SÍRIA - O ALFABETO DE KAHLED
Uma vida normal, ainda que somente por alguns momentos. É isto que quer Abdel quando pergunta à mãe se ele, como outras crianças do campo, poderá frequentar a escola. Não será fácil, terá que aprender, no mínimo, um pouco de francês, as escolas no Líbano são assim; mas, ao menos em classe, o afastamento de casa, abandonada em algum lugar da Síria, não será demasiado opressivo: um caderno, um lápis e uma borracha podem fazer muito em tais situações.
Os dias no campo de refugiados de Marj el Kokh não são simples. A lama, os trapos pendurados. Mas também para Kahled, cujo pai não queria enviá-lo à escola, existe a possibilidade de aprender o alfabeto, de cantar junto aos outros. Mesmo em meio aos barracos é possível ser criança, basta que haja alguém que improvise uma sala de aula ao ar livre, providencie uma lousa, trate-o como criança.
Um ano depois. Os dados oficiais falam de 800 mil refugiados no Líbano, mas, na realidade, ultrapassam um milhão as pessoas que cruzaram as fronteiras, numa população libanesa de 4 milhões de habitantes. Muitíssimos refugiados, com efeito, temendo a deportação e pela falta de documentos válidos, não se registram junto à Unhcr, a agência da ONU para os refugiados, perdendo, de tal modo, a possibilidade de ingressar nos programas de ajuda internacional.
Precisamente há um ano, Marco Perini, em uma entrevista, contava que tinha pressa, a neve estava chegando às montanhas de Bekaa. As mil famílias sírias que haviam chegado a Marj el Kokh haviam partido de seu país vestindo sandálias e precisavam de cobertas, roupas, aquecedores. Mas, também de comida, de tratamentos médicos, de trabalho. Passou-se um ano. A guerra na Síria não permite entrever soluções pacíficas e em breve a neve voltará às alturas libanesas.
“A condição de refugiado é muito complexa, sobretudo para os recêm-refugiados. – explica Perini – Quando começaram a chegar, há dois anos, os sírios traziam seus pertences e quem os acolhia tinha algo para lhes dar. Agora, quem chega não tem mais dinheiro e os libaneses não têm mais nada para oferecer”.
O projeto das Tendas quer continuar a apoiar a obra que os voluntários da Avsi levaram adiante faz mais de um ano em Marj el Kokh, junto à Unhcr e à Unicef. Igualmente, deseja-se ajudar a diocese de Aleppo, a terceira maior cidade quanto à presença de cristãos no mundo árabe, depois do Cairo e de Beirute, e que hoje é afligida pela guerra.
QUÊNIA - FREDRIC E OS 148 CALOUROS
Um dos objetivos do milênio das Nações Unidas é a formação primária para todos até 2015. Sendo quase que o único caso no âmbito africano, o Quênia atingiu a marca de 95% das crianças frequentando a escola primária (que consiste nos primeiros oito anos de estudo). A redução chega na transição para a escola secundária, onde a parcela dos presentes decai a apenas 50% dos jovens.
Numa realidade como a das favelas de Nairóbi, a configuração rígida e conceitual das escolas estatais, a carência das estruturas, além das pesadíssimas dificuldades socioeconômicas da população, desencorajam, somente, o prosseguimento nos estudos.
A escola Cardeal Otunga, de Nairóbi, é um exemplo de como esse desafio pode ser vencido. Inaugurada em 2005 em dois imóveis alugados, com 25 alunos e quatro professores, hoje conta com 240 estudantes, 15 docentes e uma estrutura que exibe uma biblioteca e laboratórios equipados; mas que não oferece somente uma boa instrução.
“O que faz a diferença é olhar com afeição o próprio destino e o do outro”, diz Joakim Koech, diretor da escola e um de seus fundadores. A Cardeal Otunga nasceu para tornar concreto o Educar é um Risco, de Dom Giussani: “Parecia uma loucura fazer uma escola secundária que não fosse internato, como um colégio de tempo integral, como ocorre na maior parte do Quênia”, disse há algum tempo à Passos (dez/2010). “Arriscamo-nos, envolvendo os pais no percurso educativo”. Deste modo, Otunga é um lugar pelo qual vale a pena se levantar com o nascer do sol a cada manhã, onde, entre aulas e campinhos de futebol, encontram-se rostos acolhedores e prontos a percorrer um caminho, não somente escolar, juntos.
“Queria continuar”. Mas a história de Frederic, entre tantas, descreve melhor que os números a possibilidade que esses estudantes têm de viver com uma boa perspectiva para o futuro. Ele vivia na favela de Kibera, em Nairóbi, com a mãe, viúva, e o irmão mais novo. Fredric passava o tempo pedindo esmola, nada de escola. Depois, o encontro com um assistente social da Avsi e a possibilidade, com a adoção a distância, de frequentar a escola Little Prince. Mas, com o fim do ciclo de estudos, pede: “Queria continuar a ir à escola”. A Cardeal Otunga fica do outro lado da cidade, é improvável conseguir arranjar também o dinheiro para uma moradia; é a família Kamande, com três filhos e uma dezena de hóspedes por vez, que decide ajudá-lo, acolhendo-o e possibilitando-lhe frequentar a escola. Hoje Fredric está para entrar na universidade.
Entre 2008 e 2010, a Cardeal Otunga preparou 148 candidatos aos exames nacionais que permitem o acesso às universidades, sendo considerada a melhor escola do distrito.
As Tendas da Avsi sustentam as atividades educativas do instituto, entre as quais há também cursos de atualização para os professores.
UCRÂNIA - O SONHO DE TANJA
Lena possui apenas um braço, graves problemas nas pernas e foi abandonada pelos pais após o nascimento; agora vai à universidade. Sasa, encontrada com a cabeça quebrada há seis meses num lixão, esteve no instituto por vinte anos; escreve poesias dedicadas à mãe, que nunca conheceu, mas de quem sente uma carência visceral. Tanja, órfã desde pequena, quer se tornar enfermeira. Oleg viveu por vinte anos num internato, porque é órfão e tem graves problemas nas pernas. Aos poucos se tornou cego, mas hoje pode “ler” todos os livros que quer, frequenta a faculdade de Filosofia e, onde mora, “aprendeu até mesmo latim”. São eles os protagonistas da terceira história: garotos inválidos, ou então órfãos (muitas vezes os dois), “marginalizados” que a sociedade ucraniana pós-soviética não sabe bem como gerenciar. As soluções que o governo têm à disposição não são muitas: o orfanato, o internato ou o asilo para idosos, porque, ainda que Lena não tenha vinte anos, pelo menos lá há uma vaga disponível.
“Histórias de uma absurdidade intolerável”, como disse Aleksandr Filonenko, filósofo ucraniano, professor na Universidade de Carcóvia. Em 2011, ele e a mulher Inna ouvem falar de Maksora, a ONG parceira da Avsi que, na Sibéria, mantém uma casa que acolhe mães adolescentes. É, para eles, a descoberta de um mundo: a caridade e a possibilidade de compartilhar a vida.
Uma série de encontros fazem o resto, como aquele com o diretor Vasilij Sidin, que, com a sua companhia Timur, trabalha com garotos difíceis, na maioria das vezes sozinhos no mundo e destinados à delinquência. Timur torna-se uma possibilidade de resgate para essas pessoas que muitas vezes, justamente pelos dramas que viveram, escondem uma sensibilidade, uma inteligência e um talento a serem descobertos. “Com Sidin, executamos espetáculos comoventes”, nos conta Filonenko. “Então, eu e meus amigos professores percebemos que podíamos ajudar os garotos nas matérias da escola”, a fim de lhes permitir a continuação dos estudos, a despeito das situações dificílimas.
Como os dois discípulos. A partir dali, em pouco tempo nasce Emmaus, a ONG graças à qual Aleksandr e seus amigos entram nos orfanatos estatais para brincar com as crianças, para ajudá-las nas lições. Para caminhar juntos, como Jesus com os dois discípulos em direção a Emaús.
As Tendas sustentarão as atividades educativas, como o auxílio ao estudo nos institutos, os laboratórios teatrais e os seminários de formação para jovens educadores. E, quem sabe, no futuro, não haverá também uma casa em Carcóvia onde os garotos possam viver, fora dos institutos.
PERU - NA TERRA DO CACAU
Na Amazônia, a natureza é algo vivo, que “sente” e “sofre” se for desfigurada, mas também se for trabalhada. Quem cultiva aquela terra rica e generosa não pode fazer nada senão respeitá-la, para que continue a dar seus frutos.
Em Bagua, no norte do Peru, ou em Masma, na região central de Junin, não se conhecem técnicas de cultivo como a poda, a capina ou a fertilização. Mas o “alimento dos deuses”, o apreciado cacau crioulo, de brancas sementes, perfumadas e pouco amargas, é muito sensível, requer cuidados e tem baixa produtividade. A Coperativa Ceprooa reúne 400 famílias de pequenos agricultores de Bagua e Utcubamba. Há três anos a Avsi trabalha com eles experimentando técnicas que aumentem a produção respeitando o ambiente.
Melhorias na fase de colheita, fermentação e dissecamento já deram bons resultados: pôde-se passar de 444 kg de cacau por hectare a quase 600 kg; o aumento da quantidade dos grãos permitiu aumentar o preço de venda e participar de feiras e concursos internacionais.
O objetivo do intervento da Avsi também é aprimorar as capacidades organizativa e gerenciais dessas pequenas empresas familiares, colocando demanda e oferta em contato por meio de uma rede comercial; solicitando a participação de esposas e filhos; colocando em ordem a contabilidade ou redigindo um sistema interno de controle para a certificação orgânica.
Oficina para estudantes. Alguns jovens agricultores modificaram o estatuto, incluindo um comitê feminino: uma comissão no interior da coperativa, formada por mulheres que deram a vida a uma nova linha de produtos (com a marca registrada Utkku) derivados do cacau e do café.
Junto a esses projetos, a Avsi quer sustentar a oficina trabalhista: nascida no norte de Lima para encontrar pequenos trabalhos para estudantes da Universidade Católica do Peru, hoje também está presente em Chincha e no Cone Leste da capital, e ajuda na procura de um emprego a mães adolescentes, jovens com antecedentes criminais ou com fraca formação profissional, que chegam das zonas rurais.
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