“Quando um processo constituinte envolve um país inteiro, contribui para a paz”. É a síntese, lacônica e eficaz, de Tânia Groppi, docente de Direito público na Universidade de Sena, sobre a atribuição do prêmio Nobel pela Paz ao Quarteto para o diálogo na Tunísia. Um prêmio atribuído à sociedade civil que deu uma contribuição decisiva para a construção da democracia no país de Mohamed Bouazizi, o jovem que se suicidou cinco anos atrás para denunciar os abusos de poder de uma sociedade corrupta e que se tornou depois símbolo da onda de protestos que agitou todo o Oriente Médio nos anos sucessivos. Depois da queda de Ben Alì, o País começou um lento processo de democratização e há apenas poucos dias chegou o prestigioso reconhecimento de Estocolmo. “O que – esclarece a Groppi – não é apenas um reconhecimento por aquilo que realizaram, mas antes um encorajamento a seguir adiante nesta direção”.
A senhora esperava por isso?
As escolhas dos prêmios Nobel são sempre surpreendentes, seguem lógicas que de verdade às vezes não se consegue compreender. E nestes anos nos habituaram a diversas surpresas. Sabíamos que o pedido tinha sido seriamente considerado, e vozes de bastidores falavam de um segundo lugar em 2014…
E finalmente o atribuíram, um ano depois.
Parece-me poder dizer que não foi um acaso, o Nobel chegou dentro de um contexto complexo para todo o Oriente Médio, premiando a Tunísia do diálogo. Como se dissessem: “Vocês fizeram bem, conseguiram dialogar, a sociedade civil bloqueou com sucesso as divisões dentro de um cenário político dividido em dois”. O que é necessário agora é continuar a crer nesta constituição, sem deixar-se amedrontar.
Quais são as incógnitas que podem amedrontar a Tunísia de hoje?
Há um desânimo difuso no interior da sociedade por causa da crise econômica, as pessoas vivem mal e certamente pior do que antes. Muitos perderam o emprego, e os jovens têm poucas perspectivas acerca do futuro. Nem mesmo podemos ignorar o perigo do terrorismo, ainda que esta violência esconda um aspecto que não se deve subestimar: a Tunísia sofre ataques exatamente porque – por paradoxo – é um país no qual conseguiram dialogar, aprovar uma verdadeira constituição democrática em um país árabe-muçulmano. Em tudo isto, vejo uma Europa que, além da retórica, é sempre mais fechada a respeito das exigências dos próprios “vizinhos” do Mediterrâneo.
Na sua opinião, é um Nobel que tenta valorizar também a intuição originária das primaveras árabes?
Eu creio que as primaveras árabes como fenômeno unitário nunca existiram. Creio ao contrário na primavera tunisina, que levou a um sério processo constituinte. A sociedade está dividida em tantos polos e o fato de ter encontrado um acordo satisfatório para todos, faz disso um ponto de orgulho único. Para fazer um exemplo concreto, peguemos o caso do partido islamista Ennahda, que colaborou à redação da Constituição. De um lado não queria acabar tendo um fim igual ao dos Irmãos Muçulmanos no Egito, do outro mudou as rígidas posições iniciais sobre a relação Estado-religião para ir ao encontro de uma exigência que é de toda a nação, deixando de lado as guerras de religião e o eterno conflito entre leigos e religiosos. Ainda que – dou-me conta disso – seja uma posição difícil de explicar.
Tentemos fazê-lo.
Há um ponto chave que deve ser entendido, de outra forma não se compreende a história da Tunísia destes anos e ultimamente também o prêmio Nobel. A revolução tunisina mirou desde o início à reivindicação da dignidade do homem, de toda pessoa em todos os cantos do país, seja do interior (paupérrimo), seja do litoral (definitivamente mais abastado). É a dignidade fundada sobre a liberdade. Este conceito supera as divisões ideológicas de todo tipo, e possibilitou a colaboração ativa entre a sociedade civil e a classe política.
De um lado um prêmio prestigioso e do outro um país que continua a viver nas dificuldades que a senhora nos mencionou. De que necessita a Tunísia hoje?
De um novo pacto social, que seja compartilhado por todos. O processo iniciou-se e logrou também este importante reconhecimento, agora deve ser levado em frente. A partida decisiva de hoje se joga na promoção da dignidade humana. Aquela que se joga, como sempre, no quotidiano.