“Pio amava muito a pompa e o protocolo cerimonioso; fez renascer o nepotismo, outorgando aos parentes generosas pensões e construindo para o sobrinho Luigi o palácio Braschi. Desejando ser lembrado como patrono das artes, aplicou vultosas somas para construir esplêndidos edifícios, como a sacristia de São Pedro e o museu Pio-Clementino e para melhorar a rede viária. Estas despesas excessivas, além de sua ousada na malsucedida tentativa de drenar os Pântanos Pontinos, provocaram o desalinhamento das finanças papais. Além disso, ele cedeu aos sobrinhos a propriedade absoluta de grande parte dos territórios recuperados”.
Estas palavras de John Kelly dizem muito sobre o Papa Pio VI, mas certamente não dizem toda a verdade sobre o Papa que teve de enfrentar os fatos da Revolução Francesa.
Gian Ângelo Braschi nasceu em Cesena aos 25 de dezembro de 1717. Conseguiu o título de doutor em Jurisprudência em 1735. Empreendeu a carreira eclesiástica, até quando em 1753 foi escolhido por Bento XIV como secretário particular em virtude de sua habilidade diplomática. Clemente XIV em 1773 o nomeou Cardeal. Um difícil conclave, que durou 134 dias nos anos 1774-1775 o elegeu Papa; e ele assumiu o nome de Pio VI.
No que diz respeito à política externa, as grandes potências estavam em geral bem dispostas com ele e o seu pontificado. Contudo, é preciso recordar o caso austríaco. Aqui, na católica Áustria, o imperador José II (1780-1790), o filho “iluminado” de Maria Teresa, influenciado pelo febronianismo (doutrina que limitava o papel do Papa a um cargo de honra e previa que a chefia da Igreja coubesse a um concílio universal) e pelo Iluminismo, serviu-se de seu sistema de absoluta supremacia do Estado sobre a Igreja para instaurar o assim-chamado “josefismo”: completa tolerância religiosa, limitação da intervenção papal à esfera espiritual, subordinação da Igreja ao Estado sob todos os aspectos, de modo a realizar reformas despóticas, valer-se dos direitos de jurisdição eclesiásticos e suprimir, de forma gradual, os mosteiros e as outras fundações eclesiásticas. Nem mesmo uma viagem de Pio VI a Viena (1782) conseguiu demover o imperador; isso como demonstração do fato de que a reputação do papado tinha caído de novo, como outras vezes na história, a um nível bastante baixo.
“Com a Revolução Francesa iniciou um capítulo muito mais infausto”, observa John Kelly. Inicialmente Pio VI não tomou providências contra a “Constituição civil do clero” (12 de julho de 1790). Mas, quando aos sacerdotes foi imposto um juramento de fidelidade ao regime, o Papa condenou a Constituição como cismática, declarou sacrílegas as ordenações dos novos “bispos de estado”, suspendeu os padres e os prelados que haviam prestado o juramento civil e condenou a “Declaração dos direitos do homem”. As relações diplomáticas foram rompidas e a Igreja francesa ficou profundamente dividida.
Em 1796 Napoleão Bonaparte ocupou Milão, mas o Papa Pio VI continuava a rejeitar os pedidos franceses visando a anular a condenação pronunciada contra a Constituição e a Revolução. Quando Napoleão invadiu os Estados pontifícios, o Papa Pio VI teve que aceitar duras condições de paz: um vultoso tributo de guerra, a entrega de preciosos manuscritos e obras de arte e a cessão de vastos territórios de seus estados (paz de Tolentino, 19 de fevereiro de 1797).
Quando o general francês Duphot foi assassinado durante um motim em Roma, o Diretório ordenou uma nova ocupação dos estados pontifícios. Aos 15 de fevereiro de 1798 o general Berthier entrou em Roma, proclamou a República Romana e, deposto o pontífice (considerado como um Chefe de Estado), o forçou a retirar-se na Toscana; por alguns meses o Papa viveu na Cartuxa de Florência. Para evitar qualquer tentativa de libertação, foi transferido de Florência, passando por Turim e os Alpes, a Briançon e depois a Valence. Pio VI morreu prisioneiro na cidadela de Valence aos 29 de agosto de 1799.
Escreveu João Paulo II: “Os últimos meses de Pio VI foram a sua via crucis. Com mais de oitenta anos, gravemente acometido pela enfermidade, foi arrancado da sede de Pedro. Em Florença ainda pôde beneficiar-se algum tempo com uma relativa liberdade que lhe permitiu exercer a sua responsabilidade de Pastor universal. Depois foi forçado a atravessar os Alpes percorrendo trilhas cobertas de neve. Chegou a Briançon e em seguida a Valence, onde a morte encerrou sua viagem terrena, deixando alguns acreditarem que tivesse chegado o fim para a Igreja e o Papado. É bom lembrar aqui as palavras de Cristo a Pedro, que correspondem à experiência vivida pelo Papa Pio VI naquele ano de 1799: ‘Quando fores velho, estenderás as mãos, e outro te amarrará pela cintura e te levará para onde não queres ir’ (cf. Jo 21, 18). Pio VI aceitou a provação com serenidade e na oração, e, na hora da sua morte, perdoou os seus inimigos, suscitando assim a admiração deles. Entretanto, aos seus sofrimentos físicos juntou-se um tormento moral acerca da situação eclesial. Apesar da agitação que reinava naquele tempo na França, recebeu numerosos e comoventes testemunhos de respeito, de compaixão e de comunhão na fé por parte do povo simples, ao longo do caminho, em Briançon, em Grenoble e em Valence. Por mais que fosse humilhado, o ‘pai comum dos fiéis’, como o chamava o poeta Paul Claudel, era reconhecido e venerado pelos filhos e pelas filhas da Igreja. Esta acolhida simples e solícita, naquelas circunstâncias dramáticas, é uma consolação para todos”.
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