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OS PAPAS NA HISTÓRIA

BENTO XIV. Às voltas com o Iluminismo

por Eugenio Russomanno
18/11/2015 - Lorenzo Lambertini guiou a Igreja no coração do século XVIII. Foi um Papa famoso pela sua “política da paz” e a sua compreensão. A tal ponto que ganhou a estima de Voltaire
Bento XIV.
Bento XIV.

Quando aos 19 de fevereiro de 1740 iniciou o novo conclave que se seguiu à morte do Papa Clemente XII, o Cardeal Próspero Lambertini, Arcebispo de Bolonha, a algum cardeal que lhe pedia um parecer sobre o novo pontífice a ser eleito, respondeu: “Querem um santo? Elejam Gotti. Querem um político? Elejam Aldobrandini. Querem um burro? Elejam a mim”.

Pouco antes de morrer, aos 3 de maio de 1758 no Palácio do Quirinale, o Cardeal Lambertini, o nosso Papa Bento XIV, pronunciou estas palavras: “Eu agora caio no silêncio e no esquecimento, o único lugar que me cabe”.

Estes dois fatos nos introduzem na personalidade do Papa Bento XIV, o Papa mais importante do século XVIII, um dos melhores e mais sábios sucessores de São Pedro.

Prospero Lorenzo Lambertini nasceu em Bolonha aos 31 de março de 1675. Dotado de capacidade excepcionais, excelente pelo engenho e dedicação ao estudo, perfeitamente instruído no campo jurídico, percorreu uma rápida e brilhante carreira na cúria. Bento XIII lhe conferiu a púrpura cardinalícia (1728) e sucessivamente Clemente XII lhe confiou a arquidiocese de Bolonha (1731). Escreve Antônio Borrelli: “Na nativa Bolonha, o Cardeal Lambertini soube ser homem pio e zeloso; mesmo sendo um hábil prelado da Cúria Romana, quis a todo custo inserir a simplicidade no seu fecundo apostolado… Era um pastor que andava percorrendo sua vasta diocese, informava-se sobre as condições das pessoas pobres, expediu editais para aliviar-lhes as penas; instituiu uma comissão de eclesiásticos para fazer obras de misericórdia visitando e consolando os doentes, especialmente os mais pobres. Durante os quase dez anos de seu episcopado bolonhês, ele trabalhou de todas as maneiras para elevar o nível espiritual e material de seu povo… Muitos estudiosos o definiram ‘um Cardeal Roncalli (João XXIII) do Setecentos’”. Entre 1734 e 1738, dirigindo as repartições incumbidas do processo das canonizações, escreveu um tratado – De servorum Dei beatificatione et beatorum canonizatione – hoje considerado como uma obra indispensável neste campo.

No conclave de 1740, que durou seis meses – o mais longo conclave dos tempos modernos – foi eleito justamente o Cardeal Lambertini. John Kelly descreve perfeitamente o seu temperamento quando o define “conciliador por natureza e por convicção”. A sua “política da paz” é clara em uma frase pronunciada dirigindo-se a um cardeal francês: “A espada não fica bem na mão de quem, apesar de indigno, é vigário de Jesus Cristo”. Com tal espírito, na política externa, fechou as concordatas com a Sardenha, Nápoles, Espanha, Áustria, Portugal; mostrou-se igualmente conciliador com os soberanos protestantes, no interesse dos súditos católicos deles. No campo da política interna, Bento fez de tudo para melhorar as condições do povo e o nível econômico do Estado Pontifício, reduzindo os impostos e incentivando a agricultura e o livre comércio, reduzindo também drasticamente a verba para o exército pontifício.

No campo eclesiástico, “o que mais lhe interessava” – palavras de Kelly – um Papa que mostrava saber distinguir entre soberania espiritual e soberania temporal, a sua legislação teve amplo respiro: inculcou aos bispos o seus deveres de residência, da formação do clero e das visitas pastorais; instituiu especiais comissões que deviam colaborar na escolha de bispos dignos. Era sua intenção reconduzir a liturgia à sua pureza: em 1741 nomeou uma comissão para a reforma do breviário, à qual posteriormente ele mesmo teria se dedicado. Entre 1748 e 1754 reduziu o número das festividades na Itália. Em 1741 pediu aos bispos portugueses da América di Sul um tratamento mais humano para os Índios. Com a bula Ex quo singulari (11 de julho de 1742) suprimiu os ritos chineses patrocinados pelos missionários jesuítas e com a bula Omnium sollicitudinum (12 de setembro de 1744) estendeu a proibição aos ritos malabar indianos.

Abro um parêntese. O adjetivo “malabar” é adjetivo de significado insólito e incomum. De que se trata? Segundo o dicionário Treccani, refere-se ao Malabar, região litorânea da Índia, no Deccan sudoeste. Em particular, a dicção “ritos malabar” foi usada para denominar (impropriamente, porque não eram exclusivas do Malabar) algumas formas de adaptação aos ritos, costumes e ideias locais (honra aos antepassados, cerimônias nupciais, modos de designar Deus, distintivos de casta, etc.) adotadas desde o século XVII na Índia (bem como na China, nos assim chamados “ritos chineses”) pelos missionários jesuítas com o intuito de facilitar a penetração missionária, mas contestadas por missionários de outras ordens e causa de graves contrastes com a Cúria Romana. Fecho o parêntese.

Em 1750 proclamou o Jubileu, durante o qual conseguiu parar a degradação do Coliseu, usado havia tempo como pedreira para extração de pedras para construções, e ali mandou erguer uma grande Cruz em memória dos milhares de mártires cristãos mortos; com simplicidade enternecedora amava, durante o Jubileu, juntar-se às filas dos peregrinos em procissão diante da Porta Santa. Aos 18 de maio de 1751 renovou a condenação da Maçonaria pronunciada por Clemente XII e aos 13 de março de 1752 condenou os escritos do Iluminismo (por exemplo, o Esprit des lois de Montesquieu). A publicação de uma edição melhorada do Índice (1758) precedida por uma Constituição (1753) que prescreveu critérios mais justos e mais científicos para escolher os livros a serem incluídos demonstra a sua característica moderação, o seu caráter conciliador. Entre os demais méritos, junto com são Leonardo de Porto Maurício, a difusão da devoção à Via Sacra e o reconhecimento e a aprovação de duas novas importantes congregações religiosas: os Passionistas de São Paulo da Cruz e os Redentoristas de santo Afonso Maria de Ligório. Porém foi muito prudente com os Jesuítas.

Escreve John Kelly no Grande Dicionário dos Papas: “Sociável e brincalhão, com uma ironia que beirava o sarcasmo e uma franqueza às vezes nociva, Bento nunca descuidou dos interesses científicos. Perito em história eclesiástica, fundou não somente academias para debates literários, mas também cadeiras de matemática superior, química e cirurgia. A sua grande compreensão pelos outros lhe granjeou o respeito dos protestantes e até dos philosophes franceses: Voltaire lhe dedicou a sua tragédia Mahomet, provocando o constrangimento dos círculos católicos mais tradicionais”.

Em uma época difícil como nunca para a Igreja, Papa Bento não deixou de perceber o fato de que com o absolutismo dos monarcas se afirmava sempre mais o princípio da religião de Estado, enquanto, com a difusão do Iluminismo, o Cristianismo corria o risco de uma crise de existência em um mundo sempre mais laico e ateu. Por isto ele, durante os seus dezoito anos de pontificado, quis e soube apreciar as necessidades da época e estimar as tentativas que eram adotadas para renovar os relacionamentos entre a Igreja e a sociedade: ele – quase profeticamente – previa as mudanças iminentes da modernidade, olhando realisticamente o dever da Igreja de empenhar-se a viver as novidades iminentes, certamente segundo a tradição, mas com um olhar novo.

Papa Bento XIV foi verdadeiramente homem de Igreja e verdadeiramente homem moderno.

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