Homilia de 5 de março, publicada no L'Osservatore Romano, ed. em português, n. 10 de 5 de Março de 2015
Ser mundano significa perder o nome a ponto de ter os olhos da alma “ofuscados”, anestesiados, já não ver as pessoas ao nosso redor. O Papa alertou precisamente contra este “pecado”: “A liturgia quaresmal de hoje propõe-nos duas histórias, dois juízos e três nomes. As “duas histórias” referem-se à parábola do rico e do mendigo Lázaro (Lc 16, 19-31). Em particular, a primeira é “a do homem rico, que se vestia de púrpura e linho finíssimo”, que “se tratava bem” e “todos os dias oferecia grandes banquetes”. Na realidade o texto “não diz que ele era mau”, mas que “era um homem que levava uma vida boa”. No fundo, “o Evangelho não diz que se divertia muito”, mas que levava “uma vida tranquila com os amigos”. “Se tinha pais, sem dúvida enviava-lhes bens a fim de terem o necessário para viver”. E talvez “até fosse um homem religioso, à sua maneira e recitasse orações; e duas ou três vezes por ano certamente ia ao templo para fazer sacrifícios e ofertas generosas aos sacerdotes”. E “eles, com pusilanimidade clerical e gratos, faziam-no sentar em lugares de honra”. Este era “socialmente” o sistema de vida do homem rico apresentado por Lucas.
Depois há “a segunda história, a de Lázaro”, o mendigo diante da porta do rico. Como é possível que o rico não se desse conta de que à porta da sua casa estava Lázaro, pobre e faminto? As chagas de que fala o Evangelho são “um símbolo das suas necessidades”. E “quando o rico saía de casa, talvez tivesse o vidro do seu carro escurecido para não ver fora”. “Sem dúvida os olhos da sua alma estavam ofuscados para não ver”. Assim, o rico “só via a sua vida e não via o que acontecia” com Lázaro. Afinal, “o rico não era mau, mas doente: doente de mundanidade”. E “a mundanidade transforma a alma, levando-a a perder a consciência da realidade: vivem num mundo artificial”. A mundanidade “anestesia a alma”. E “por isso aquele homem não conseguia ver a realidade”.
A “segunda história é clara”: existem muitas pessoas que levam uma vida difícil, mas “se o meu coração é mundano não entenderei isto”. De resto, “com o coração mundano” não se consegue compreender “as necessidades do próximo. Com o coração mundano é possível ir à igreja, rezar e fazer muitas coisas”. Mas na prece da última ceia, o que pediu Jesus? “Pai, preserva estes discípulos”, para que “não caiam na mundanidade”, que “é uma condição pecaminosa da alma”.
Quanto aos “dois juízos”, são “uma maldição e uma bênção”. Na primeira leitura (Jr 17, 5-10) lê-se: “Maldito o homem que confia no homem e põe na carne o seu sustento, afastando o coração do Senhor”. Mas este é o perfil do “mundano que vimos” no homem rico. E “no fim, como será” este homem? A Escritura define-o “como um arbusto na estepe: não verá nascer o bem, ‘permanecerá na aridez do deserto’ — a sua alma é deserta — ‘numa terra árida, onde ninguém pode viver’”. E tudo isto “porque os mundanos vivem só com o seu egoísmo”.
Em Jeremias há também a bênção: “Feliz o homem que confia no Senhor. É como uma árvore plantada na margem de um riacho”, enquanto o outro “era como um arbusto na estepe”. Eis então “o juízo final: nada é mais traiçoeiro do que o coração e dificilmente se cura: aquele homem tinha o coração doente, tão apegado ao modo de viver mundano que dificilmente podia ser curado”.
Enfim, Francisco propôs os “três nomes” sugeridos pelo Evangelho: “Lázaro, Abraão e Moisés”, com mais uma chave de leitura: o rico “não tinha nome, porque os mundanos perdem o nome”, são só um elemento “da multidão abastada que não precisa de nada”.
“Na Igreja tudo é claro, Jesus falava claramente: eis o caminho”. Mas “no fim há uma palavra de consolação: quando o homem mundano, atormentado, pede que Lázaro lhe venha dar um pouco de água”, Abraão, que é a figura de Deus Pai, responde: “Filho, recorda-te...”. “Os mundanos perdem o nome” e “também nós, se tivermos um coração mundano, perderemos o nome”. Mas “não somos órfãos. Até ao último momento há a certeza de que temos um Pai que está à nossa espera. Confiemos nele”. E “até no meio da mundanidade o Pai nos chama filhos”.
“Na oração no início da missa — concluiu — pedimos ao Senhor a graça de dirigir o nosso coração ao Pai”. Assim, “continuemos a celebração da missa pensando nas duas histórias, nos dois juízos e nos três nomes, mas sobretudo na bonita palavra que ouviremos até ao fim: filho”.
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