Durante a celebração do debate sobre o “Estado Geral das 205 cárceres italianas” o tema do trabalho dos presos só é tocado de maneira marginal, esta vez em Roma reuniram-se especialistas e funcionários de prisões americanas, alemãs e brasileiras para estudar o modelo “Giotto” em um congresso chamado “Cárcere e trabalho”: um diálogo internacional sobre um enfoque inovador de reabilitação.
Quem tem se mostrado totalmente convencido da importância desta questão é o presidente da República italiana, que em uma mensagem lida pelo chefe do Departamento de Administração Penitenciária, Santi Consoli, disse: “Os resultados positivos alcançados pela cooperativa de Pádua testemunham a importância da colaboração entre empresas sociais e a administração pública”. E acrescentou: “Um maior desenvolvimento da formação na prisão representa o instrumento mais eficaz para garantir a não repetição do crime”. Por outro lado, o artigo 27 da Constituição afirma: “As penas não podem consistir em tratos contrários ao sentido da humanidade e devem tender a reeducação do condenado”.
Mostramos alguns números para compreender o que faz a Cooperativa Giotto na Instituição penitenciária Due Palazzi de Pádua desde 1991. Nos galpões ao interno da prisão são realizados percursos de trabalho para os presos: um call center que realiza 100 mil agendamentos de consulta de saúde por ano, e atende 20 mil chamadas de uma empresa de energia de Bolonha, uma confeitaria que “tira da forma”(é assim mesmo que devemos dizer) 80.000 panetones e 15.000 colombas de páscoa por ano. Além disso, em um dos galpões, já foram montadas 40.000 bicicletas. Também são realizados atividades de alvenaria, oficinas de restauração e confecção de bagagens. Para Giovanni Maria Flick, presidente emérito do Tribunal Constitucional, é “um caso com características evidentes de exemplaridade: uma empresa social que interage com a administração pública, combinando o espírito empresarial e social”.
O momento central do congresso foi a apresentação do estudo “Trabalho e perdão por trás das grades. A Cooperativa Giotto em Pádua”, fruto da colaboração entre o Centro de Estudos Eclesiásticos da Univesidade Católica, o Instituto Fetzer e o Centro de Investigação Einaudi. Andrea Perrone, diretor da pesquisa, explica o ponto de partida: “Decidimos realizar as entrevistas seguindo um método qualitativo e não quantitativo, seguindo assim os presos em seu caminho de recuperação de sua própria dignidade e da reconstrução de seus vínculos familiares, graças a possibilidade de trabalhar”.
“Estou aprendendo a refletir sobre a realidade das coisas”, disse, por exemplo, um dos prisioneiros. Outro acrescenta: “Saio da cela às 8:30 da manhã e volto por volta das 18:30. Durantes essas horas não sou um preso, sou um empregado da cooperativa”. “Poder trabalhar é a diferença entre um homem morto e um homem vivo”, aponta um terceiro. Basta procurar os parágrafos da conclusão do relatório, escrito por Adolfo Ceretti, professor de Criminologia na Universidade Bocconi de Milão, para entender o "peso específico" que tem a experiência de Pádua: “A reconquista de uma imagem positiva de si mesmo”. "Sair da percepção de uma vida isolada e frágil”. "Perdoa-se graças à força do exemplo".
Como isso é diferente da imagem que o cinema muitas vezes quer transmitir de um prisioneiro deitado em sua cela, olhando para o relógio de areia caindo que o separa do fim de sua sentença. Mesmo que para a grande maioria dos presos italianos a realidade seja exatamente essa. A mesma que nos Estados Unidos, Alemanha, Brasil. Após a revolta na prisão de Carandiru (400 presos mortos), o Brasil colocou-se em reformas corajosas do sistema penitenciário, “inspiradas”, segundo o juiz Luiz Carlos Resende, “nos princípios da doutrina social cristã”. Como Jurgen Hillmer, juiz do Ministério da Justiça alemão: “Dos 16 estados em que se divide o sistema penitenciário alemão, o que tem menor porcentagem de reincidência está na fronteira com os países baixos, e é aonde trabalha o maior número de presos dentro da prisão”. Na mesma linha queThomas Dart, conectado de Dallas: “nos Estados Unidos há um intenso debate sobre o sistema prisional. Temos também muitos prisioneiros (2.300.000). É um sistema de hiperdetenção. Por isso olhamos com interesse para a Itália e suas experiências e alternativas”.
Paola Severino, ex ministra da Justiça italiana, começa com uma anedota: “Na prisão de Poggioreale me encontrei com um preso que me mostrou comovido a foto do neto que acabou de ter, e me disse: “Ministra, me ajuda a conseguir transferência para Gorgona”. Gorgona é uma prisão de segurança máxima em uma ilha no mar da Ligúria. Lhe respondi: Por que quer ir para lá? Ficará pior. Ele respondeu: “Porque lá pelo menos lhe ensinam a cozinhar. Eu quero que meu neto tenha um avô cozinheiro, não um preso”.
O compromisso da ex ministra para que o trabalho possa entrar de maneira estável em todas as prisões é patente. Como é sua consciência que sem o envolvimento de funcionários da prisão, das famílias, dos juízes, todo este projeto tão virtuoso corre o risco de se tornar palavra morta. Por isso adquirem ainda mais valor suas palavras de elogio a cooperativa. Uma mensagem de Dom Rino Fisichella, presidente do Pontifício Conselho para a Nova Evangelização, e um vídeo das visitas de João XXIII e João Paulo II ao centro penitenciário Regina Coeli encerraram o encontro. Bastaria apenas olhar para os rostos dos prisioneiros enquadrados nestes filmes das telecâmeras para entender como em um abraço a pessoa torna-se maior do que a sua culpa.
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