na experiência, pois ele estava persuadido de que só se a fé for uma experiência presente e nela encontrar confirmação da sua utilidade para a vida, poderá resistir num mundo em que tudo, tudo, diz o oposto.
Temos ainda um longo caminho à nossa frente e estamos felizes por poder percorrê-lo.
* O autor é presidente da Fraternidade de Comunhão e Libertação.
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