Homilia de 20 de fevereiro, publicada no L'Osservatore Romano, ed. em português, n. 9 de 26 de Fevereiro de 2015
“Usar Deus para cobrir a injustiça é um pecado gravíssimo”, foi a severa advertência pronunciada pelo Papa Francisco contra as iniquidades sociais, sobretudo as que são provocadas pelos que exploram os trabalhadores. O Pontífice refletiu sobre a oração com a qual no início do rito foi elevado ao Senhor o pedido de “nos acompanhar neste caminho quaresmal, para que a observância exterior corresponda a uma renovação profunda do espírito”. Ou seja, para que o que fazemos exteriormente tenha uma correspondência, dê frutos no Espírito: em síntese, “que aquela observância exterior não seja uma formalidade”.
Para tornar mais concreta a sua reflexão, Francisco citou o exemplo de quem pratica o jejum quaresmal pensando: “Hoje é sexta-feira, não se pode comer carne, comerei um bom prato de marisco, um bom banquete... Eu observo... não como carne”. Mas assim — disse logo a seguir — “peca de gula”. De resto, é precisamente “esta a distinção entre o formal e o real” de que fala a primeira leitura litúrgica, tirada do livro do profeta Isaías (58, 1-9a). No trecho as “pessoas lamentam-se porque o Senhor não ouvia os seus jejuns”. Por seu lado o Senhor reprova o povo, com as palavras que o Pontífice resumiu do seguinte modo: “No dia do jejum de vocês, ocupam-se dos seus negócios, oprimem seus operários. Jejuam entre demandas e discussões e dando punhos injustos”. Por isso “isto não é jejum, não comer a carne, mas depois fazer todas estas coisas: zangar-se, explorar os operários” e assim por diante.
Também Jesus, acrescentou Francisco, “condenou esta proposta da piedade nos fariseus, nos doutores da lei: fazer muitas observações exteriores, mas sem a verdade do coração”. Com efeito, o Senhor diz: “Não jejuem como fazem hoje, mudem o seu coração. E qual é o jejum que eu quero? Desatar as correntes injustas, eliminar os vínculos do jugo, mandar os oprimidos em liberdade, dividir o pão com o faminto, introduzir em casa os miseráveis, os desabrigados, vestir um necessitado sem descuidar os seus parentes, fazendo justiça”. Isto, esclareceu o Papa, “é o jejum verdadeiro, que não é apenas exterior, uma observação exterior, mas um jejum que vem do coração”.
Sucessivamente o Pontífice observou que “as tábuas” contêm “a lei em relação a Deus e ao próximo”, e que ambas caminham juntas. “Eu não posso dizer: cumpro os primeiros três mandamentos... e os outros mais ou menos. Não, estão juntos: o amor a Deus e o amor ao próximo são uma unidade e se você quer fazer penitência, real e não formal, deve fazê-la diante de Deus e também do irmão, com o próximo”. É suficiente pensar no que disse o apóstolo Tiago: “Podes até ter muita fé, mas a fé sem obras está morta; para que serve?”.
O mesmo é válido para “a minha vida cristã” comentou Francisco. E quem procura ter a consciência limpa garantindo: “Eu sou um grande católico, padre, gosto muito... Vou sempre à missa, todos os domingos, recebo a comunhão...” o Papa respondeu: “Está bem. E como é a relação com os seus empregados? Dá-lhes ajuda? Recebem um salário justo? Deposita a contribuição para a reforma? Para garantir a saúde e a assistência social?”. Infelizmente muitos “homens e mulheres têm fé, mas dividem as tábuas da lei. Não se podem fazer “ofertas à Igreja à custa da injustiça” perpetrada em relação dos próprios empregados. E é precisamente isto que o profeta Isaías faz compreender: “Não é um bom cristão o que não é justo com as pessoas que dependem dele”. E também não é “aquele que não se despoja de algo que lhe é necessário para dá-lo a outro necessitado”.
Portanto, “o caminho da Quaresma é duplo: a Deus e ao próximo”. E deve ser “real, não meramente formal”. Francisco reafirmou que não se trata só “de não comer carne à sexta-feira”, ou seja, “de fazer alguma coisa” e depois deixar “crescer o egoísmo, a exploração do próximo, a ignorância dos pobres”. É preciso dar um salto de qualidade, pensando sobretudo em quem tem menos. O Pontífice explicou-o dirigindo-se idealmente a cada fiel: “Como está de saúde, você que é um bom cristão?” — “Graças a Deus, bem; mas também quando preciso vou imediatamente ao hospital e como sou sócio de uma segurança social, visitam-me imediatamente e dão-me os remédios necessários” — “É uma coisa boa, agradece ao Senhor”. Mas pensou nos que não têm esta relação social com o hospital e quando chegam devem esperar seis, sete, oito horas?”. Não é um exagero, disse Francisco, revelando que ouviu uma experiência do gênero de uma mulher que em alguns dias atrás esperou oito horas para uma consulta urgente.
O pensamento do Papa dirigiu-se para todas as pessoas que aqui em Roma vivem assim: “crianças e idosos que não têm a possibilidade de ser consultados por um médico”. E “a Quaresma serve” precisamente “para pensar nelas”; e para refletir no modo como as ajudar. Em conclusão o Papa dirigiu uma oração ao Senhor para que acompanhe “o nosso caminho quaresmal” fazendo com que “a observação exterior corresponda a uma profunda renovação do Espírito”.
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