Homilia de 23 de março, publicada no L'Osservatore Romano, ed. em português, n. 13 de 26 de Março de 2015
“Onde não há misericórdia, não há justiça”. Quem paga pela falta de misericórdia é, ainda hoje, o povo de Deus que sofre quando encontra “juízes sem escrúpulos, viciosos e rígidos” também na Igreja que é “santa, pecadora e necessitada”, afirmou o Papa.
Francisco notou imediatamente que as leituras propostas pela liturgia — tiradas do livro de Daniel (13, 1-9.15-17.19-30.33-62) e do Evangelho de João (8. 1-11) — “nos fazem ver dois julgamentos a duas mulheres”. Mas, acrescentou, “gostaria de recordar outro julgamento que diz respeito a uma mulher, que são Lucas nos narra no capítulo 18”. Portanto, “há três mulheres e três juízes: uma mulher inocente, Susana; outra, pecadora, a adúltera; e uma terceira, a do Evangelho de Lucas, uma pobre viúva”. E “todas, segundo alguns padres da Igreja, são figuras alegóricas da Igreja: a Igreja santa, a Igreja pecadora e a Igreja necessitada, porque as viúvas, os órfãos eram os mais necessitados naquele tempo”. Precisamente por esta razão, explicou o Papa, “os padres pensam que são figuras alegóricas da Igreja”.
Ao contrário, “os três juízes são malvados, todos”. E, prosseguiu, “desejo enfatizar isto: naquela época o juiz não era só civil mas também religioso, era as duas coisas juntas, julgava as questões religiosas e civis”. Assim, “os três eram corruptos: os que levaram a adúltera a Jesus, os escribas, os fariseus, os que faziam a lei e também os julgamentos, tinham no coração a corrupção da rigidez”. Com efeito, para eles “tudo era a letra da lei, o que dizia a lei, sentiam-se puros: a lei diz isto e deve-se fazer isto...”. Mas “não eram santos; eram corruptos, corruptos porque uma rigidez deste tipo pode ir em frente só com uma vida dupla”. Talvez precisamente aqueles “que condenavam essas mulheres depois iam procurá-las às escondidas, para se divertirem um pouco”. E o Papa quis sublinhar também que “os rígidos são — este é o adjetivo usado por Jesus — hipócritas: fazem uma vida dupla”. A ponto que “os que julgam, pensemos na Igreja — as três mulheres são figuras alegóricas da Igreja — os que julgam com rigidez a Igreja têm uma vida dupla. Com a rigidez nem se pode respirar”.
Referindo-se em particular ao trecho do livro de Daniel, o Papa reafirmou que certamente “não eram santos nem sequer aqueles dois” que acusaram injustamente Susana. E precisamente “Daniel, ao qual o Espírito Santo exorta a profetizar, chama-os ‘homens envelhecidos no mal’”. A um deles até diz: “A beleza seduziu-te, a paixão pervertiu-te o coração! Assim fazias com as mulheres de Israel e elas por medo uniam-se a vós”. Em síntese, aqueles dois “eram juízes viciosos, tinham a corrupção do vício, neste caso a luxúria”. E “costuma-se dizer que quando há este vício da luxúria, com os anos torna-se mais acentuado, mais malvado”. Consequentemente, aqueles dois juízes “eram corruptos pelos vícios”.
E “do terceiro juiz — aquele do Evangelho de são Lucas que lembrei há pouco — Jesus diz que não temia Deus, não se importava com ninguém: não se interessava por nada, só lhe importava de si mesmo” afirmou Francisco. Era, em poucas palavras, “um interesseiro, um juiz que com a sua profissão de julgar fazia negócios”. E, portanto, era “um corrupto, um corrupto de dinheiro, de prestígio”.
O problema fundamental, explicou o Papa é que estas três pessoas — quer o “interesseiro” quer “os viciosos” e os “rígidos” — “não conheciam uma palavra: não conheciam o que era a misericórdia”. Porque “a corrupção os levava a não compreender a misericórdia” “a não ser misericordiosos”. Ao contrário, “a Bíblia nos diz que o julgamento justo se encontra na misericórdia”. E assim “as três mulheres — a santa, a pecadora e a necessitada — sofrem por esta falta de misericórdia”.
Mas isto é válido “também hoje”. E “o povo de Deus” que, “quando encontra estes juízes, sofre um julgamento sem misericórdia, quer no civil, quer no eclesiástico”, constata isto pessoalmente. Aliás, especificou o Papa, “onde não há misericórdia não há justiça”. E assim “quando o povo de Deus se aproxima de espontânea vontade para pedir perdão, para ser julgado, quantas vezes encontra algum destes”. Encontra “os viciosos”, por exemplo, “que estão ali, capazes também de tentar explorá-los”, e isto “é um dos pecados mais graves”. Mas, infelizmente, encontra também “os interesseiros”, aos quais “nada importa e não dão oxigênio àquela alma, não dão esperança: não se importam”. E encontra “os rígidos, que punem nos penitentes o que escondem na sua alma”. Portanto, eis “a Igreja santa, pecadora, necessitada, e os juízes corruptos: quer sejam eles interesseiros, viciosos, rígidos”. E “isto chama-se falta de misericórdia”. Concluindo, Francisco quis “recordar uma das palavras mais bonitas do Evangelho, tirada precisamente do trecho hodierno de João, que me comove muito: Ninguém te condena? — Ninguém, Senhor — Nem eu te condeno”. E precisamente esta expressão de Jesus — “Nem eu te condeno” — é “uma das palavras mais bonitas porque está cheia de misericórdia”.
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