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OS FATOS

O sujeito que nasce de um vazio

por Emanuele Braga
11/09/2012 - A ideia do Ministro da Educação francês limita numa "matéria" a necessidade de razão. Fruto de um Estado que quer "construir o cidadão". Costantino Esposito explica por que "o universalismo abstrato dos valores" é o outro lado do niilismo
O ministro francês Vincent Peillon
O ministro francês Vincent Peillon

Entra no currículo francês como disciplina obrigatória em 2013 uma hora de "moral laica", porque é necessário "construir o cidadão". Para que isso aconteça é necessário incutir valores como "conhecimento, dedicação, solidariedade" e se não é "a República que indica quais vícios e virtudes, o justo e o injusto, outros vão fazê-lo em seu lugar".
Na França, onde esta semana 850 mil alunos voltam às aulas, discutimos a proposta que o Ministro da Educação Vincent Peillon, lançou, em entrevista publicada no Journal du Dimanche. "A República tem uma exigência de razão e de justiça", disse: "E a capacidade de raciocinar, críticar, dúvidar, se aprende na escola, e não em qualquer outro lugar". Daí a ideia. Bom ou ruim?
"Mais do que qualquer coisa, abstrato" responde Costantino Esposito, professor de filosofia na Universidade de Bari: "Acho que se levanta um programa ideal para "reconstruir a escola" e, principalmente, para reconstruir os alunos que a freqüentam, como se o ponto de partida fosse um vazio a ser preenchido. O Estado, através da escola, é chamado a forjar uma nova natureza. Esta referência explícita a "construir o cidadão" me fez pensar que o grande vencedor na França continua sendo Rousseau.

Em que sentido?
Nós ainda concordamos que as "boas instituições sociais" – e a escola republicana é um deles de acordo com o ministro - são mais capazes de "desvirtuar" o homem, privá-lo de sua existência absoluta (sendo portanto, um bem em si mesmo, pelo fato de existir) para conferir uma existência relativa (porque corresponde à "vontade geral"). A exigência do Estado é inserir o eu na unidade comum. E há alguma verdade nisso, claro. Mas é como se esta unidade fosse uma universalidade abstrata, sem história. É curioso ler que esta "construção do cidadão" novo deve se realizar na escola, antes que o façam os "mercados e fundamentalistas". Confrontado com a ideologia do benefício econômico ou do fanatismo religioso, o Estado deve encontrar uma maneira de refazer o homem. Como um vácuo a ser preenchido. Sem história.
A questão é que, o que Peillon reconhece com um certo "horror republicano", é que não as coisas não saíram como o esperado. E embora possam, não se perguntam por que certos valores sobre os quais a sociedade francesa espera construir-se não são suficientes. A questão real, então, seria esta: como pode uma sociedade repousar sobre certos valores e não deixar uma marca de bem, de construção social em seus cidadãos? Este vazio é sinal de um fracasso, de inadequação do uso desses valores para a interpretação da realidade. Certamente, a sociedade francesa é muito diferente da nossa. Há um grande multiculturalismo, mas essa universalidade não chegou a gerar paz social, uma convivência capaz de evitar essa lacuna.

E por que é proposta de novo?
É uma decisão, uma escolha quando se trata de interpretar a situação. Diante das dificuldades da convivência não se parte da experiência mais irredutível, do desejo mais verdadeiro de cada um, mas formulado um critério geral, ainda mais abstrato, à qual devemos nos adaptar. Não se pergunta, "Como surgiu esse vazio?". E ao mesmo tempo se passa um véu sobre esta irredutibilidade das jovens gerações e não se procura compreender àqueles que não se adequam, dizendo que é algo privado. Se diz que o Estado deve educar no respeito e na possibilidade de escolha. Como se aquilo não existisse, fosse algo a ser construído. Enquanto o que existe, insisto, é o vazio. É uma confirmação do niilismo. Universalismo abstrato de valores e niilismo na consideração da natureza humana são dois lados da mesma moeda.

O ministro francês também enfatiza o secularismo como "liberdade de consciência ..."
Este é um outro aspecto interessante. O ponto de partida do secularismo, para ele, é o respeito absoluto da liberdade de consciência, ou de escolha. Mas para viver essa liberdade de escolha é necessário, diz, literalmente, "separar o aluno" em torno do que ele chama de "determinismos - família, étnia, social, intelectual", e que poderíamos chamar de "pertença". Só separando o homem de uma pertença, admitida quando muito na esfera privada, não dá oportunidade de desenvolver uma escolha real. Mas assim o secularismo é relegado ao reino do que deveria ser. É uma velha ideia kantiana que sempre volta. O que cada um de nós é particulamente é irremediavelmente parcial. Assim, a liberdade é alcançada, não pedindo a todos para dar as razões de sua própria experiência, mas separado dela. Nós, muitas vezes, quando pensamos em liberdade vem à mente apenas a questão da escolha. Mas é uma liberdade abstrata, reduzida. A verdadeira liberdade, no entanto, parte de uma experiência positiva,a única que permite julgar e tomar uma decisão adequada. A descoberta daquilo que vale a pena viver e morrer. Estamos sempre lá. De acordo com Rousseau, é necessário uma escolha: você pode ser ao mesmo tempo homem e cidadão. Monsieur Pellion escolheu.

A propósito desta "exigência da razão" e de adquirir uma capacidade crítica, não é tarefa de toda a escola ensinar todas as matérias? Por que confiná-las a uma hora de aula?
É uma questão de método. O que é o secularismo? O ministro francês diz que é uma forma crítica para julgar com a própria cabeça. Não se repetem as lições, mas ali se aprende. E é verdade. No entanto, aqui não entendemos quais são os critérios para julgar. Um esforço para raciocinar? Como se pode compreender que o raciocínio bem guiado não é uma mera opinião? Como distinguir direito e dever? Quem julga isso? Com base em que critérios se pode aprender a ter capacidade crítica? Isso mostra toda a inadequação das razões de toda posição abstrata sobre o humano: se reafirmam os valores justos e as necessidades reais, sem dar critérios para que possam descobrir na experiência. Por isso Peillon é obrigado a fazer dessa moral laica um ensinamento à parte. Enquanto o juízo acontece na descoberta da realidade. A educação é para isso.

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