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OS FATOS

A ruptura do trabalho

por Paolo Perego
07/11/2017 - Por que é tão importante? Como ele nos realiza? O que subsiste à prova da “manhã de segunda-feira”? O trabalho abre muitas questões sobre a vida, para quem tem emprego e para quem o procura

Há duas palavras que a crise nos obriga a pronunciar frequentemente juntas: jovens e trabalho. E quase sempre estão ligadas a números alarmantes de pessoas sem emprego e aqueles que nem estudam e nem trabalham.
Entendemos que o desemprego juvenil é uma grande emergência e fazemos uma tentativa de olhar a questão de um outro ponto de vista, que parte da reflexão sobre uma experiência: aquela feita por alguns dos jovens que prepararam uma mostra no último Meeting de Rímini, na Itália, dedicada justamente ao trabalho. E às questões que surgem na vida de todos, dos que têm um emprego como daqueles que gostariam de tê-lo. Em qualquer idade e em qualquer situação.
Com quais critérios se busca um trabalho? Como a pessoa se realiza naquilo que faz? Trabalhando, que contribuição se pode dar à sociedade? Por que o trabalho é tão importante?
Então, queremos partir do diálogo com eles e daquilo que aprenderam trabalhando, em relação a essas questões. Sem nenhuma pretensão de fornecer fórmulas, mas uma contribuição.


“Tomamos as nossas perguntas – aquelas que precisamos enfrentar todo dia quando vamos para o trabalho – e as apresentamos a pessoas que vivem a experiência do trabalho de maneira fascinante”. Quarenta entrevistas com empresários conhecidos e pouco conhecidos, com empregados, startupper, professores. E não só. Todos envolvidos pelas perguntas de uns trinta jovens que estão entrando no mundo do trabalho. “Como enfrentar as dificuldades? Como conviver com os colegas? O que é o fracasso? Como se conciliam trabalho e família?...”.
Era esse o coração da mostra “Cada um no seu trabalho” sobre o mundo do trabalho no Meeting de Rímini. Muitas pessoas a visitaram. Houve quem ficou impressionado, comovido. Mas houve também quem torceu o nariz e objetou: "Tudo bem, muitas perguntas, mas como resolvê-las?”.
Assim, precisamos recomeçar o jogo com alguns dos “abaixo dos 30” que realizaram a mostra: Marco Saporiti, 27 anos, designer gráfico; os irmãos Martino e Giuditta Sartori, 28 e 26 anos, ele consultor de recursos humanos numa emprega americana e ela designer; e também Paolo Volpetti, arquiteto, 29 anos. Nós nos encontramos com eles depois de Rímini, uma noite, em volta de uma mesa, para ver o que aconteceu na volta das férias. Um pequeno observatório sobre o mundo do trabalho, dos jovens, e sobre como enfrentam as grandes mudanças da nossa época. O que vivem diariamente? E o que resiste à prova da “manhã de segunda-feira”?



Giuditta: Vira e mexe temos que falar sobre o trabalho. Até nas conversas mais banais. “Como vai? Bem, mal...”. Na verdade, em geral as pessoas reclamam, são cínicas, ainda mais se a jornada foi complicada. E a gente desabafa, talvez porque esteja frustrado. Ao invés, como vimos em Rímini, pode acontecer também o oposto, isto é, olhar o quotidiano de uma forma diferente. E então encontramos pessoas como aquelas que entrevistamos e a gente pergunta a elas: “Como você faz?”. Nasceu daí uma descoberta contínua, que não só aprofundou aquelas questões, mas as tornou novas. Que prossegue também hoje, retornando à vida de todos os dias, com um modo de olhar o trabalho que nos permite respirar. Não foram apenas belas palavras. Aquelas perguntas agora eu as faço aos colegas, olho para elas na realidade de cada manhã.

Ou seja? Dê exemplos.
Giuditta:
Estou crescendo profissionalmente, e me são dadas também novas responsabilidades, como um grupo de trabalho dedicado a um determinado projeto. O grupo inicialmente não funcionava. Mas quando entregam para a gente uma tarefa, é preciso apresentar resultado. A primeira reação foi de reclamar, pensei em mudar de grupo. Mas isso não seria uma solução. E não havia solução pronta. Fui então reler algumas daquelas entrevistas da mostra, com o pensamento de resolver o meu problema com a equipe. A certa altura, me veio à mente que quase todos eles fumavam. Eu também. Comecei a fazer companhia a eles durante a pausa para o cigarro, ocasião em que eu lançava alguma ideia sobre o projeto: “O que você acha? O que tem a dizer? O que você faria?”. E aí alguma coisa começou a se mover. Uma jovem, por exemplo, me contou uma coisa bela. Lembrei-me de quando nós, preparando a mostra, fazíamos observações até banais, mas alguém levava isso a sério e nos convidava a aprofundar o assunto. Confiei a ela aquela parte do projeto, arriscando um pouco. E veio à luz uma coisa estupenda. Eu de vez em quando erro. Mas se pouco tempo atrás a reação seria não admitir o erro e justificar-me, no outro dia a coisa foi diferente: “É verdade, como eu posso melhorar?”. Ele se pôs a conversar comigo a respeito.

Martino: O risco, muitas vezes, é olhar sempre muito para frente, ao que acontecerá depois: vou mudar de emprego, vou ganhar mais, a carreira... Mas assim a gente se afasta do problema do quotidiano. Ao invés, ver pessoas apaixonadas pelo que fazem todos os dias, mas sobretudo tão “presentes”, é uma mudança de visão. E também experimentei fazê-lo no trabalho; me surpreendi sendo mais eu mesmo, arriscando ir além das minhas pequenas tarefas, apresentando menos problemas, para fazer algo além da coisa certa “porque o chefe a quer assim”.

E isso só porque começam a levantar perguntas?
Marco:
É o método. Perguntar a alguém. As perguntas de que falamos são aquelas de todos, se referem, no fundo, à possibilidade de se satisfazer com aquilo que faz. E então a gente pergunta, observa como alguém que está mais adiantado faz. Só que o simples perguntar é a coisa mais difícil. Perguntar com que critério se muda de trabalho pode ser visto como uma fraqueza. Como também dizer: “Cometi este erro e não sei como enfrentá-lo”. É aí que se cai no “qualunquismo” do “tá bom” ou “foi mal”. A medida, ao invés, é outra.

Qual é?
Marco:
Veja a Silvana, por exemplo, histórica zeladora de uma escola em Milão. Era uma das pessoas que entrevistamos. Alguém que diz que quando limpa um banheiro não o faz só para fazer uma coisa bonita, bem feita. Isso não basta. O faz porque depois vai entrar ali um estudante que, quando adulto, vai se recordar de como era bonito e limpo o banheiro, e por isso fará bem o seu próprio trabalho. É um outro nível, outra medida. E comoveu até o executivo da Coca Cola na Itália, Vitaly Novikov. Entendeu? Alguém que tem 35 anos e já está no topo, fala sete línguas e veio ver a mostra.

E isso o que tem a ver com você e o seu trabalho?
Marco:
Eu também posso compor um folheto para um cliente com uma boa técnica. Bem feito, e pronto! Ou posso ficar em cima, propor ideias, arriscar e talvez até estabelecer um relacionamento com ele. O olhar de Silvana é algo maior, um modo de fazer as coisas visando o mundo. Por que o meu folhetinho também não pode ser?

Giuditta: Não importa o que a gente faz. Eu que faço um trabalho à primeira vista mais “belo” do que o de Silvana, desejo ser assim. E não posso deixar de me perguntar e de perguntar a ela como faz. Num mundo onde a gente começa a segunda-feira, entra no escritório, e aí a tragédia: todos deprimidos...

Paolo: Mas não é um raciocínio que a gente faz. É algo que nos toca e nos surpreende. Eu amo o meu trabalho. E também sou ambicioso. Há alguns meses mudei de escritório, uma escolha difícil que me fez até perder dinheiro. Mas eu não tinha espaço para crescer e os últimos meses na velha sociedade foram duríssimos. No novo escritório parecia que havia a possibilidade de ter mais responsabilidade. Agora, porém, fiquei sabendo que as coisas não vão caminhar como eu as imaginava. É uma “fria”? Não sei. Mas depois de tudo o que aconteceu neste verão, estou diferente. É verdade, no momento a gente fica nervoso. Mas, ao mesmo tempo, abre-se uma espiral de interesses, uma possibilidade diante do que existe. E eu converso com quem pode me ajudar. Um ano atrás não era assim.

Você procura alguém que está mais adiantado...
Marco:
Em certo sentido, sim. Há pessoas que podem ajudá-lo mesmo que estejam fazendo um trabalho diferente ou que sejam de uma geração. Para a mostra, eu entrevistei alguém abaixo de mim. Está no meu campo e até já trabalhei com ele no passado. Já caminhou mais do que eu, tecnicamente, e não só. E quando trabalhávamos juntos, ele perdia tempo para me explicar as coisas, mesmo que a gente estivesse com o serviço atrasado. Era alguém apaixonado, quase paterno. E isso surpreende a gente, porque talvez eu não teria feito o mesmo no lugar dele.

Giuditta: Porém, não é só uma questão técnica, de encontrar o especialista que resolve o seu problema. Diante da dificuldade ligada a um aspecto particular do trabalho, se falo disso com Marco ou Paolo, ou com outros amigos, eles me abrem os olhos, mesmo que não saibam nada do aspecto técnico da minha função. Estando com eles, vendo como enfrentam o que precisam fazer, aquele problema eu começo a encará-lo de um modo diferente. É disso que eu preciso. A solução técnica está muito “apertada”.

Mas tudo o que vocês estão dizendo tem a ver com o “macro” problema do trabalho? O desemprego, os contratos de risco, a exploração... No fundo, a mostra mesma partia daí, em sua primeira parte, com uma fotografia de uma situação difícil. E vocês responderam com as suas perguntas.
Paolo:
Pode parecer forte e politicamente incorreto. Mas não consigo pensar no problema do “trabalho” sem partir do “meu”. Crescer, viver as dificuldades, estar com os colegas... São as questões que todos têm. E que geralmente desembocam no nada ou na reclamação. Ao invés, podem ser vistas indo até o fundo do desejo. Mesmo quando a gente não tem o emprego, mas somente o está procurando. Como dizia a frase que introduzia a mostra: mudam as circunstâncias, mas o desejo do homem permanece. É o ponto de partida. Inclusive para se analisar o problema geral do trabalho.

Martino: O que Paolo está dizendo incide justamente porque estamos no mundo. E ver o trabalho assim é um ponto de ruptura. Os nossos problemas são os de todos. Verdade, nós não estamos desempregados. E não serei eu a resolver o problema do desemprego. Mas é algo que, no pequeno campo das nossas jornadas, gera mudanças, fatos. Muda o modo de enfrentar uma tarefa particular, de olhar quem a gente encontra. Como lembrou antes Giuditta em relação à sua colega. Muda o modo de procurar. Os outros percebem.

Giuditta: É como se se rompesse uma tampa de vidro, aquela respiração profunda que se dá antes de entrar no escritório enquanto diz “ninguém me toque”, e à noite revê os amigos e depois recomeça a viver. Mas com o tempo isso te sufoca. Ao invés, pode acontecer com você o oposto, como ir para o intervalo do almoço e dizer: “Colegas, chega de lamentação!”. Em suma, torna-se uma perspectiva que você começa a propor a todos.

Mas o que possibilita essa perspectiva? O que vocês viram naqueles que vocês encontraram?
Giuditta:
Penso de novo na Silvana, mas também em outros. É preciso amar profundamente qualquer um, enquanto faz o que precisa fazer. Era uma constante em todas as entrevistas, gente crente ou não. Não basta puxar uma linha e dizer “Deus”. Para alguém eram os filhos; para outros, a família. Ou havia também quem aprendeu a amar mais a si próprio, a querer bem a si mesmo. E isso gerava uma diversidade. É o que eu vi, um amor que me deixou admirada e que acho verdadeiro. Inclusive a meu respeito, mas para mim o foco era a experiência de fé que vivo com os meus amigos.

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