Homilia de 6 de fevereiro, publicada no L'Osservatore Romano, ed. em português, n. 7 de 12 de Fevereiro de 2015
Um homem, João, e um caminho, que é o de Jesus, indicado pelo Batista, mas é também o nosso, ao qual todos somos chamados no momento da provação. Parte da figura de João, “o grande João: segundo Jesus ‘o maior homem nascido de mulher’” a reflexão do Papa Francisco na missa celebrada em Santa Marta. O evangelho de Marcos (6, 14-29) narra a prisão e o martírio deste “homem fiel à sua missão; homem que sofreu muitas tentações” e que “nunca atraiçoou a sua vocação”. Um homem “fiel” e “de grande autoridade, respeitado por todos: o grande daquele tempo”.
O Papa Francisco alongou-se ao analisar a sua figura: ”O que saía dos seus lábios era justo. O seu coração era justo”. Era tão grande que “Jesus dirá também dele que ‘Elias voltou, para limpar a casa, para preparar o caminho’”. E João “estava consciente de que o seu dever era unicamente anunciar: anunciar a proximidade do Messias. Ele estava consciente, como nos faz refletir santo Agostinho, de que ele era unicamente a voz, a Palavra era outro”. Também quando “foi tentado a ‘raptar’ esta verdade, ele permaneceu justo; “não sou eu, atrás de mim vem, mas não sou eu: eu sou o servo; eu sou o servidor; eu sou aquele que abre as portas, para que ele venha”“.
A este ponto o Pontífice introduziu o conceito de caminho, porque, recordou: “João é o precursor: precursor não só da entrada do Senhor na vida pública, mas de toda a vida do Senhor”. O Batista “vai em frente no caminho do Senhor; dá testemunho do Senhor não só mostrando-o — ‘É este!’ — mas também levando a vida até ao fim como o Senhor a levou”. E terminando a vida “com o martírio” foi “precursor da vida e da morte de Jesus Cristo”.
O Papa prosseguiu a reflexão sobre estes caminhos paralelos ao longo dos quais “o grande” sofre “muitas provações e torna-se pequeno, pequeno até ao desprezo”. João, como Jesus, “aniquila-se, conhece o caminho da aniquilação. João, com toda aquela autoridade, pensando na sua vida, comparando-a com a de Jesus, diz ao povo quem é ele, como será a sua vida: ‘Convém que ele cresça, e eu devo diminuir’”. É esta, frisou o Papa, “a vida de João: diminuir diante de Cristo, para que Cristo cresça”. É “a vida do servo que dá o lugar, abre as veredas do Senhor”.
A vida de João “não foi fácil”: com efeito, “quando Jesus começou a sua vida pública”, ele estava “próximo dos Essênios, ou seja, dos observantes da lei, mas também das orações, das penitências”. Assim, num momento, no período em que estava na prisão, “sofreu a prova da escuridão, da noite na sua alma”. E aquele episódio, comentou Francisco, “comove: o grande, o maior manda dois discípulos ir encontrar Jesus para lhe perguntar: “Mas João pergunta-te: és tu, ou errei e devo esperar outro”?”. Por conseguinte, ao longo do caminho de João surgiu “a escuridão do erro, de uma vida queimada pelo erro. E para ele esta foi uma cruz”.
À pergunta de João “Jesus responde com as palavras de Isaías”: o Batista “compreende, mas o seu coração permanece escuro”. Não obstante presta-se aos pedidos do rei, “ao qual agrada ouvi-lo, mas que gostava de levar uma vida adúltera”, e “quase se tornava um pregador de corte, deste rei perplexo”. Mas “ele humilhava-se” porque “pensava que podia converter este homem”.
Por fim, disse o Papa, “depois desta purificação, depois deste descer contínuo na aniquilação, abrindo caminho à aniquilação de Jesus, a sua vida termina”. Aquele rei de perplexo “tornou-se capaz de uma decisão, mas não porque o seu coração foi convertido”; antes “porque o vinho lhe dá coragem”.
E assim João termina a sua vida “sob a autoridade de um rei medíocre, embriagado e corrupto, pelo capricho de uma bailarina e pelo ódio vingativo de uma adúltera”. Assim “termina o grande, o maior homem nascido de mulher”, comentou Francisco que confessou: “Quando eu leio este trecho, comovo-me”. E acrescentou uma consideração útil para a vida espiritual de cada cristão: “Penso em duas coisas: primeiro, penso nos nossos mártires, nos mártires dos nossos dias, aqueles homens, mulheres, crianças que são perseguidos, odiados, afastados das casas, torturados, massacrados”. E esta, frisou, “não é uma coisa do passado: hoje acontece isto. Os nossos mártires, que acabam a sua vida sob a autoridade corrupta de pessoas que odeiam Jesus Cristo”. Por isso “nos fará bem pensar nos nossos mártires. Hoje pensemos em Paulo Miki, mas ele é de 1600. Pensemos nos de hoje, de 2015”.
O Pontífice prosseguiu acrescentando que este trecho o leva a refletir também sobre si mesmo: “Também eu terminarei. Todos nós acabaremos. Ninguém pode ‘comprar’ a vida. Também nós, querendo ou não, vamos pelo caminho da aniquilação existencial da vida”. E isto, disse, leva-o “a rezar para que esta aniquilação seja o mais possível semelhante à de Jesus Cristo”.
Termina assim o círculo da meditação de Francisco: “João, o grande, que diminui continuamente até ao nada; os mártires, que diminuem hoje, na nossa Igreja de hoje, até ao nada; e nós, que estamos neste caminho e vamos rumo à terra, onde todos acabaremos”. Neste sentido a oração final do Papa: “Que o Senhor nos ilumine, nos faça compreender este caminho de João, o precursor do caminho de Jesus; e o caminho de Jesus ensina-nos como deve ser o nosso”.
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