Segundo os Atos dos Apóstolos (4,32-35), “A multidão dos fiéis era um só coração e uma só alma. Ninguém considerava suas as coisas que possuía, mas tudo entre eles era posto em comum. Entre eles ninguém passava necessidade, pois aqueles que possuíam terras ou casas as vendiam, traziam o dinheiro e o depositavam aos pés dos apóstolos. Depois, era distribuído conforme a necessidade de cada um”. Esta comunhão dos bens e solicitude recíproca pelas necessidades, afirma Lucas, era um dos gestos através dos quais “com grande poder, os apóstolos davam testemunho da ressurreição do Senhor Jesus”, e constituía para os contemporâneos motivo de estima: por causa da mesma “os fiéis eram estimados por todos”.
Esta descrição, que amiúde é indicada como ideal ou, pelo menos, um pouco idílica, na realidade nos apresenta uma atitude em relação ao uso dos bens e da pobreza que já mostra uma atenta reflexão em ato na Igreja, bem diferente dos caracteres de ingenuidade que lhe foram atribuídos.
Logo após este relato, com efeito, são narrados dois episódios propositadamente em contraste: a venda de um campo por parte de Barnabé (que será depois companheiro de Paulo em suas primeiras viagens missionárias), e vai depositar o lucro disso aos pés dos Apóstolos, e a maquinação inventada por um casal, Ananias e Safira, que vendem, eles também, um campo de sua propriedade, concordando, porém, em declarar (e oferecer aos Apóstolos) uma receita inferior ao real, retendo para si a diferença. São particularmente importantes as palavras que Pedro dirige a Ananias, das quais obtemos o significado real da esmola: “Ananias, por que encheu Satanás teu coração, para que mintas ao Espírito Santo e retenhas uma parte do preço da propriedade? Ficando como estava, não permaneceria tua? E vendendo-a, o dinheiro não ficaria teu? Como pôde tal coisa passar por tua cabeça? Não é a homens que mentiste, mas a Deus”. Observamos aqui como o acento está todo sobre a gravidade da mentira, que é proferida diretamente contra Deus, e não se menciona alguma obrigação de vender o terreno: aliás, ao contrário, Pedro afirma claramente como o valor do gesto de caridade reside totalmente na sua liberdade e gratuidade.
Mendigante. Masaccio, Distribuição das esmolas e morte de Ananias.
“Deus ama quem dá com alegria”. À luz deste episódio, podemos perceber como desde o alvorecer da Igreja, o afastamento da riqueza não era visto nem simplesmente em função de uma melhor igualação, nem como forma de um comunismo antes litteram (antes de seu tempo), nem como exaltação, em bases ideológicas, da pobreza como condição por si privilegiada para o crer. Antes, notamos que o relacionamento com os bens constitui desde a época apostólica um dos âmbitos mais sensíveis e mais ricos nos quais se exprime a qualidade da fé e se verifica a forma de vida cristã enquanto imitação da vida de Cristo.
Esta conotação teologal da pobreza se percebe claramente por ocasião da assim chamada “coleta” para a Igreja de Jerusalém, um dos gestos mais significativos propostos por São Paulo às comunidades cristãs nascentes entre o ano de 49-50 e o de 57-58. Também neste caso, Paulo sublinha a plena liberdade com que os crentes são chamados a participar: segundo as possibilidades, cada um é convidado a dar “conforme tiver decidido em seu coração, sem pesar nem constrangimento, pois “Deus ama quem dá com alegria” (2Cor 9,7). Ao mesmo tempo, o Apóstolo afirma com força o valor educativo desta oferta, que é uma forma de reconhecimento do dom recebido com o anúncio do Evangelho, constrói a comunhão fraterna, mas sobretudo exprime a própria adesão ao método de Cristo, que, escreve Paulo: “De rico que era, tornou-se pobre por causa de vós, para que vos torneis ricos, por sua pobreza” (2Cor 8,9b). Nesta última afirmação encontramos um dos núcleos fundamentais da teologia da pobreza: uma pessoa se torna pobre, com efeito, em primeiro lugar para identificar-se com a existência de Cristo, com a Sua obediência ao Pai e com o Seu pleno abandono a Ele, autor não só da salvação, mas também das modalidades com as quais ela acontece (leia-se nesta chave o esplêndido hino de Fl 2,5-11). A pobreza, pois, é em primeiro lugar uma atitude do coração e da razão, e o exercício da caridade deriva do reconhecimento de uma preferência que é de Deus mesmo, e que é voltada a fazer dos pobres não só os destinatários da salvação mediante a fé, mas também as testemunhas preferenciais do seu agir.