O canto do Pai Nosso em árabe dissolveu-se na escuridão da noite. As Completas, a oração depois de jantar, terminou. A irmã Mariangela desligou o órgão. A irmã Marita limpa a garganta. A irmã Maria Luísa conduz as irmãs para os quartos. A irmã Adriana e a irmã Anunciata estendem os ouvidos para um outro canto, para uma outra voz muito familiar. Vem do vale, lá no fundo onde o rio Janoubi separa as montanhas do Líbano das alturas da Síria. “Tal Kalakh”, murmura a irmã Marita. “Como sempre”, sussurra Maria Luísa.
As cinco trapistas do convento de Azeir conhecem bem aquela voz. Há meses que acompanha as suas orações. Às vezes torna-se até demasiado próximo. Maria Cláudia, da região do Como, com 53 anos, empurra-te para o telhado, abre uma porta para a escuridão, mostra labaredas e estrondos. “Ouve? É o canhão. Vê os clarões das explosões?”. Não diz nomes, mas o seu dedo aponta precisamente para Tal Kalakh, a cidade na fronteira. Ali estão os musalahin, os homens armados, os rebeldes. De lá vêm as armas que entram no Líbano e tomam o caminho de Homs, Aleppo, Damasco, Hama.
O mosteiro das irmãs trapistas, construído sobre a colina que domina a aldeia cristã de Azeir, está na encruzilhada deste tráfico. No cruzamento da guerra. “Precisamente no meio”, suspiram de um fôlego Mariangela, de 73 anos, natural de Brescia, a irmã Adriana, da Sardenha, com 66 anos, e a irmã Anunciata, de Lodi com 73 anos, hóspede do mosteiro durante um breve período. Se, para Anunciata o convento de Azeir é uma experiência por um curto período, para as outras é uma escolha de vida. Uma escolha onde se entrelaçam fé, guerra e destino. “Comecei a pensar nisso depois da morte dos nossos sete irmãos trapistas de Tibhirine, raptados e assassinados pelos fundamentalistas argelinos em 1996. Tinha acabado de completar 50 anos, e procurava um novo início”, conta a Marita. Não imaginava, nem ela, nem as outras, que aquela escolha a levaria a uma situação muito semelhante à dos irmãos engolidos pelo ódio e pelo fundamentalismo argelino. “Quando chegamos, a Síria era ainda o país da tolerância. Os cristãos maronitas de Azeir e os alauitas da aldeia aqui em baixo trabalhavam lado a lado com os sunitas da outra aldeia no cruzamento com a auto-estrada para Homs. Depois, chegou a guerra e tudo mudou”, conta a irmã Marita mostrando a coleção de estilhaços e balas recebidos na entrada. “E não são certamente – sorri – todas as que choveram aqui em volta”.
Um dia chegam também os musalahin. “Vejo-os depois das laudes, são cerca de trinta, movem-se encapuçados, têm kalashnikovs e outras armas. Percebo logo que preparam uma emboscada ao exército e então começo a rezar, mas os soldados apercebem-se e chegam com força”, relembra Maria Claudia. Naquela manhã dois rebeldes armados perdem a vida na luta que se trava no terreno sagrado do convento. Apesar da tragédia, apesar da dor, a irmã Maria Claudia e irmã Marita não conseguem culpar os soldados. “Foi uma enorme tristeza, mas estamos aqui para partilhar e compreender a realidade desta terra ensanguentada. Quando o mosteiro é atingido é quase sempre porque os rebeldes disparam contra a guarnição. Só uma vez é que fomos atingidos por erro pela granada de uma milícia governamental”. Irmã Marita continua. “Nunca vi um militar a cometer violência gratuita. Naquela manhã, quando os rebeldes se renderam, um militar apoiava o mais velho, dava-lhe o braço como se dá a um pai. Infelizmente, são outras as violências que testemunhamos…”.
Uma das mais gratuitas atinge neste inverno dois irmãos cristãos de Azeir, a aldeia maronita onde as irmãs se encontram com os fiéis durante a missa. “Foi nos dias do assédio de Homs, os musalahin entraram na cidade”, lembra a irmã Maria Claudia, “e estes dois irmãos de Azeir reabasteciam de pão os alauitas, a minoria religiosa à qual também pertence o presidente Bashar Assad. Os rebeldes primeiro avisaram-nos, depois ameaçaram-nos e por fim mataram-nos. A coisa pior foi ouvir as televisões estrangeiras atribuir a culpa aos soldados”. A irmã Marita é muito menos diplomática. “Esta é uma guerra combatida a golpes de mentira, uma verdadeira e autêntica invasão dissimulada. Vemos com os nossos olhos. Os próprios sunitas, os mais próximos dos musalahin pela religião, censuram a sua violência, repetem que não são aqueles os métodos para trazer a liberdade. É certo que o governo tem muitas culpas, deve mudar muitas coisas, mas a guerra não é a solução”. Para perceber o que a irmã Marita quer dizer, basta falar com os cristãos que fugiram da aldeia de Xer, na fronteira com o Líbano. “Em Xer”, conta o George, um cristão obrigado a abandonar aquela zona, “vivíamos juntamente com os sunitas, depois chegaram os homens armados e ditaram as suas regras. Vocês, os cristãos – disseram – ou seguem as nossas ordens ou se vão embora. Agora as nossas casas estão vazias e Xer é completamente muçulmana”.
“Os fiéis da aldeia aqui em baixo repetem sempre”, intervém a Maria Claudia: “Se vencem os rebeldes, voltamos 50 anos para trás. Assad e o seu pai concederam-nos a dignidade, a nós cristãos, e impuseram a tolerância aos muçulmanos sunitas. Claramente, defenderam as minorias porque também eles vinham da alauita, mas o sistema funcionou e colocá-los para fora arrisca-se uma tragédia. Aqui na Síria, a Al Qaeda e o fanatismo nunca moraram. Agora, pelo contrário, fazem parte do séquito dos que anseiam pela liberdade e pela democracia”.
Se as irmãs falam abertamente, os católicos de Azeir têm o cuidado de não partilhar os seus medos com outros estrangeiros. Na Igreja e na aldeia respira-se um medo palpável, concreto. O medo de ser denunciado pelos inimigos aos homens armados que todas as noites batem os caminhos dos arredores. Basta tomar a auto-estrada, ultrapassar os trinta quilômetros que separam o convento de Homs, enfiar-se nas vielas de Bab Assiba e as histórias das cinco trapistas tornam-se uma realidade concreta, evidente. Neste labirinto de ruelas devastadas pelos combates de janeiro, os atiradores continuam a matar para controlar uma linha da frente que passa através de edifícios e habitações, mesquitas e igrejas. Os cristãos tentam, por sua vez, voltar a entrar nas suas casas.
Carla, de 32 anos, mãe de três filhos, é um deles. “Vê como reduziram o nosso local de oração!”, grita enquanto se aproxima da porta de casa, precisamente diante do que resta da igreja católica. É difícil de dizer se o que destruiu o telhado, devastou a nave e partiu bancos e altares, foram os foguetes e os morteiros dos rebeldes ou os tiros de canhão dos tanques governamentais. Mas uma coisa é certa: o medo que manteve Carla, o seu marido George e os três filhos afastados daquela casa foi propagado pelos rebeldes. “Quando eles ocuparam o bairro, obrigaram a escola a fechar e pediram a todos nós, cristãos, para ficarmos em casa, não nos mostrarmos nem circular. Quem saía arriscava-se a ser raptado e a família tinha depois que arranjar dinheiro para o ter de volta vivo. Agora, voltou o exército e voltou também a calma”.
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