Apaixonado por futebol, ele tinha o hábito de colocar no ombro uma toalha com o símbolo do seu time Atlético Mineiro, nos dias de jogo. “Para dar sorte”, dizia brincando. Nestas ocasiões, José de Jesus gostava de reunir os três adolescentes que tomou como filhos quando se uniu a Marlene, e juntos assistiam aos jogos na sala de casa, em Itaúna/MG. No lugar da pipoca gostava de ter frutas para comer. E nestes dias ria-se muito, pois era um homem divertido e alegre. Em 2011, pouco antes de falecer aos 57 anos após um acidente, a vida de José tinha este clima de festa. Uma gratidão por todo o bem recebido e ser finalmente um homem livre após ter passado muitos anos atrás das grades.
Nascido em Nova Lima, cidade próxima a Belo Horizonte, José de Jesus cresceu numa família de nove irmãos. Dona Mercês, sua mãe, lutou sozinha na criação dos filhos, pois o marido morreu cedo. O lugar era simples e José era um rapaz muito rebelde e não se conformava com aquela vida sofrida. Ainda adolescente começou a praticar furtos, e depois assaltos. A polícia batia em sua casa para prendê-lo e sua mãe não sabia mais o que fazer, e chorava de dor. Certo dia José decidiu fugir de casa e acharam que ele tinha morrido. Ficou morando pelas ruas e praticando delitos por várias cidades do Estado (Conselheiro Lafaiete, Sete Lagoas, Nova Lima, Ouro Preto). Sua vida era uma busca, mas vivia no vazio.
Não tendo encontrado boas companhias, buscava a sobrevivência na criminalidade e foi preso diversas vezes. Mulato, alto e muito forte, era ágil e acabava fugindo das prisões após algum tempo. Era uma figura conhecida pelos policiais da região e rejeitado pela sociedade. Quando foi preso novamente sua condenação foi de 27 anos no cárcere. Parecia não haver mais esperança. Neste período só crescia o ódio, pois nas prisões comuns era mal tratado, vivia como bicho, amontoado com dezenas de homens na mesma cela, comendo mal, e sem nenhuma perspectiva de mudança.
Naquele período, chega a Itaúna, cidade em que José estava detido, um advogado e teólogo, Valdeci Ferreira, que por vocação decide dedicar-se aos excluídos pela sociedade, mesclando seu profissionalismo e sua vida de “servo de Deus”. Valdeci começa a visitar a cadeia pública e a encontra em péssimo estado, com condições desumanas de tratamento dos presos e com superlotação. Buscando alternativas, fez estudos e pesquisas sobre recuperação de presos, deparando-se com o método APAC, através do livro "Meu Cristo Chorou no Cárcere", e no final havia o telefone de Mário Ottoboni, criador e fundador do método. Fez contato e foi até a cidade de São José dos Campos/SP para conhecer de perto o método, retornando com a certeza de que era possível recuperar uma pessoa. Reuniu os primeiros 15 amigos como voluntários, e quebrando as barreiras do preconceito e ganhando a credibilidade das autoridades locais, fundou a APAC Itaúna em 1997.
Valdeci continuou a visitar o cárcere apresentando aos detentos a nova proposta, as regras, e foi numa destas visitas que conheceu José. Seu histórico era longo, mas se ele aceitasse fazer o caminho proposto pela APAC, Valdeci tinha certeza de que ele também podia se recuperar. José aceitou e em 2000 conseguiu a transferência. A partir daquele ano tudo começou a mudar.
Assim que chegou à unidade, José foi chamado pelo nome, tiraram suas algemas e ele recebeu uma roupa nova. Nas unidades da APAC não existem uniformes e nem a identificação por números. Não era tratado mais como “preso” e sim como “recuperando”. A disciplina é rígida. Todos acordam às 6h para se arrumar, deixam as camas prontas e o dormitório (as celas) em ordem. Às 7h fazem juntos uma oração e às 7h30 é servido o café. A partir das 8h até 17h ocupavam-se do trabalho. Nos primeiros anos de José na APAC, como todo novo recuperando ele se dedicou aos trabalhos manuais. O artesanato tem como objetivo fazê-los refletir sobre seus erros, tendo assistência dos voluntários, que dirigem um trabalho psicológico e espiritual ajudando-os na compreensão da própria dignidade e entendimento do seu valor. Valdeci o acompanhava e José se referia a ele como “o pai que eu não tive”.
Como não tinha escolaridade, foi encaminhado para as aulas noturnas, ali mesmo na unidade. Recebeu uma atenção que nunca poderia ter imaginado. Os professores explicavam quantas vezes fossem necessárias e vibravam com cada conquista. José tomou gosto pelos estudos e depois se profissionalizou formando-se em mecânica. Ele ficou como referência das APACs, pois quando estava preso ali fazia 2 anos, ao ser interrogado por um repórter porque nunca mais tentou fugir, já que sempre obtinha êxito no passado, o reeducando deu uma resposta que virou lema da instituição: “Do amor ninguém foge”. A frase está pintada no muro da APAC Itaúna e de diversas outras unidades.
Esse amor José viu na paternidade de Valdeci e na acolhida dos voluntários que nunca perguntaram sobre qual crime cometeu para estar ali. Naqueles pequenos gestos e convivência do dia a dia, no trabalho na cozinha, limpando o chão, arrumando a cela, José redescobriu a alegria de viver. Em 2003, foi escolhido para representar a entidade em Brasília durante a entrega de troféus às instituições beneficiárias do Programa Senai/Solidário. Recebeu a premiação das mãos do ex-presidente Lula.
Euler de Moraes, motorista na unidade, tornou-se um grande amigo de José, com quem conviveu por vários anos. Foi ele quem o ajudou a reencontrar sua família, após 17 anos sem notícias. Localizaram dona Mercês em Cachoeira do Campo, e ela teve a grande alegria de rever o filho bem, e com saúde. José sonhava em levá-la para morar com ele. Naqueles anos, de uma experiência dura e de sofrimento, nasce um sorriso. Ele foi descobrindo seus talentos, trabalhando e estudando em busca de reconquistar seu lugar na sociedade. Quando passou para o regime semi-aberto, José conheceu Marlene, uma das voluntárias da APAC, que chegou ali em busca de ajuda para um de seus três filhos que estava com problemas com drogas. José logo se apaixonou por ela. “Começamos a nos encontrar e depois de alguns meses ele me perguntou se eu o aceitava, mesmo sabendo de todo o passado”, conta Marlene. “Para ele o importante era o presente e o futuro. Então lhe disse sim e quando ele passou para o regime aberto foi morar na minha casa. E foi um excelente pai para os meus filhos. Dizia que recebeu tanto carinho e amor na APAC que precisava passar isso para os meninos. E com a ajuda de Deus José os orientou com seu exemplo e amor ajudando-os a mudar de vida”.
Nos últimos anos na APAC José ficava no regime aberto, em que passava o dia fora trabalhando e precisava voltar ao presídio apenas para dormir. Completou sua pena após 11 anos, sendo beneficiado pela legislação que para cada três dias trabalhados abate 1 dia da condenação. Mas gozou poucos meses de liberdade até o acidente que o levaria à morte.
Na ocasião havia sido contratado pela própria APAC como plantonista, e tinha tudo registrado como trabalhador, o que lhe dava orgulho e alegria. Não tinha muitas ambições, dedicava-se aos amigos e à família que estava construindo com Marlene. E continuou frequentando a Igreja, pois acreditava que “Deus vem em primeiro lugar”, como dizia. Era um homem feliz e às vezes cantarolava durante o dia os cantos que aprendia nas celebrações. Nunca se cansou de representar a APAC e testemunhar o método que lhe deu um novo horizonte para a vida. Talvez ele concordasse em afirmar que a experiência vivida na APAC é a concretude da atual proposta feita pelo Papa Francisco no Ano da Misericórdia: “Deus é apresentado sempre cheio de alegria, sobretudo quando perdoa (...), porque a misericórdia é apresentada como a força que tudo vence, enche o coração do amor e consola com o perdão”.
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