Homilia de 30 de janeiro, publicada no L'Osservatore Romano, ed. em português, n. 6 de 5 de Fevereiro de 2015
“Não perder a memória do primeiro amor” — ou seja, “a alegria do primeiro encontro com Jesus” — significa alimentar continuamente a esperança. E estes “dois parâmetros”, memória e esperança, são a única “moldura” na qual um cristão pode viver “a salvação, que é sempre dom de Deus”, sem cair na tentação da “falta de ânimo”, típica de quem com a memória perdeu também esperança e entusiasmo. Foi um convite a não permanecer “a meio caminho”, o que fez Francisco na missa.
“A salvação dos justos vem do Senhor”: o versículo do Salmo 36 recorda, observou o Papa, a verdade que “a salvação é um dom que o Senhor nos dá”: não se compra nem se pode obter com o estudo, porque é sempre “um dom, uma prenda”. Mas a este ponto a verdadeira pergunta é: “Como conservar esta salvação? Como fazer para que esta salvação permaneça em nós e dê fruto, como explica Jesus, como a semente ou como o grão de mostarda?” disse o Papa referindo-se ao trecho litúrgico de Marcos (4, 26-34).
Precisamente no trecho da Carta aos Hebreus (10, 32-39) “que lemos e ouvimos agora — frisou — há critérios para conservar este dom, esta prenda da salvação; para permitir que esta salvação vá em frente e dê os seus frutos em nós”.
O “primeiro critério”, explicou o Papa, “é o da memória”. Com efeito lê-se no texto: “Irmãos, recordai-vos dos primeiros dias: depois de ter recebido a luz de Cristo”. São aqueles “dias do primeiro amor”, como dizem os profetas: é “o dia do encontro com Jesus”. Porque, frisou Francisco, “quando encontramos Jesus” — ou melhor, esclareceu, quando “ele se deixou encontrar por nós, porque é ele que faz tudo” — “foi uma grande alegria, uma vontade de fazer coisas grandes”, como explica precisamente o mesmo autor da carta. Portanto, o primeiro critério para guardar o dom da salvação é “não perder a memória daqueles primeiros dias” marcados por “um certo entusiasmo”: sobretudo “não perder a memória” do “primeiro amor”.
Depois, o autor da Carta aos Hebreus “prossegue”, fazendo presente que aquela “alegria fez com que suportasse tudo” a tal ponto que “tudo parecia pouco nos primeiros tempos, e ia-se em frente com entusiasmo”. Prosseguindo ainda, “exorta-nos a não abandonar aquela coragem — diz “esta franqueza” — aquela parrésia daqueles primeiros tempos”. Foi precisamente o “primeiro amor” que “fez crescer em nós aquela coragem, aquele ‘mas, vamos adiante!’ , aquele entusiasmo”.
Por conseguinte, o convite é a “não abandonar a franqueza”. Mais: “abandonar não é a palavra certa”, observou Francisco, acrescentando que “no texto original” encontramos uma expressão muito forte: “Não mandeis embora, não desperdiceis, não rejeiteis a franqueza”. É precisamente “como uma rejeição: não mandeis embora, esta coragem, a coragem dos primeiros tempos”.
“Por isso a memória é muito importante para recordar a graça recebida” frisou o Papa. Com efeito “se nós afastamos este entusiasmo que vem da memória do primeiro amor, este entusiasmo que vem do primeiro amor, chega aquele grande perigo para os cristãos: a falta de ânimo”. E “os cristãos tíbios estão ali, parados; e sim, são cristãos, mas perderam a memória do primeiro amor, perderam o entusiasmo”. Além disso “os cristãos tíbios perderam também a paciência, aquele “tolerar” as coisas da vida com o espírito do amor de Jesus; aquele “tolerar” , aquele “carregar sobre os ombros” as dificuldades”. Eis por que, comentou o bispo de Roma, “os cristãos tíbios, coitadinhos, estão em grave perigo”.
A este propósito, disse Francisco, “há duas imagens que me surpreendem muito” e que servem para advertir todos: “És tíbio mas estás atento!”. São Pedro, na segunda Carta, usa “a imagem do cão que volta ao seu vomito”. E “é feia esta imagem” — reconhece o Papa — mas representa bem “um cristão tíbio” que “passa além do primeiro amor, como se aquele primeiro amor nunca tivesse existido”.
“A segunda imagem, também feia, é quando Jesus diz acerca da pessoa que o quer seguir, e o segue, e depois afasta o demônio”. Este demônio, que saiu do homem, “vagueia no deserto” com o propósito de voltar “para aquele homem, para aquela mulher” do qual tinha saído. E quando “volta, encontra a casa em ordem, limpa, bonita”. Assim, “zanga-se, vai, procura sete demônios piores do que ele e volta” para tomar “posse daquela casa”. E fazendo assim “não fere a pessoa”, porque se trata de “demônios “educados”: até batem à porta para entrar, e entram”. Acontece com muita frequência a “um cristão tíbio”, que “não sabe quem bate à porta e abre-a”, dizendo até “Entre!”. Mas Jesus diz que em conclusão “o fim daquela alma” é “pior do que antes”.
“Estas duas imagens da tibieza do cristão fazem-nos pensar”. Por isso nunca se deve “esquecer o primeiro amor”; aliás, é preciso “recordar sempre aquele primeiro amor”. Portanto à pergunta “como vou em frente?”, a resposta é: “com a esperança”. É como diz hoje a Carta aos Hebreus a cada cristão: “Ainda um pouco, só um pouco, e aquele que deve vir, virá e não há-de tardar”.
Eis então “os dois parâmetros” à disposição do cristão: “a memória e a esperança”. Trata-se, no fim de contas, de “recordar para não perder a experiência tão bonita do primeiro amor que alimenta a esperança”. Muitas vezes, admitiu o Papa, “a esperança é obscura” mas o cristão “vai em frente: crê, vai, porque sabe que a esperança não desilude, para encontrar Jesus”.
“São precisamente estes dois parâmetros a moldura na qual podemos conservar a salvação dos justos que vem do Senhor, esta prenda que o Senhor nos faz”. É preciso “guardar esta salvação para que o pequeno grão de mostarda cresça e dê o seu fruto”. Ao contrário, insistiu Francisco, “entristece, faz mal ao coração ver tantos cristãos, tantos, a meio caminho, tantos cristãos falidos neste caminho rumo ao encontro com Jesus”. E mesmo “partindo do encontro com Jesus”, a meio do percurso “perderam a memória do primeiro amor e não têm esperança; estão ali...”.
O Papa pediu ao Senhor “a graça de conservar esta prenda, o dom da salvação”: um dom que cada cristão deve guardar “neste caminho que evoca a memória e a esperança”. Mas, concluiu, “só ele nos pode conceder esta graça: que ele nos envie o Espírito Santo para caminhar por esta senda”.
© Copyright - Libreria Editrice Vaticana
Credits /
© Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón