Homilia de 9 de março, publicada no L'Osservatore Romano, ed. em português, n. 11 de 12 de Março de 2015
O estilo de Deus é a “simplicidade”: inútil procurá-lo no “espetáculo mundano”. Também na nossa vida ele age sempre “na humildade, no silêncio, nas coisas pequenas”.
Como de costume, o Pontífice inspirou-se na liturgia da palavra na qual, frisou, “há uma palavra comum” às duas leituras: “a ira e o desprezo”. No Evangelho de Lucas (4, 24-30) narra-se o episódio no qual “Jesus volta a Nazaré, vai à Sinagoga e começa a falar”. Num primeiro momento “todos o ouviam com amor, felizes”, e admiravam-se com as palavras de Jesus: “estavam contentes”. Mas Jesus prossegue no seu discurso “e reprova a falta de fé do seu povo; recorda como esta falta é também histórica”, referindo-se ao tempo de Elias (quando — recordou o Papa — “havia muitas viúvas”, mas Deus enviou o profeta “a uma viúva de uma cidade pagã”) e à purificação de Naaman o Sírio, narrada na primeira leitura tirada do segundo livro dos Reis (5, 1-15).
Começa então a dinâmica entre expectativas do povo e resposta de Deus que esteve no centro da homilia do Pontífice. De fato, explicou Francisco, enquanto as pessoas “ouviam com prazer o que Jesus dizia”, alguém “não gostou do que dizia” e “talvez algum bisbilhoteiro tenha se levantado e dito: Mas ele nos fala de que? Onde estudou para nos dizer essas coisas? Que nos mostre o diploma! Em qual universidade estudou? É o filho do carpinteiro e conhecemo-lo bem!”.
Explodem então “a fúria” e “a violência”: lê-se no Evangelho que “o expulsaram da cidade e o levaram ao pináculo do monte” para empurrá-lo. Mas, perguntou o Pontífice, como podem “admiração e enlevo” ter-se transformado em “ira, fúria, violência?”. Foi o que aconteceu também ao general sírio do qual fala o segundo livro dos Reis: “Tinha fé este homem, sabia que o Senhor o teria curado. Mas quando o profeta diz: ‘Vai, molha-te’, indigna-se”. Tinha outras expectativas, explicou o Papa, e de fato pensava em Eliseu: “Estando em pé, invocará o nome do Senhor seu Deus, passará a sua mão sobre a parte doente e tirará a lepra... Mas nós temos rios mais bonitos do que o Jordão”. E assim foi embora. Contudo, depois “os amigos fizeram-no raciocinar” e voltou atrás, então se realizou o milagre.
Duas experiências distantes no tempo mas muito semelhantes: “O que queriam aquelas pessoas, os da Sinagoga e o sírio?” perguntou o Pontífice. Por um lado, “Jesus reprovou os da sinagoga por falta de fé”, e o Evangelho evidencia que “Jesus lá, na sua cidade, não realizou milagres, por falta de fé”. Por outro, Naaman “tinha fé, mas uma fé especial”. Nos dois casos, frisou Francisco, todos procuravam a mesma coisa: “Desejavam o espetáculo”. Mas “o estilo do bom Deus não é dar espetáculo: Deus age na humildade, no silêncio, nas coisas pequenas”. Não foi por acaso que ao sírio “a notícia da possível cura lhe foi dada por uma escrava, que trabalhava como doméstica de sua esposa, por uma jovem humilde”. O Papa comentou a propósito: “Assim age o Senhor: na humildade. E se vermos todas as histórias da salvação, veremos que o Senhor age sempre assim, sempre, com as coisas simples”.
Para compreender melhor este conceito o Pontífice referiu-se a diversos episódios das Escrituras. Por exemplo, observou, “na narração da criação não se diz que o Senhor usou uma varinha mágica”, não disse: “Façamos o homem” e o homem foi criado. Ao contrário, Deus “modelou-o com o barro, simplesmente”. E assim, “quando quis libertar o seu povo, libertou-o pela fé e confiança de um homem, Moisés”. Do mesmo modo, “quando quis derrubar a poderosa cidade de Jericó, fê-lo através de uma prostituta”. E “também para a conversão dos samaritanos, usou a ação de outra pecadora”.
Na realidade o Senhor surpreende sempre o homem. Quando “enviou David a lutar contra Golias, parecia uma loucura: o pequeno David diante do gigante, que tinha uma espada e muitas outras armas, e David só a fisga e as pedras”. O mesmo aconteceu “quando disse aos Magos que o rei tinha nascido, o grande rei”. O que encontraram? “Um menino, uma manjedoura”. Portanto, afirmou o bispo de Roma, “as coisas simples, a humildade de Deus, é o estilo divino, nunca o espetáculo”.
De resto, explicou, o “espetáculo” foi “uma das três tentações de Jesus no deserto”. Com efeito, Satanás disse-lhe: “Vem comigo, vamos ao terraço do templo; lanças-te de lá e todos verão o milagre e acreditarão em ti”. Ao contrário, o Senhor revela-se “na simplicidade, na humildade”.
Então, concluiu Francisco, “nos fará bem nesta quaresma pensar no modo como o Senhor nos ajudou na nossa vida, como nos fez ir em frente, e descobriremos que o fez sempre com coisas simples”. Até poderia parecer que tudo aconteceu “como se fosse uma casualidade”. Porque “o Senhor faz coisas simples. Fala-te silenciosamente ao coração”. Por conseguinte, será útil recordar neste período “as muitas vezes” em que na nossa vida “o Senhor nos visitou com a sua graça” e compreendemos que a humildade e a simplicidade são o seu “estilo”. Isto é válido, explicou o Papa, não só na vida diária mas também “na celebração litúrgica, nos sacramentos”, nos quais “é bom que se manifeste a humildade de Deus e não o espetáculo mundano”.
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